20151229

Tão boa que até o pateta copiou


Em 2015, não houve uma canção que unisse corações, mentes e quadris como Hey Ya (2003), Crazy (2006), Get Lucky (2013) ou Happy (2014). Mas quaisquer dúvidas sobre qual seria a música do ano se dissiparam com o lançamento do disco Adivinha, de Lucas Lucco (acima, no detalhe). Quando até um pateta como ele se rende e, no maior descaramento, copia a capa de Hotline Bling, é porque o negócio é forte. Como se não bastasse, o single de Drake ganhou versão de Erykah Badu e remix de Justin Bieber. Ou seja, não importa o formato, de alguma maneira a faixa vai pegar você. Conheça as outras nove:

10 | Michael Head & The StrandsPoor Jill


A gravação é de 1997. O lançamento é de 2015, na reedição do disco de estreia da banda. E a magia é de 1968, quando o sonho ainda vigorava.

| Noel Gallagher's High Flying BirdsRiverman



Solo de guitarra incomoda muita gente. Solo de guitarra e de saxofone incomodam muito mais. Não nessa balada linda do boquirroto inglês.

| EmicidaSalve Black (Estilo Livre)



O rapper paulistano não estava à procura da batida perfeita, mas a encontrou nas rimas inteligentes contra o ódio burro que fecham seu álbum.

| Tame ImpalaReality in Motion



Em sua viagem pelos anos 80, a maior loucura dos australianos foi emular o Rush do LP Hold Your Fire (1987) e, mesmo assim, conquistar os hipsters.

| The ArcsChains of Love



O blues de garagem pilotado por Dan Auerbach no Black Keys dá uma amaciada sem perder a aspereza neste projeto paralelo que confirma sua ótima fase.

| Mark Ronson, Daffodils (feat. Kevin Parker)



Tame Impala batendo ponto de novo – agora via Kevin Parker, que chega com um pote de ouro cheio de falsete para colorir o arco-íris setentista do produtor.

| Snoop DoggCalifornia Roll (feat. Stevie Wonder)



Stevie Wonder e Pharrell Williams se juntam ao rapper para celebrar o Estado onde as coisas acontecem, desde que se tenha os estímulos adequados.

| My Morning JacketOnly Memories Remain



Outra baladaça extemporânea, pungente e delicada o bastante para transformar a dor do que já foi na lembrança do que sempre será.

| The Chemical Brothers, I'll See You There



Psicodelia, quebradeira, distorção e calmaria em loop infinito, como uma espiral que vai atropelando tudo o que atravessa em sua frente.

| DrakeHotline Bling  | Erykah BaduCel U Lar Device



No original do rapper canadense ou na versão da cantora americana, a chamada piscando é o prenúncio de uma noite fervente.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

70 MÚSICAS DE 2015
11 | Duran Duran, Sunset Garage



Homenagem às madrugadas em que éramos todos imortais.

70 MÚSICAS DE 2015
12 | AM & Shawn Lee, Cold Tears



Suave na nave, tranquilo no mamilo.

70 MÚSICAS DE 2015
13 | Astronauts, etc., I Know



Gostoso como um sabor que só traz lembranças agradáveis.

70 MÚSICAS DE 2015
14 | New Order, Tutti Frutti



Veteranos no cozimento de corpos nunca erram o ponto do massa.

70 MÚSICAS DE 2015
15 | Aldo, Liquid Metal



Aldo é uma pessoa real. E é uma banda, que não tem nenhum Aldo. Em tempos líquidos, nada como metal no mesmo estado para dissolver a linearidade.

70 MÚSICAS DE 2015
16 | Boogarins, 6000 Dias (Ou Mantra dos 20 Anos)



Romance de formação assinalado por guitarras entorpecidas.

70 MÚSICAS DE 2015
17 | Unknown Mortal Orchestra, I Can't Keep Checking My Phone



Dilemas da modernidade tratados de acordo com os mais rígidos preceitos do deboísmo.

70 MÚSICAS DE 2015
18 | The Chemical Brothers, Born in the Echoes (feat. Cate le Bon)



Química orgânica.

70 MÚSICAS DE 2015
19 | Beck, Dreams



Oba, Beck se cansou das toadas de viola e resolveu desenferrujar o esqueleto.

70 MÚSICAS DE 2015
20 | Skylar Spence, I Can't Be Your Superman



O cara se chamava Saint Pepsi. Teve que trocar de nome por causa do refrigerante. Não foi ele que acabou tomando nessa história.

70 MÚSICAS DE 2015
21 | Mark Ronson, In Case of Fire (feat. Jeff Bhasker)



A influência benfazeja de Stevie Wonder faz mais uma vítima.

70 MÚSICAS DE 2015
22 | The Weeknd, Can't Feel My Face



Esteja onde estiver, Michael Jackson sorri, com invejinha saudável.

70 MÚSICAS DE 2015
23 | Chic, I'll Be There



Muitos se arriscam a imitá-lo, mas só Nile Rodgers tem a munheca dourada que tantos hits já assinou com sua guitarra. Se foi um ensaio para sentir a febre, pode mandar mais.

70 MÚSICAS DE 2015
24 | The Arcs, Everything You Do (You Do for You)



Trilha para strip-tease.

70 MÚSICAS DE 2015
25 | Courtney Barnett, Pedestrian at Best



#meuamigosecreto diz que sente um tesão danado por "essas minas guitarrudas que cantam com raivinha".

70 MÚSICAS DE 2015
26 | Protoje, Answer to Your Name



Conversinha mole que leva você no bico.

70 MÚSICAS DE 2015
27 | Blur, Go Out



Quem fala a língua do pop consegue experimentar com mais facilidade.

70 MÚSICAS DE 2015
28 | Escort, If You Say So



Movimento curvilíneo uniforme.

70 MÚSICAS DE 2015
29 | Miami Horror, Out of Sight



A música que o Duran Duran não fez porque buscava algo mais afinado com o presente.

70 MÚSICAS DE 2015
30 | Snoop Dogg, This City



Esta é a sua cidade, este é o seu hino e Snoop é seu prefeito.

70 MÚSICAS DE 2015
31 | Formation, Hangin



Promete.

70 MÚSICAS DE 2015
32 | Toro y Moi, Empty Nesters



Sessão de bronzeamento mental.

70 MÚSICAS DE 2015
33 | Tame Impala, 'Cause I'm a Man



Um homem que admite suas fraquezas tem tanto valor quanto o que sabe manejar uma furadeira.

70 MÚSICAS DE 2015
34 | Iron Maiden, Speed of Light



Lá vem o Eddie convidar a gente para jogar RPG. Bem que ele tentou, mas não se acertou com os videogames.

70 MÚSICAS DE 2015
35 | Eagles of Death Metal, Complexity



Complexidade mesmo foi os noticiários entenderem que, apesar do nome, a atração do Bataclan durante os atentados em Paris está mais para um cruzamento de Kiss com Franz Ferdinand do que para uma banda de metal.

70 MÚSICAS DE 2015
36 | Tulipa Ruiz, Físico



Empoderamento feminino em versão Olivia Newton-John.

70 MÚSICAS DE 2015
37 | Louis la Roche, Bright Future



Do luar à aurora.

70 MÚSICAS DE 2015
38 | Miami Horror, Love Like Mine (feat. Cleopold)



Reciclagem para as pistas.

70 MÚSICAS DE 2015
39 | The Chemical Brothers, Go (feat. Q-Tip)



Uma jamanta movida a rimas.

70 MÚSICAS DE 2015
40 | Kendrick Lamar, King Kunta



Um tanto de balanço em meio ao falatório do (e sobre) o rapper.

70 MÚSICAS DE 2015
41 | Trails and Ways, Jacaranda



Madeira de dar em indie.

70 MÚSICAS DE 2015
42 | Jaloo, Insight



Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante. (VELOSO, Caetano, 1977)

70 MÚSICAS DE 2015
43 | Art vs Science, Chosen One



O primeiro verso liquida a fatura.

70 MÚSICAS DE 2015
44 | New Order, People on the High Line



Envelhecer sem perder o traquejo.

