20140829

Simples e doce como a vida a dois



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Ela participou de discos dele. Ele produziu o mais recente disco dela. Seis anos de parceria artística e conjugal depois, o casal mais visado da música nacional acaba de ganhar seu primeiro filho. O rebento chama-se Banda do Mar e nasceu com 12 canções. De Mallu Magalhães, herdou o frescor. De Marcelo Camelo, a serenidade. De ambos, um atávico apelo pop. Não poderia haver presente melhor para o 22º aniversário da mãe, comemorado exatamente hoje. Mas é o pai quem tem mais motivos para festejar.

Na mesma idade que a virginiana, Camelo viu seu grupo Los Hermanos estourar em todo o país com Anna Julia na virada do século. Desde então, enquanto sua garota se firmava e era louvada pela crítica a cada álbum, ele nunca mais conseguiu deixar de se explicar. Primeiro, por renegar o sucesso. Já em carreira solo, por recusar o papel de “porta-voz” de sua geração. Imagine o fardo para um cara que não esperava nem queria se tornar ícone de porcaria nenhuma, muito menos da insuportável MPB universitária surgida sob sua influência.

Pois a Banda do Mar periga livrá-lo dessa encheção de saco. Protegido pela simpatia que Mallu desperta e pela curiosidade em torno do outro integrante (o baterista português Fred Ferreira), Camelo está à vontade. Seja para se tornar acessível novamente em “Hey Nana”; seja para acompanhar as deliciosas bobagens “Mais Ninguém”, “Muitos Chocolates” ou “Mia”, cantadas por ela. Tudo muito familiar, simples e doce, como – isso é um elogio – um comercial de margarina indie.

Nova só no nome
Quinto trabalho em estúdio de Bebel Gilberto, Tudo mantém-se no caminho inaugurado em 2001 com Tanto Tempo. Como ninguém procura o diferente em 2014 na filha de João e Miúcha, não há nada de errado nisso. Sendo assim, os fãs vão relaxar com a bossa que de nova só tem o nome na autoral “Nada Não” e nas releituras de “Vivo Sonhando” (Tom Jobim) e “Saudade Vem Correndo” (Luiz Bonfá). Ainda bem: no pouco que se arrisca fora de sua zona de conforto, a cantora comete uma versão embaraçosa de “Harvest Moon”, de Neil Young.



À benção, tio Ozzy
No extremo oposto, o Pallbearer atropela qualquer sutileza em seu segundo disco, Foundations of Burden. O lance aqui é da pesada, ponto. Sem verniz para acrescentar rótulos à sua música além do metal, o quarteto americano arrasta-se em velocidade paquidérmica com jamantas que passam de dez minutos, como “The Ghost I Used to Be”. Coisa de guri que ouviu Sabbath demais e até hoje não se recuperou. Sempre haverá algum.

20140822

Tudo bem e sem razão

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

O rock nacional tem suas tradições. Uma delas é a as bandas nunca acabarem em definitivo. Não seria o Ira! que quebraria a escrita. O grupo passa por Santa Catarina neste final de semana com a turnê que marca sua volta após o conturbado rompimento, em 2007. Da formação original, sobraram apenas o vocalista Nasi e o guitarrista Edgar Scandurra. É o que resta e o que basta para que os shows de hoje em Joinville, amanhã em Indaial e domingo em Florianópolis tragam consigo muitas virtudes. Nenhuma musical.

O retorno aos palcos impôs uma mudança de comportamento aos envolvidos. Longe da droga que o estava destruindo, o cantor reconciliou-se com o irmão Airton Valadão Jr. – por acaso também empresário do grupo – e com o velho parceiro. Pode-se duvidar da sinceridade dos atos, mas não de sua validade. Às vezes tudo bem, às vezes sem razão, vencer o vício, tolerar as diferenças e perdoar são maiores do que “ABCD”, a única canção inédita que integra o repertório.

Quando separados, os remanescentes do atual quinteto ficaram tentando se satisfazer com outros sons, outras batidas, outras pulsações. Nasi vasculhou o passado com os Irmãos do Blues, Scandurra viu futuro na eletrônica. O presente é desfilar os hits de sua carreira conjunta em 200 shows até 2015, culminando com um obrigatório CD/DVD ao vivo. Se tudo der certo, o Ira! vira o Capital Inicial e obtém mais sucesso agora do que em sua encarnação anterior. O próximo passo é um dos dois se tornar jurado do SuperStar.

Mutantes encaixotados
Quem também está voltando são os Mutantes. Pelo menos às lojas, com uma caixa reunindo os discos de sua fase clássica – os cinco primeiros mais o póstumo Tecnicolor, todos gravados entre 1968 e 1972, ainda com Rita Lee a bordo –, além da compilação Mande Um Abraço Pra Velha. Essa última contém faixas extraídas de festivais e de participações em álbuns de outros artistas, nada muito significativo. De qualquer maneira, sempre é hora de apreciar a maior banda brasileira de todos os tempos.



ABBA para hipsters
Abra suas asas, solte suas feras, caia na gandaia e leve com você Impressions, do Music Go Music. Em seu terceiro disco, o trio de Los Angeles consolida-se como o ABBA de sua geração com “Nite After Nite”, “Inferno” e “People All Over The World”, que não fariam feio se entoadas pela matriz sueca nas pistas mundiais durante a virada dos anos 1970 para os 1980. Tudo livre, leve e solto, como devem ser os sonhos mais loucos.