70 MÚSICAS DE 2015
45 | Astronauts, etc., If I Run



Em câmera lenta pelos confins da galáxia.

70 MÚSICAS DE 2015
46 | Cidadão Instigado, Ficção Científica



Retrofuturismo do agreste.

70 MÚSICAS DE 2015
47 | Moving Panoramas, One



As garotas & seus problemas.

70 MÚSICAS DE 2015
48 | Blundetto, Last Broken Bones (feat. Marina P)



Na brisa tudo se dissipa.

70 MÚSICAS DE 2015
49 | My Morning Jacket, Thin Line



Épico de acender celular no show.

70 MÚSICAS DE 2015
50 | Belle and Sebastian, The Party Line



Isabel e Sebastião saem para conhecer gente nova.

70 MÚSICAS DE 2015
51 | Slaves, Cheer Up London



Desatinos compatíveis com a idade dos rapazes.

70 MÚSICAS DE 2015
52 | Foals, Snake Oil



Café da manhã dos campeões.

70 MÚSICAS DE 2015
53 | The Arcs, Stay in My Corner



Sofrência com categoria.

70 MÚSICAS DE 2015
54 | My Morning Jacket, Tropics (Erase Traces)



Toda a pompa e circunstância que um sonzão requer.

20151228

70 MÚSICAS DE 2015
55 | NX Zero, Breve Momento



Me julguem.

70 MÚSICAS DE 2015
56 | To Be Frank, Shot



Maturidade não é covardia.

70 MÚSICAS DE 2015
57 | Black Alien, Homem de Família



A redescoberta da felicidade nas pequenas coisas.

70 MÚSICAS DE 2015
58 | Danglo, Catch My Eye (feat. Ivan Franco)



Elegância blasé.

70 MÚSICAS DE 2015
59 | Snoop Dogg, Peaches n Cream (feat. Charlie Wilson)



Um cachorro under a groove.

70 MÚSICAS DE 2015
60 | Tuxedo, The Right Time



A hora certa para pensar menos e se divertir mais.

70 MÚSICAS DE 2015
61 | Jupiter, Sun, Gun, Gum



Quente, letal & grudento.

70 MÚSICAS DE 2015
62 | Courtney Barnett, Depreston



Tchubaruba de mulher.

70 MÚSICAS DE 2015
63 | Bike, Isso/Daquilo



A conquista do espaço em duas rodas.

70 MÚSICAS DE 2015
64 | Marian Hill, Got It



Sax biruta sexy delícia.

70 MÚSICAS DE 2015
65 | Passion Pit, Where the Sky Hangs



Sabe de tudo, inocente.

70 MÚSICAS DE 2015
66 | !!!, Freedom '15



Liberdade para botar o que quiser onde quiser.

70 MÚSICAS DE 2015
67 | Rascal Experience, Marauders Thoughts



Derivações que só são toleradas entre moleques.

70 MÚSICAS DE 2015
68 | Maglore, Dança Diferente



Assoviando & pegando uma praia como Los Hermanos.

70 MÚSICAS DE 2015
69 | Neil Young + Promise of the Real, A Rock Star Bucks a Coffee Shop



Assoviando & dando nome aos bois.

70 MÚSICAS DE 2015
70 | Breakbot, Back for More



O melhor jeito de começar uma retrospectiva das músicas do ano: com o mago francês dos sons vintage anunciando sua volta para mais.

20151222

Um ano cheio de discaços


O melhor disco de 2015 foi aquele que você montou sem dar a mínima para artista, estilo, época ou… disco. Em tempos de música via nuvem, talvez não faça muito sentido ficar arrotando que determinado álbum é mais “alguma coisa” do que outro. Mas até que o mundo – e isso inclui os artistas também – adote outra convenção para designar o lançamento de um punhado de músicas, é em discos que a gente vai se agarrar para guiar nossas preferências e frustrações. Para chegar à relação abaixo, foram ouvidos mais de 200 trabalhos, uns por meros segundos, outros sem parar durante meses. Eis os que sobreviveram para entrar em sua próxima playlist, nem que seja no modo randômico:

10 | NEW ORDER Music Complete
Em seu trabalho mais inspirado neste século, os veteranos ingleses matam a saudade das pistas. OUÇA “Tutti Frutti”, “People on the High Line”, “Plastic”.



9 | ALDO Giant Flea
Nenhuma banda gringa fez um disco na linha indie-dance como o grupo paulistano que canta em inglês. OUÇA “Liquid Metal”, “Good Morning Pumpkin”, “2nd Hand Chest”.



8 | ERYKAH BADU But You Caint Use My Phone
Uma mixtape sobre a relação com o telefone. Atenda ao ouvir o ronronar na linha. OUÇA “Cel U Lar Device”, “Phone Down”, “Mr. Telephone Man”.



7 | MY MORNING JACKET The Waterfall
A América profunda e empoeirada em baladas de despedaçar corações. OUÇA “Only Memories Remains”, Thin Line”, “Tropics (Erase Traces)”.



6 | BLUR The Magic Whip
Após 12 anos, o grupo volta com tintas asiáticas e africanas para diversificar o britpop natal. OUÇA “Go Out”, “Lonesome Street”, “There Are Too Many of Us”.



5 | MARK RONSON Uptown Special
Um “álbum de produtor” regido por um suíngue vintage que vai de Stevie Wonder a Tame Impala. OUÇA “Daffodils”, “In Case of Fire”, “Leaving Los Feliz”.



4 | SNOOP DOGG Bush
O infalível Pharrell Williams e uma certa erva ajudaram o cachorrão a lembrar como o rap era divertido. OUÇA “California Roll”, “Peaches n Cream”, “This City”.



3 | TAME IMPALA Currents
Acostumados a viajar, os australianos desceram na década de 80 e se sentiram bem por lá. OUÇA “Reality in Motion”, “Cause I’m Man”, “The Less I Know the Better”.



2 | THE ARCS Yours, Dreamily
Já está ficando chato esse negócio de Dan Auerbach (Black Keys) acertar sempre. OUÇA “Everything You Do”, “Chains of Love”, “Stay in My Corner”.



1 | THE CHEMICAL BROTHERS Born in the Echoes
Filtrado, recortado e traduzido para 2015, o pop de todos os tempos saúda o futuro. OUÇA “I’ll See You There”, “Born in the Echoes”, “Go”.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151215

5 shows inesquecíveis de 2015

Tão tradicional quanto o peru de Natal ou se vestir de branco no réveillon é aproveitar esta época para passar o ano em revista. Hoje e pelas próximas quatro terças, este espaço irá se dedicar ao que de melhor e/ou mais relevante rolou em música nos últimos 12 meses segundo a sempre peculiar, às vezes incompreendida e – ainda bem – nunca unânime opinião do acima assinado. Começamos pelas ocasiões em que valeu a pena ser achacado no estacionamento, pagar uma pequena fortuna por qualquer líquido, levar cotoveladas e não entender o que o vocalista está cantando: os grandes shows de 2015 (em ordem cronológica).

Sublime with Rome @ P12, FLORIANÓPOLIS (31/1) | A banda certa no lugar certo na hora certa. Um grupo nascido na Califórnia e crescido com uma maresia litorânea em que predominam ska e reggae, tocando no verão em um beach club de uma ilha famosa pelas suas praias. Para lembrar: a citação de “Legalize It” (Peter Tosh) no meio de “Scarlet Begonias”; o fumacê que tomou conta do ambiente em “Doin’ Time”; a sessão pula-pula provocada por “Wrong Way”. [+]

Kiss @ DEVASSA ON STAGE, FLORIANÓPOLIS (20/4) | Nada como quatro mascarados para colocar as coisas em sua devida dimensão histórica. Duas horas de clássico atrás de clássico, fazendo tiozinhos reviverem a melhor fase de suas vidas, filhos descobrirem de onde vem o jeitão esquisito de seus pais e todos erguerem os punhos nos refrãos. Para lembrar: “I Love it Loud”. Não, “War Machine”! Uau, “Calling Dr. Love”! Rock’n’roll a noite inteira, ponto. [+]

Azymuth @ TEATRO PEDRO IVO, FLORIANÓPOLIS (29/4) | O trio carioca abriu a quinta edição do Jurerê Jazz Festival mostrando sua excelência em fundir estilos como bossa nova, samba e jazz para formar uma massa compacta de groove & leveza. Para lembrar: o respeito solene com o qual a plateia recebeu “Meditação” (Tom Jobim); o coro em “Linha do Horizonte”; a simpatia do baterista Mamão ao final do show, dando autógrafos e tirando fotos. [+]

Buena Vista Social Clube @ TEATRO ADEMIR ROSA, FLORIANÓPOLIS (18/5) | Ao contrário de uma certa melancolia que permeia seu único disco de estúdio (gravado em 1987), ao vivo a instituição cubana emanou uma vibração que acabou contagiando inclusive os momentos mais intimistas da apresentação. Para lembrar: Omara Portuondo botado para quebrar aos 85 anos; a homenagem no telão aos integrantes que já se foram. [+]

Legião Urbana @ HANGAR, TUBARÃO (21/11) | Finalmente o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá resolveram brindar os fãs com um show de verdade, sem papinho de tributo e com um vocalista – o ator André Frateschi – que evita a vergonha de querer imitar Renato Russo. Para lembrar: “A Dança”, somente uma das muitas joias do primeiro disco, executado na íntegra e na ordem das faixas no vinil. [+]

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151208

Erykah Badu tem uma ligação para você

Você pode achar que é implicância com Adele. O fato é que o colunista ainda se divertia com os impropérios merecidos na terça passada por ter dito que ela fez um disco mais chato do que hospedar parentes em casa em um final de semana com chuva – e ainda por cima com criança pequena –, quando pintou o novo trabalho de Erykah Badu, But You Caint Use My Phone. A comparação é inevitável: enquanto a inglesa murmura “alô, sou eu”, a texana dedica um disco inteiro à relação da sociedade atual com o telefone. E aí fica a critério do ouvinte escolher de quem preferiria receber uma chamada.

A rigor, nem se trata de um lançamento convencional. Em seu primeiro projeto desde New Amerykah Part Two, de 2010, Erykah Badu apresenta uma mixtape – apanhado de vinhetas e rascunhos de canções. O ponto de partida foi um remix para “Hotline Bling”, o single do rapper canadense Drake que se tornou uma das músicas emblemáticas de 2015 (tanto que até Justin Bieber a gravou). Pelas mãos da cantora, o sucesso virou “Cel U Lar Device”, um R&B no qual o ronronar dela se encarrega de conferir manha & malícia às rimas.



Daí a coisa evoluiu para a necessidade de se estar sempre conectado nos celulares. Citando obras de Usher, New Edition, Isley Brothers e Todd Rundgren sobre ligações telefônicas, a mulher compõe um mosaico que denominou de TRap&B (trap, rap, R&B). Rótulos à parte, destaca-se aquilo que Erykah Badu sempre soube fazer: ritos de acasalamento em que as letras, por mais conscientes que sejam, repousam em segundo plano diante dos instintos primitivos despertados pela música, como nas também insinuantes “Phone Down” e “Mr. Telephone Man”. Se ela ligar, é melhor você atender.

Ponto para o rock
Lançado originalmente em fevereiro, o quarto álbum dos ingleses do Foals ganha edição nacional para o fã brasileiro que acompanha o grupo desde o início se surprender. Se antes a banda soava mais “moderninha” (com os prós e contras que o termo implica), agora o rock aparece com mais vigor. Ainda que paire um certo ar indie-fofura, são as guitarras que movem What Went Down – e é difícil precisar até que ponto a produção de James Ford, conhecido por seu trabalho com Arctic Monkeys, tem influência nisso. Em vez de perder tempo com essas questiúnculas, bote “Snake Oil” no talo e volte a ter 15 anos. Ou suspire pelo que passou com “Mountain at My Gates”.



 L ANÇAMENTOS


Tom Custódio, Confronto – O segundo disco do blumenauense elogiado por Mallu Magalhães é fruto do Prêmio da Música Catarinense, que o elegeu o artista revelação de 2013. “Pânico” abre com um pop rock, uma das duas vertentes dominantes do álbum, presente também em “Você Você Você”. Mas a linha dominante é a suavidade de “Verão” e “Conflito”, trazendo uma leveza que invade o sambinha “Pro Amor Que Doía”.



Marrero – O trio paulistano faz rock feio, sujo & malvado com amplificadores valvulados e tecnologia analógica. Isso significa que a banda está pouco se lixando para o próximo hype, investindo em riffs pesados, que se arrastam com a desenvoltura de uma bigorna. O lançamento integra a plataforma musical de uma marca de cerveja e, caso petardos como “Quem Será?” ou “Rei” não decolem, não faltará bebida para consolar.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151201

Só os números justificam Adele

Enquanto você lê estas mal-batucadas, é provável que o disco 25, de Adele, já tenha vendido mais algumas milhares de cópias. Lançado no dia 20, o terceiro álbum da cantora inglesa vem colecionando estatísticas superlativas. Na primeira semana, 3 milhões de exemplares foram comercializados nos Estados Unidos (o triplo da expectativa) e 737 mil na Inglaterra (superando o recorde de Be Here Now, do Oasis). Nos dois primeiros dias, o clipe de Hello foi assistido 1 milhão de vezes por hora e a música está em primeiro lugar nas paradas de 106 países.



Os resultados coroam o talento da moça e justificam o investimento na produção do trabalho, mas, sobretudo, mostram como o mundo anda careta & carente. O tal do 25 é mais chato do que hospedar parentes em casa durante um final de semana com chuva – e com criança pequena, ainda por cima. Tirando “Send My Love (To Your New Lover)”, que com muita boa vontade poderia ser uma sobra de estúdio de Amy Winehouse, as demais músicas não passam de baladas assépticas nas quais Adele se reafirma com sua voz de contralto. Na fossa ou numa boa, a deprê é a mesma.

Para satisfação do mercado, do empresário e dos outros elos da cadeia produtiva em torno da artista, até o nome do disco segue o padrão dos anteriores 19 e 21 – a idade dela quando escreveu as letras. Que eles se assanhem com os números, tudo bem; esse é o propósito. O que não dá para entender é o público embarcando nessa. Parece coisa de torcedor que, à falta de vitórias em campo, comemora verba de TV, média de público e pacotes do pay-per-view como gols do seu time. Assim é o fã de Adele: brande os resultados de 25 porque da música não há muito o que falar. E viva o efeito manada.

Legado grunge
Há 20 anos, o Silverchair surgiu com o disco Frogstomp e foi rapidamente assimilado como uma cópia de Pearl Jam. Com o devido distanciamento histórico, ficou evidente que ninguém defendeu o grunge com o empenho do trio. As bandas tradicionalmente associadas ao estilo – Nirvana, o próprio Pearl Jam e quejandos – partiram para outras direções, deixando de cheirar como espírito juvenil (pegou?). O Silverchair, não. Até hoje, marmanjos de todas as idades venderiam a alma ao diabo para emular o “som de Seattle” tão bem quanto os moleques australianos em sua estreia. A edição comemorativa da data vem com o CD original, outro com raridades e um DVD ao vivo. Para lembrar da época em que a gente acreditava que as camisas de flanela salvariam o mundo.



 L ANÇAMENTOS


Antonio Rossa, O Próximo Passo – O catarinense Rossa é daqueles artistas que tentam dar dignidade ao pop. A despeito do baixo orçamento e do pouco reconhecimento, seu trabalho sempre trata bem a inteligência, apresentando capricho acima da média e acabamento profissional. Este single mantém o padrão, com um belo clipe gravado no Chile, Argentina e Brasil.



Silva, Júpiter – O capixaba Silva já tinha dado mostras de onde seria capaz de chegar com o single Noite, que nem a participação de Lulu Santos conseguiu estragar. Agora chega o disco inteiro e as notícias são cada vez melhores. A promessa dos dois álbuns anteriores se confirmou e, com batidas discretas, R&B de leve e letras espertas, ele está pronto para conquistar o lugar que merece.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151124

Com a bênção do tio Aldo

No país de Naldo, vale a pena conhecer Aldo. Como seu quase xará funkeiro, faz música para festa. Mas nasceu em São Paulo, canta em inglês e tem uma concepção de diversão que desce melhor com vodka do que com água de coco. Ah, e é uma banda. Após estrear em 2013 com um disco muitíssimo bem falado pelas poucas pessoas que o escutaram, o grupo chega ao segundo álbum, Giant Flea, credenciado a provocar ressacas ainda maiores – para orgulho do tio que levava os sobrinhos Murilo e André Faria a rolês pelo lado selvagem da rua Augusta.