20140815

Mudar para se manter na trilha

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Em 1993, a revista Bizz listou as 20 pessoas mais poderosas da música brasileira. Entre executivos de gravadoras que podiam lançar um disco em milhares de lojas pelo país inteiro, profissionais de rádio capazes de colocar um single nas paradas e empresários munidos de todos os esquemas para promover a banda, um nome resplandecia, inquestionável, na liderança do ranking: Mariozinho Rocha. Quem? O diretor musical da Rede Globo, responsável pelos trilhas sonoras das novelas da emissora.

Passados 21 anos, quase tudo mudou. A revista deixou de existir. Nenhum artista com o mínimo de noção conta (apenas) com o tripé gravadora-rádio-empresário para distribuir, divulgar e negociar música. Duas coisas, porém, permanecem inalteradas. Uma é emplacar o tema da abertura ou de algum personagem de um folhetim exibido em horário nobre, que continua sendo um dos jeitos mais eficazes para apresentar um artista às massas ou oxigenar carreiras claudicantes.

A outra é o sujeito que escolhe tal canção para ser ouvida pela mesma audiência, ao mesmo tempo, em milhões de lares. Sim, Mariozinho Rocha. Se a lista fosse refeita hoje, o responsável por Beatles (na voz de Dan Torres), New Order e Chic embalarem, respectivamente, Império, O Rebu e Boogie Oogie teria lugar garantido nas primeiras posições. Ao seu lado, chefes de marketing de empresas que bancam álbuns e turnês via renúncia fiscal e de compositores neossertanejos. Baita evolução.

Tão certo que acabou

A propósito, tem banda catarinense que já figurou na trilha sonora não de uma, mas de duas novelas. Foi o Stryx, de Florianópolis, presente com “Estou de Volta” em Araponga, de 1990. No ano seguinte, a Sony lançou o disco do grupo – de onde o dramalhão Rosa Selvagem, do SBT, pegou a faixa “Nu de Corpo e Alma”. Apesar da exposição, reforçada por constantes aparições em programas de TV, o quinteto se dissolveu logo depois de dar certo. Sua história ainda vai ser contada com a atenção que merece.

Baú de novidades
Quando a gente acha que não há mais o que desencavar da década de 1980, o pós-punk volta à ordem do dia com o Total Control. O segundo disco dos australianos, Typical System, soa formal como o cultuado Wire, sem abdicar do senso de diversão doentio característico do Devo. A combinação chega ao ápice em “Black Spring” e “Flesh War”, obrigando novas redescobertas para confirmar as melhores referências.

20140808

Pior para o pop

(A 20 dias antes de se concretizar, interrompemos nosso ano black-sabático – que, ao contrário do sabático, é involuntário – com a coluna publicada hoje no Diário Catarinense. As coisas prometem ficar mais animadas por aqui. No mínimo, todas as sextas.)

Tente lembrar da última vez em que ficou com o refrão de um artista de Santa Catarina na cabeça. Tirando um ou outro do Dazaranha, faz tempo. O consumidor médio pode achar a música catarinense original, intensa ou outro adjetivo suficientemente vago para parecer relevante, contanto que não lhe peçam para ouvi-la. Enquanto o dito pop local provoca um piedoso bocejo em seu público-alvo, bandas como Cassim & Barbária e Skrotes vêm abrindo caminhos – com certeza legítimos, às vezes injustos, sempre desconhecidos – que começam a ser seguidos. Nem que seja por falta de opção.
Nesse cenário de expectativas reajustadas, Murilo Mattei também não precisa de ninguém cantando junto para ocupar seu espacinho. Quando não está na UFSC, o aluno de Ciências Sociais tranca-se no apartamento onde mora no bairro Trindade e, munido de um teclado Nanokey2 da Korg e um notebook, experimenta ideias musicais sob o nome de Vinolimbo. Ignoradas em Florianópolis, suas colagens sonoras e batidas suaves renderam cinco EPs virtuais desde 2012.



Os dois trabalhos mais recentes, I Never Stepped On The Cracks 'cause I Thought I'd Hurt My Mother e The End Of What Never Happened, apareceram na internet entre maio e julho passados. Ambos foram lançados pelo selo porto-alegrense NAS e receberam elogios de sites respeitados por quem gosta desse tipo de som. O orleanense de 22 anos tem plena consciência de que sua música eletrônica jamais vai tocar nas rádios e pistas. O pouco que o Vinolimbo conseguiu até agora é mais do que ele poderia querer. Mas não se contentar.

Chuchu beleza
Um produtor e uma atriz se unem para gravar um disco. Apesar do cheiro suspeito, a picaretagem funciona se ele for o polivalente Dan “The Automator” Nakamura (Gorillaz, Kasabian) e ela, a teteia Mary Elizabeth Winstead (Scott Pilgrim Contra o Mundo, A Coisa). A dupla assina como Got A Girl o álbum I Love You But I Must Drive Off This Cliff Now, um punhado de canções que deixa a vida muito mais leve, fina e elegante. Sirva com gelo.



De boas intenções
Nunca se criou, registrou e consumiu tanta música quanto hoje. Nunca se leu tão pouco sobre música quanto hoje. Esta coluna pretende tornar menor a distância que separa as duas frases anteriores. Afinal, como dizia Frank Zappa, “a maioria das pessoas não reconheceria boa música nem que ela viesse mordê-las na bunda”. Claro que não é o seu caso.