Quando foram batizar sua empreitada sonora, os dois irmãos não tiveram dúvida: resolveram homenagear aquele com quem, a bordo de um Santanão vermelho, descobriram como a vida pode ser boa. Nascia Aldo The Band, movida pela eletrônica de Murilo (programação, sintetizadores, backing vocais e teclados) e pelo indie rock de André (baixo, guitarra e voz). Da combinação surgem batidas e distorções que alinham o grupo ao lado de LCD Soundsystem, !!!, Holy Ghost, Hot Chip e outros representantes atuais da música visceral para as pistas.

Logo nas duas primeiras faixas, Giant Flea já diz a que veio. A primeira, “2nd Hand Chest”, tem uma melodia que vai conquistando terreno de forma gradual. Na seguinte, “Liquid Metal”, ninguém mais fica parado. E assim transcorre o disco, alternando pop imediato (“Sunday Dust”, “Good Morning Pumpkin”) com convites irrecusáveis para os quadris (“Primate”, “Bluffing”). Pena que tio Aldo, o inspirador de tantas experiências, não curte mais esse tipo de apelo: aposentou-se da vida louca e virou evangélico. Pelo menos, abençoou os rapazes.

Rita em caixa
Até 2015 terminar deve ser lançada a caixa com a discografia de Rita Lee. Tomara que daí as Novas Gerações percebam a cantora com o devido interesse. A senhora excêntrica de hoje foi a maior roqueira do país, e só não permanece no posto porque tem coisas mais importantes com que se preocupar – como, por exemplo, cuidar do jardim. Dos 27 álbuns pós-Mutantes gravados por ela de 1970 a 2012, 20 foram remasterizados para a edição encaixotada. Entre eles constam os dois primeiros, ainda à sombra dos irmãos Arnaldo Baptista e Sergio Dias (Build up e Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida), o mergulho no desbunde setentista com a banda Tutti Frutti (Atrás do Porto Tem uma Cidade, Fruto Proibido, Entradas e Bandeiras) e a rendição ao pop com Roberto de Carvalho (os álbuns em nome dela ou no do casal). Confira algumas pepitas do baú de Rita na playlist abaixo:



 L ANÇAMENTOS


Templa, Abre – É um projeto paralelo de figurinhas carimbadas na cena musical de Florianópolis: Felipe Melo (guitarra e voz, Mafra + Melo), José Neto (baixo, Sum) e João Mateus da Rosa (bateria, Rafclif). O trio estreia com um single que, em meio à barafunda de estilos que domina a música atual, quer apenas ser pop – e consegue, com uma melodia gostosa que bebe da new wave dos anos 80 ao rock atual. Que venham as outras quatro, prometidas até a metade do ano que vem.



Jean-Michel Jarre, Electronica 1 – The Time Machine – Militante da eletrônica no tempo em que o gênero era revolucion, nada mais justo do que o francês também faturar agora que o estilo rivaliza com o sertanejo e o axé na preferência dos reis do camarote. Para quebrar o hiato de oito anos sem gravar, ele convocou uma seleção: Air, Vince Clarke (Depeche Mode), Moby, Tangerine Dream e 3D (Massive Attack), todos reverenciando o mestre de 67 anos. O volume 2 pinta em 2016.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151117

Raridades nada preciosas

Ninguém discute a importância do Nirvana, o talento de Kurt Cobain, a grande perda que foi seu suicídio. Mas fica difícil convencer disso o moleque que está chegando agora no rock com a trilha sonora do documentário Montage of Heck. Na película, casadas com imagens igualmente caseiras, as canções até tinham alguma função. Em disco, não passam de bobagens – a despeito do valor histórico que possam ter – reunidas com o único intuito de explorar a boa fé dos fãs com a rapa do tacho do ídolo.



O álbum está sendo vendido em duas versões. A convencional traz 13 faixas. A luxuosa amplia o constrangimento para 30. Salvo curiosidades para colecionadores fanáticos, como esboços do que viriam a se tornar Been a Son e Something in the Way, as “músicas” (põe aspas aí) mostram que o coitado do Cobain jamais imaginaria que seus registros em cassete feitos de 1987 até a morte em 1994 acabariam comercializados. Do contrário, supõe-se, não gravaria arrotos, imitações de barulhos de flatos e experiências que beiram o inaudível, de tão grotescas.

Se bem que, desprezando a fama e todo o circo midiático como ele desprezava, é bem capaz que tenha deixado tudo isso pensando no futuro, eternizando seu lado mais auto-indulgente e desagradável na crença de que valeria ouro e não faltariam trouxas para engolir tal empulhação como relíquia. Para os artistas, fica a lição: destruam qualquer coisa que não pretendem lançar, sejam ensaios, brincadeiras ou diálogos captados por um microfone aberto no estúdio. Para ganhar mais dinheiro em seu nome, os herdeiros não hesitarão em lhe expor ao ridículo. E que se dane a posteridade.

Leitura punk
Iggy Pop já fez muita coisa da qual não deve se gabar. De uma, porém, pode se orgulhar: não ter melado o lançamento da biografia Open Up and Bleed, mesmo não ajudando o autor Paul Trynka em nada. O livro já está nas livrarias nacionais, expondo em português todas as maluquices que fizeram do vocalista uma das criaturas mais selvagens da música. Típico representante do white trash dos Estados Unidos, James Osterberg Jr. (seu nome real) passou a infância morando em um trailer com a família em Michigan. Bom aluno, na escola dizia que queria ser presidente do país – e os colegas acreditavam, tamanha era sua desenvoltura. Até descobrir o rock, primeiro com os Stooges e depois solo. Há drogas em quantidades cavalares, sexo desenfreado, shows que terminam em pancadaria e bastidores da produção de discos. Como diz o escritor no prefácio, “como pôde um homem ser tão inteligente e tão estúpido?”.



 L ANÇAMENTOS


Caraudácia – A banda de Florianópolis estreia com um disco homônimo em que leva ao pé da letra o fato de não ter gênero definido. A opção liberta o grupo da camisa-de-força do rock, o que sempre é saudável. No entanto, também impõe um grande desafio: como forjar uma identidade própria investindo em tantos estilos? Ao longo de 10 músicas, aparecem MPB, reggae, funk, tudo meio diluído em meio a tantas direções. Com um pouco mais de foco (ouça Ano pra Ferver), o segundo disco promete.



Jaloo, #1 – Aposta do selo StereoMono (parte do Skol Music), o paraense fez um álbum com pegada pop eletrônica, que conversa com o mundo sem em nenhum momento renegar a origem brasileira. O toque original vem das festas de aparelhagem e do brega, tão comuns em seu Estado. O produtor Carlos Eduardo Miranda – descobridor do Raimundos, entre outros – só teve que dar aquela polida para que músicas como Insight, Odoiá (In Your Eyes) e Ah! Dor revelassem todo o seu potencial.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151110

O barato dos Boogarins

O New York Times cravou que o disco “é conduzido por guitarras nebulosas, riffs cíclicos e vocais murmurantes – mas com pitadas de grooves da bossa nova de Jobim”. O Guardian disse que o mesmo álbum “é uma coleção intrigante de músicas que muda constantemente de direção, de delicadas guitarras cintilantes e baladas contemplativas a riffs fortes e ritmos pós-bossa”. Quando dois jornalões estrangeiros se arreganham desse jeito para o trabalho de uma banda nacional, que canta em português um tipo de música dominado por anglófonos, o mínimo que a gente deve fazer é conhecer essa banda.

O alvo de tamanha empolgação da crítica internacional chama-se Boogarins, vem de Goiânia e está pirando a cabeça de gringos com seu segundo disco, Manual (Ou Guia para a Dissolução de Sonhos). O mais surpreendente é que o grupo conseguiu tudo isso sem apelar para a malemolência dos ritmos brasileiros e outros estereótipos do Brasil-pandeiro, e sim investindo na linguagem universal do psicodelismo. O nova-iorquino ou o londrino pode não entender o que significam versos como “a maior demonstração de propagação ao ser é o eco”, mas dispensa a tradução para curtir a paisagem sonora.



Apesar de pertencer à linhagem simbolizada por Pink Floyd e, mais recentemente, Tame Impala, o Boogarins se destaca por agregar o verde e amarelo às cores tradicionais da lisergia. “Avalanche”, “Mario de Andrade/Selvagem” e “6000 Dias (Ou Mantra dos 20 Anos)” condensam Mutantes, Tropicalismo, rock rural e Secos & Molhados em diferentes doses e intensidades, indo do bucólico ao claustrofóbico, do rural ao urbano em poucos minutos. O efeito “brisante” de “San Lourenzo”, “Cuerdo” e “Sei Lá” garantem que a viagem transcorra sem solavancos para aqueles ambientados com o disco anterior, Plantas que Curam (2013).



A trajetória do Boogarins é tão delirante quanto sua música. Dois moleques, Benke Ferraz e Dinho Almeida, amigos de escola, gravam algumas canções de forma caseira. Por obra e graça do destino, essas canções encantam um pessoal nos Estados Unidos e o disco sai por lá e é distribuído também na Europa. De repente os dois, que nem banda direito tinham, precisam montar uma para excursionar por outros países. Enquanto as duplas sertanejas de seu Estado contam milhões, o Boogarins carimba o passaporte. Cada um com seu sonho.

Viagem pesada
Na renascença psicodélica brasileira cabe também o Supercordas, grupo carioca que chega a bordo de Terceira Terra. Neste terceiro disco, as samambaias, animais rastejantes e anfíbios marcianos apresentados  em Seres Verdes ao Redor (2006) dão lugar a um cenário distópico, onde imperam corporações, concreto e máquinas. De qualquer maneira, é preciso respeitar uma banda que abre o disco com uma música batizada de “Fundação Roberto Marinho Blues & Co.”.



TEM QUE CONHECER ||||||| TOMMY GUERRERO
Antes de enveredar pela música, o californiano fez o nome no skate nos anos 1980. A paixão pela pranchinha sobre rodas passou a ser dividida com a carreira artística a partir de 1998, com o disco Loose Grooves & Bastard Blues. Mas são os dois seguintes – A Little Bit’ of Something (2000) e Soul Food Taqueria (2003) – que consolidam a pegada do cara: grooves latinos e hip hop como base, tudo na maciota para proporcionar o bem-estar. Ele está de volta com Perpetual, prontinho para embalar finais de tarde à beira-mar.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151103

Ninguém resiste a um morto

O documentário Amy foi exibido em quatro sessões especiais em um cinema florianopolitano em setembro e não há previsão de estreia em circuito comercial, mas sua trilha sonora já está disponível. É um caça-níquel que entrega exata e tão somente o que promete. Em 23 faixas, o disco apresenta apresenta takes alternativos de canções bem conhecidas de lady Winehouse, demos e registros ao vivo, intercalados por temas instrumentais compostos pelo brasileiro Antonio Pinto. As músicas ouvidas no filme, ora pois.



O álbum é o segundo lançamento póstumo da cantora – o primeiro, Lioness: The Hidden Treasures, saiu antes do ano de sua morte acabar. De acordo com a gravadora, será também o último. Sobras de estúdio e esboços de músicas inéditas teriam sido destruídas para evitar sua exploração comercial. Como se finado precisasse produzir coisa nova para gerar riqueza: só em 2014, Michael Jackson faturou R$ 140 milhões, o que o posiciona atrás apenas de Dr. Dre (620) no ranking dos artistas mais bem-pagos da música elaborado pela revista Forbes.

Ainda mais um nome com o apelo de Amy Winehouse. Foi o fim mais anunciado dos últimos tempos no pop. Quem assistiu ao seu show em Florianópolis em janeiro de 2011 percebeu como a situação era séria. A mulher descambou ali pela metade do setlist e não teve mais jeito de retomar, arrastando-se até o fechamento com “Valerie”. Seis meses depois, o trágico desfecho. Aos 27 anos, na ilustre companhia dos (pela ordem de óbito) míticos Jones, Hendrix, Janis, Morrison & Cobain. De consumo excessivo de álcool, para alimentar os moralistas de plantão.

Tudo isso vem à tona em um disco que satisfaz a sanha coletiva por mais um produto assinado pela cantora. Fãs devem se emocionar com a caseira “Like Smoke” e ficar comparando “Some Unholy War” ou “Tears Dry Own Their Own” com as versões originais. Os interlúdios servem para refletir sobre o que ela estaria fazendo hoje. Não seria implausível apostar que continuaria revisitando o soul. Prefiro achar que, como já havia demonstrado em momentos pontuais de sua carreira, em breve abraçaria os ritmos jamaicanos como inspiração-mor. Como todo mundo que larga as drogas pesadas.

Informação demais
Assunto é que não falta em A Mulher do Fim do Mundo, de Elza Soares. Primeiro disco de inéditas da veneranda intérprete. Composições de uma turma de paulistas associada a uma MPB torta, como Romulo Froes, Kiko Dinucci ou Rodrigo Cabral. Uma música chamada “Pra Foder”, outra com o verso “o mundo vai terminar num poço cheio de merda” (“Luz Vermelha”). É um trabalho ousado, difícil, bastante diverso da imagem preguiçosa de sambista que se tem da cantora. Na verdade, traz tanta informação que mais confunde do que explica – o que, conforme a intenção do artista, pode ser uma qualidade.



ZONA FRANCA ||||||| DISCOS GRÁTIS
O QUÊ Violar, do Instituto
POR QUÊ Segundo disco do grupo capitaneado pelos produtores Rica Amabis e Tejo Damasceno, sinônimos de uma inventividade inversamente proporcional ao reconhecimento popular. A exemplo da estreia, Coleção Nacional (2002), os convidados formam uma seleção do lado B da cena pop brasileira. A variedade – BNegão, Jorge du Peixe (Nação Zumbi), Curumim, Criolo, Karol Conka, Metá Metá, Otto e Tulipa Ruiz – rima com irregularidade, mas essa rapaziada esperta nunca pode ser acusada de não tentar.
ONDE seloinstituto.com.br



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151027

Os primeiros a apertar o botão

Um dos grupos mais importantes, revolucionários e influentes da história da música pop é também um dos mais desconhecidos. Formado em 1970, o Kraftwerk sobreviveu para ver os padrões rítmicos que desenvolveu em estúdio servirem como base para a eletrônica e o rap. Mesmo assim, sua história permanece envolta em mistério – muito por conta dos próprios integrantes, avessos a qualquer tipo de publicidade que não a produzida por eles mesmos. O que torna ainda mais bem-vindo o lançamento de Kraftwerk Publikation, a biografia dos quatro rapazes de Düsseldorf.

O livro do jornalista inglês David Buckley mostra o choque causado por um bando de alemães que iam na contramão do desbunde e da visceralidade vigentes na época. Com um visual de gerentes de banco, nenhum instrumento convencional e exagerando nos estereótipos atribuídos à sua nacionalidade – metódicos, analíticos, solenes, precisos, impessoais –, eles foram acusados de representar o fim da música. Na verdade, estavam a reinventando, totalmente mecânica e, a princípio, sem nenhuma conexão com as correntes dominantes do pop britânico e americano. Era subversão em nível máximo para cabeças criadas no ambiente da contracultura.

O Kraftwerk nasceu em 1970, ligado à vanguarda. Em 1974, com a incorporação do sintetizador, o mundo começou a assimilar seu autoproclamado (não sem uma certa ironia) “folk industrial”: música calcada em tecnologia sobre rodovias, trens, computadores; a paisagem típica da região em que viviam. O impacto foi tremendo. De David Bowie à rapaziada negra do Bronx nova-iorquino, da juventude britânica que mergulharia no tecnopop a produtores em busca de novidades para as pistas de dança, todos vislumbraram ali o futuro pelo qual tanto procuravam.

Naquele ano, seu quarto disco, Autobahn, finalmente cruzou as fronteiras nacionais e chegou às paradas da Inglaterra e dos Estados Unidos. Vem daí a grande questão levantada pelo livro. Sem a colaboração do único remanescente original, Ralf Hütter, e do outro fundador, Florian Schneider, o autor agarra-se à versão dos fatos de três ex-integrantes. Segundo Eberhard Kranemann, da formação inicial (e um poço de ressentimento por esta ser desvalorizada pela crítica), e Wolfgang Flür e Karl Bartos, participantes da fase áurea do grupo, o maior responsável pela sonoridade do grupo foi o produtor Conny Plank.

Hütter e Schneider atribuíram a ele um papel apenas técnico, o de engenheiro de som. Relegado a uma nota de rodapé na trajetória da banda, Plank morreria em 1987. O episódio está longe de tirar o brilhantismo do Kraftwerk, expandido nos álbuns Radio-Activity (1975), Trans-Europe Express (1977), The Man-Machine (1978), Computer World (1981) e Electric Café (1986). Mas, ao expor uma suposta vilania de artistas desinteressados da fama e da celebridade, que se comportavam como robôs e preferiam fios e diodos a carne e osso, revela que, afinal, eram todos humanos, demasiado humanos.

Kraftwerk Kompilation
Como não há uma compilação oficial do Kraftwerk, ao final do livro o autor elaborou uma lista de músicas essenciais da banda:



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151023

Beleza de onde menos se espera

Por mais anacrônico que seja, gravadoras continuam mandando discos para este pessoal que “escreve de música”. Como não há tempo hábil para escutar todos, eles vão se acumulando. Uns viram porta-copos, outros são repassados àquele amigo que é fã e alguns, pasme, acabam até sendo ouvidos por desencargo de consciência. Em uma dessas pilhas, repousava um CD de capa branca, com uma cabeça de mulher de perfil. Referência zero, apenas autor e título: Melody Gardot, Currency of Man. Que bela surpresa! Uma onda meio jazz, meio blues, com um quê de soul, cantada por uma voz feminina ronronando como Janis Joplin de cara limpa.



Meia dúzia de cliques revelam uma história incrível por trás da moça. Americana de New Jersey, em 2003 foi atropelada enquanto andava de bicicleta. Perdeu a memória e ficou com dificuldades para falar e andar. Durante o tratamento, aprendeu a tocar guitarra. Ainda de cama, começou a compor. Quando teve alta, havia se tornado uma charmosa artista, com inseparáveis óculos escuros & bengala devido a sequelas do acidente. Hoje tem 30 anos, Currency of Man é seu quarto trabalho e só resta lamentar não havê-la conhecido antes.

Com base em sua própria experiência, Melody desenvolveu com universidades de medicina um programa filantrópico chamado Chateau Gardot, que usa a musicoterapia para reparar o cérebro e restaurar a qualidade de vida. Claro que você não precisa saber nada disso para se deliciar com a suavidade de “Preacherman”, “Morning Sun” ou “She Don't Know”. Poderiam ser mais cruas, mas o bem-estar provocado por elas tornam menos penoso aturar esses dias chuvosos que encharcam a primavera catarinense.

Parangolê hereditário
Já que o papo é cantora, conheça também Ava Rocha. O sobrenome, as grossas sobrancelhas e, principalmente, o estranhamento de sua obra, denunciam: é filha de Glauber. Aos 36 anos, a moça chega com o disco Ava Patrya Yndia Yracema suscitando comparações que vão de Gal Costa a Cássia Eller. O melhor parâmetro, porém, está na família. Ava traduz em música o que o pai propunha no cinema – antropofagia, tropicalismo, Brasil profundo, vanguarda, olhar cosmopolita; tudo com resultados às vezes insuportáveis, sempre muito loucos.



LOCAIS
////// Vinolimbo, assunto de estreia desta coluna no longínquo agosto de 2014, manda avisar que está com disco novo. O moleque que a partir de Florianópolis emana vibrações eletrônicas para todo o universo agora ataca com Synistanai, lançado pelo selo porto-alegrense Nas. Confira a viagem abaixo ou no Bandcamp do rapaz – neste último, para baixá-lo gratuitamente basta colocar “0” no valor.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151016

Uma verdade feita de clichês

O problema das bandas feitas para dar certo é que, bem, às vezes elas dão mesmo. Veja o case da Malta. A vitória no programa Superstar, em 2014, foi apenas a primeira de uma série de conquistas. Sua estreia em disco, Supernova, vendeu 280 mil cópias em uma época em que artistas consagrados penam para alcançar os cinco dígitos, que dirá seis. Terminou o ano como o artista mais procurado pelos brasileiros na categoria banda/dupla no Google e com o álbum nacional mais vendido na loja digital iTunes. Como em time que está ganhando não se mexe, de novo, o segundo álbum do grupo só tem o nome.



Nova Era traz aquela lesma lerda: um punhado de baladas, duas ou três faixas um pouco menos arrastadas e um vocalista que fecha os olhinhos com força para cantar. “Bruto romântico”, como ele define o estilo da banda. Na prática, significa que o chamado pop rock da Malta tem muito de neo-sertanejo. A fórmula reflete o pop e compromete o rock. Até a dor-de-cotovelo nas letras (sofrência?) cala fundo nos corações de fãs de duplas milionárias. Há inclusive uma canção chamada Cinderela! Os caras são profissionais, sabem o que e como devem fazer para chegar onde querem – naturalmente, com jeito de vocação.

Por mais que tudo aponte para o contrário, o grupo é sincerão em seu Apelo Jovem. O vocalista já cantou com Hudson, parceiro de Edson. O guitarrista trabalhava com Rick Bonadio, produtor que revelou campeões de audiência do quilate de Mamonas Assassinas, Charlie Brown Jr. e NX Zero. O pulo do gato foi unir as duas escolas. Embora pareça armação e o resultado seja sério, brega, careta demais, a Malta é de verdade, assim como seu sucesso. Seus integrantes estão felizes, realizando um sonho com o que gostam. Eles compõem, tocam, sentem. Mas a música que oferecem é tão plastificada quanto seus rostos na capa de Nova Era.

Águias de pilequinho
Eagles of Death Metal
é outra banda de nome comprido de Josh Homme, do Queens of the Stone Age. Não, não tem metal extremo aqui. O projeto-paralelo-zoeira do guitarrista e vocalista vagueia por um rock mais para o cervejeiro do que o anfetamínico de seu grupo original. O quarto disco, Zipper Down, distribui 11 odes à gandaia em meros 35 minutos, suficientes para esquecer o bom-mocismo da Malta. Entre músicas que soam como um cruzamento de Kiss com Franz Ferdinand (“Complexity”, “The Deuce”, “I Love You All the Time”), brilha inconteste a versão rota para “Save a Prayer”, do Duran Duran.



ZONA FRANCA ||||||| DISCOS GRÁTIS
O QUÊ Frou-Frou, da cantora Bárbara Eugenia
POR QUÊ O terceiro disco da carioca radicada em São Paulo passa longe do estereótipo de “nova MPB” que infesta nove entre dez artistas brasileiras. É um pop meio torto, que flerta com referências díspares para atirar em diversas direções: tropicalismo, new wave, psicodelia, pós-punk, rock. Em vez de diluir, a suposta bagunça reforça a unidade do trabalho, um retrato fiel das possibilidades que 2015 comporta.
ONDE miud.in/1GX2



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151009

Nosso sonho não vai terminar

Não existiria som se não houvesse o silêncio, luz se não fosse a escuridão, Anitta se Claucirlei Jovêncio de Souza não tivesse saído do Morro do Salgueiro como Buchecha. Exagero, claro. Mas, há quase 20 anos, o apelo pop do cantor ajudou demais a pavimentar o caminho para que o funk carioca conquistasse a burguesia do asfalto. Comprove com seus próprios olhos, ouvidos e quadris no domingo em Blumenau (em show promovido por uma marca de cerveja “em local paradisíaco e totalmente em segredo, que será revelado somente 24 horas antes da festa pelas redes sociais”) e no dia 25 em Florianópolis, no P12, ambos a partir das 14h.

Surgida em 1996 com o clássico imediato “Nosso Sonho” – a música que fez o Animal Edmundo chorar feito criança ao vivo na TV –, a dupla dele com Claudinho foi empilhando um hit atrás do outro: “Conquista” (“sabe, tchurururu...”), “Quero te Encontrar”, “Meu Compromisso”, “Só Love”, “Xereta”... A gente não sabia do que gostava mais. As coreografias. O problema de dicção de Claudinho (o mesmo de Cavuva). As figuras de linguagem usadas com simplicidade e as palavras difíceis que Buchecha caçava no dicionário para dar aquele tchan nas letras. Eles ensinaram a toda uma geração o valor de uma metáfora (“controlo o calendário sem utilizar as mãos”) e o significado de “adjudicar”.



Tive o privilégio de entrevistá-los quando do lançamento de seu segundo disco, A Forma, em 1997. Rumo ao milhão de cópias vendidas, eles ainda se hospedavam em um três estrelas nas imediações da Augusta, em São Paulo. Queridíssimos. Na minha empáfia de crítico musical, perguntei de onde vinha aquela inspiração no Philly Sound, o soul sofisticado feito pela rapaziada da Filadélfia na década de 70. “Fili o quê?”, perguntou Buchecha, sem ter a menor ideia do que eu estava falando. Ali percebi que o talento deles era totalmente instintivo.



Com a morte de Claudinho, em 2002, Buchecha seguiu em carreira solo. No entanto, nunca mais repetiu o sucesso dos tempos em que formava ao lado do amigo e parceiro. Em 2012, ainda conseguiu um brilhareco com “Hot Dog”, da trilha da novela Avenida Brasil. Agora, chegou o momento de ser recompensado por ter aberto a porteira para que poderosas, bondes e MCs se tornassem estrelas. Hmmm, pensando melhor, talvez não.

De admirar
Como não há nada mais antigo do que o passado recente, o !!! (pronuncia-se “chk chk chk”) tinha tudo para facilmente ficar datado. O indie-dance-punk da banda californiana bombou forte no começo do século e os colocou no mesmo escaninho que LCD Soundsystem e Rapture. Nenhuma das dois existe mais, mas o grupo chega ao sexto disco, As If, como se fosse imune aos efeitos do tempo. É a mesma onda dos anteriores e é por isso que ainda soa tão moderno, descolado & outros adjetivos utilizados quando se quer ressaltar o quanto algo está à frente de sua época. Ouça “Sick Ass Moon”, “Freedom! ’15” ou “Til the Money Runs Out” e imagine estados interessantes na pista.



(coluna publicada hoje do Diário Catarinense)

20151002

Acomodados à sombra da lenda

Dois guitarristas, senhores na melhor idade, peças-chave de bandas com uma larga folha corrida de serviços prestados à música, estão com trabalhos novos depois de um longo tempo. As semelhanças entre Keith Richards e David Gilmour param por aí. O stone vem com Crosseyed Heart, um punhado de canções quase caseiras, como se uma descompromissada sessão de gravação com amigos tivesse virado um disco. Exatamente o oposto de Rattle that Lock, em que o ex-Pink Floyd exibe (pela ordem) conceito, técnica, virtuosismo e sentimento meticulosamente planejados.

Comecemos pelo mais velho. Aos 71 anos, “Keef” reaparece com seu terceiro álbum, o primeiro desde 1992. Da mesma forma que não há razão aparente para essa demora entre um e outro, nada explica sua volta que não seja vontade. O homem ficou a fim, ponto. Entre reafirmações de apreço pelo blues e country, as roqueiras “Heartstopper” e “Trouble” não fariam feio nos últimos CDs de seu grupo. A balada “Illusion” rende algum assunto pelo dueto com Norah Jones, mas é “Love Overdue” (de Gregory Isaacs) que aponta o que ele deveria fazer daqui para a frente: comprar uma ilha no Caribe, onde passaria os dias trepando em um coqueiro – com cuidado para não cair lá de cima e quebrar o coco, como já aconteceu – em meio a versões de reggae.



Com Gilmour, a situação é diferente. O anunciado canto do cisne do Floyd, dez meses atrás, parece que lhe injetou ânimo para retomar uma carreira que havia estacionado em 2006 – não, porém, para tentar outra direção aos 69 anos. Com exceção do jazz de “The Girl in the Yellow Dress”, tudo em seu quarto disco evoca a antiga banda. Inspirado no poema épico Paraíso Perdido, escrito por John Milton no século 17, o álbum gira em torno da ideia de “um dia na vida”. Começa na madrugada (“5 A.M.”), passeia por solos típicos de sua Stratocaster (“In Any Tongue”, “Faces of Stone”), empolga-se com o momento (“Today”) e termina sonhando (“And Then…”). Tão bonito quanto conservador.



Quer saber? A essa altura do campeonato, ambos têm todo o direito de se refestelar em suas respectivas zonas de conforto, contando com a devoção incondicional do fã e a condescendência da crítica. São músicos, não precisam mais de dinheiro, poderiam estar curtindo a aposentadoria. Preferiram continuar dando a cara a tapa, o que é louvável. Assim como você também tem todo o direito de achar tudo tão previsível e insípido que nem para queimar o filme serve.

Velha ordem
Outro nome histórico a dar o ar da graça é o New Order, com Music Complete. Embora pertença a uma geração posterior à de Richards e Gilmour, o grupo padece dos mesmos males: a) sua obra atual empalidece na comparação com os clássicos que escreveu na década de 80; b) não faz sentido querer que a banda desminta sua vocação com algo além do pop eletrônico que lhe trouxe relevância; c) ninguém a não ser o ouvinte já convertido vai se importar com este décimo disco. Que “Restless”, “Tutti Frutti” e “Plastic” redimam o álbum na pista de dança.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150925

Em lua-de-mel com a tristeza

O dia em que Lana Del Rey ficar feliz, acaba a sua carreira. Linda e sexy, a cantora americana despontou em 2012 com um atributo que até hoje a distingue no disputado mercado adolescente: tristeza sem fim. Enquanto as concorrentes vendem diversão irracional, ela fatura alto oferecendo a trilha sonora para fãs entediadas com a vida. Não seria em seu novo disco que abandonaria a receita que a tornou milionária. Tudo em Honeymoon remete à melancolia, à decadência, à tragédia – sempre com muita classe e glamour.



Depois que começou a fazer sucesso, descobriu-se que a artista já havia tentado a sorte na música com o nome de Lizzy Grant e sua alcunha atual foi adotada como parte de uma bem-estudada estratégia que representasse seu estilo. Lana de Lana Turner, símbolo sexual de Hollywood nas décadas de 40 e 50; Del Rey do modelo de carro dos anos 80. O pacote incluía uma imagem de diva vintage, com referências retrô e postura meio blasé. O mundo pode estar despencando, mas não conte com seus lábios carnudos para salvá-lo do vazio.

Essa combinação proposital de niilismo e apatia é expressa em Honeymoon com orquestrações que lembram a era dourada do cinema e discretas intervenções eletrônicas. O álbum desce quase monocórdio, salvo pela languidez de “Music to Watch Boys to”, “High by the Beach” e Religion”. As mocinhas adoram e se identificam. Aos 30 anos, Lana é a amiga mais velha que entende suas dúvidas e angústias e as traduz em forma de leve desespero. Não se preocupem, daqui a pouco isso passa.

Alívio cósmico
Astronauts, Etc é o projeto do tecladista que toca com Toro Y Moi, Anthony Ferraro. Como o patrão alternativo, o californiano encontrou lugar entre a rapaziada moderna revisitando sonoridades do passado. No disco Mind Out Wandering, ele apresenta cadências e timbres influenciados pelo soft rock e soul branco setentista – pense em Steely Dan ou, para citar um colega contemporâneo, Mayer Hawthorne. Com esses ingredientes, não tem como o ouvinte não entrar em órbita. Embarque na espaçonave com “I Know”, “Shake It Loose” ou “If I Run”.



ZONA FRANCA ||||||| DISCOS GRÁTIS
O QUÊ Estilhaça, do grupo carioca Letuce
POR QUÊ A vocalista Letícia Novaes e o multiinstrumentista Lucas Vasconcellos se divorciaram, mas nunca pareceram tão casados com o conceito de banda-de-rock quanto neste terceiro disco. Dessa sintonia surgem a nuance algo hippie de “Quero Trabalhar com Vidro”, a desafogo de “Todos os Lugares do Mundo” e a autoexplicativa “Animadinha”. Uma bela transformação, principalmente se comparada à estranha monotonia dos trabalhos anteriores.
ONDE miud.in/1GTr



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150918

Pistas precisam de deuses – mesmo de papel

O Duran Duran não só ainda existe como está com disco novo, Paper Gods. É que desde os anos 2000 cada trabalho do veterano grupo inglês vem sendo tratado como se representasse a sua volta. No anterior, All You Need Is Now (2010), o apelo era a produção do fã confesso Mark Ronson (Amy Winehouse), contratado para trazer a sonoridade da banda para a década corrente. Ele permanece nos créditos, mas é a retomada da parceria campeã com Nile Rodgers que torna este lançamento tão especial.



Um pouco de história: criado em 1978, o Duran Duran já havia emplacado sucessos do quilate de “Save a Prayer” e “Rio, pequenos se comparados com o que viria após chamar a máquina de hits por trás do Chic para produzi-lo. Mais do que pilotar o multiplatinado single Reflex (1983) e o álbum Notorious (1986), Rodgers deu forma à identidade com a qual a banda passaria a ser reconhecida. Ficou impossível dissocia-la daquela guitarrinha funky deitada sobre uma cama de teclados, elementos que forjaram os melhores momentos dos britânicos.



No 14º disco do grupo, a tabelinha reaparece apenas na infalível “Pressure Off” – não à toa escolhida como o primeiro single – e em “Change the Skyline”, porém seu espírito vagueia por todas as faixas. Essa sensação de que o “retorno” é para valer está em “What Are the Chances?”, balada que o Duran Duran sabe fazer como ninguém; ou em “Danceophobia” (com Lindsey Lohan!), que atualiza a pegada dançante do agora quarteto. Por isso, quando a melodia do vocal de Simon Le Bon irrompe no refrão de “Sunset Garage”, não há outra reação que não abrir um sorriso. Mesmo de papel, deuses sempre terão lugar na pista.

Punk no conceito
Outro nome dos anos 80 a ressurgir é John Lydon. O ex-Joãozinho Podre diz presente com What the World Needs Now, do Public Image Ltd. (PiL), a banda que montou depois de largar os Sex Pistols. Como o dito cujo já está naquela altura da vida em que o dedo do meio é a mensagem, ele pouco se importa em agradar – aliás, nunca se importou. Parafraseando o título do disco, há dúvidas se o que o mundo precisa agora é de um velho punk mandando a real com sua voz esganiçada. Às vezes, sim.




LOCAIS

////// O trio Helvéticos chega ao segundo disco mantendo forte a inclinação setentista. Em Hipnose, a banda de Porto Belo parece mais robusta, convicta de como pretende soar. O primeiro single, Deixa Acontecer, dá a impressão que os rapazes andam meio obcecados por Cachorro Grande – ou com as influências do grupo gaúcho –, mas quem explorar com atenção as outras nove canções do álbum pode gostar da proposta.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150911

A vida levou cada um deles para um canto

Três moleques cariocas gostavam de hip-hop, skate e maconha. Marcelo, ex-camelô e com um monte de rimas enfumaçadas na cabeça. Bernardo, intelectual da calçada, capaz de empilhar referências tão rápido quanto teorizar sobre o caos. Gustavo, branco de menos para a elite de Niterói, bem-nascido demais para os subúrbios do Grande Rio. Encontraram-se no Planet Hemp e estavam escrevendo uma história interessante no pop nacional. Até que a vida levou cada um deles para um canto.

Gustavo, o Black Alien, estreou solo em 2004 com Babylon by Gus – Vol. 1: O Ano do Macaco, um trabalho urbano com influências jamaicanas. Depois, o rapaz descambou e só agora chega ao segundo volume, No Princípio Era o Verbo. A reabilitação o tornou careta também nas letras, eivadas de bons costumes e valores corretos. Ainda bem que a música salva & liberta da pregação sacal.



É quando entra Céu para um dueto astral em “Somos o Mundo”. Ou na levada reggae de “Falando de Meu Bem” e “Terra”, que em manha só perdem para o samba insinuado em “Homem de Família”. Deixa o cara celebrar: está limpo, arrumou dinheiro para bancar sua volta via financiamento coletivo e quer dividir o novo momento com todos. Baixe-o gratuitamente.

Quis o acaso que Bernardo, o BNegão, lançasse disco quase no mesmo dia que o antigo colega. TransmutAção reflete a gama de temas e estilos que ele sempre curtiu. Filosofia de rua, conspirações e cenas do subdesenvolvimento cruzam-se em pancadões (“No Ar”, “Giratória”), gafieiras (“Fita Amarela”, “No Amanhecer”) e rap (“Mundo Tela”). Viabilizado pela Natura, é o terceiro álbum de sua banda, os Seletores de Frequência – e está disponível para download aqui.



Marcelo, o D2, você conhece. Apagou o Planet Hemp, foi procurar a batida perfeita e achou fama e fortuna. Nos raros momentos de autocrítica, olha para o que aconteceu com os outros dois e fica satisfeito com as escolhas que fez.

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150904

A besta despertou – e está a fim de briga

O metal atual tem muitas caras. Pode ser new, rap, doom, death, grind, funk. Quando era só heavy, o Iron Maiden reinava soberano. É essa condição que o 16º disco da banda escancara. À disposição a partir desta sexta, The Book of Souls acrescenta marcos em uma carreira repleta de superlativos. Com 92 minutos de duração, é o mais longo trabalho e o primeiro álbum duplo (em vinil, triplo) de inéditas do grupo, que nunca havia ficado tanto tempo sem gravar. Depois de cinco anos hibernando, a besta despertou novamente. E com todo o gás.

O disco ficou pronto no ano passado, mas seu lançamento foi adiado para que o vocalista Bruce Dickinson se tratasse de um câncer. Nem parece que a doença o atacou logo na boca: quaisquer dúvidas a respeito de sua voz convalescente – e quase sexagenária – dissipam-se no single “Speed of Light”, com aquela potência que, se não é mais a mesma, ainda ecoa com a força de um trovão. Uma das melhores da temporada, a música sinaliza não apenas a recuperação de seu frontman, como do grupo inteiro.



O cowbell na introdução, aliado ao riff matador, deixa claro que vem por aí um rock direto e vigoroso, como nos primórdios. A sensação é intensificada por velhos truques de eficiência comprovada. O corinho em “The Red and the Black”, repetido à exaustão, vai estremecer estádios. O andamento de “Death or Glory” e “Shadows of the Valley” é digno dos grandes momentos da banda. Até a arrastada “The Great Unknown”, assim que engrena, faz lembrar porque o Iron Maiden tornou-se imprescindível na formação do caráter da molecada.

Mesmo com seus excessos, o disco redime o grupo de pecados progressivoides cometidos no passado recente – incluídos na conta os 18 intermináveis minutos de “Empire of the Clouds”. Além de Dickinson, todas as características que conquistaram uma legião de fiéis seguidores para a banda estão em The Book of Souls: o baixo galopante de Steve Harris, as guitarras gêmeas de Dave Murray e Adrian Smith (às vezes trigêmeas, com Janick Gers), a bateria de Nicko McBrain despencando em viradas inacreditáveis, a mascote Eddie na capa. O fã já estava com saudade.

Arca de tesouros
Com The Arcs, Dan Auerbach estende a fase criativa pela qual vem passando nos últimos anos. Como Jack White, Danger Mouse ou Pharrell Williams, em seu projeto paralelo a metade dos Black Keys atinge um padrão de qualidade de dar inveja: quando não está muito inspirado, é no mínimo nota 7; quando está, não tem para ninguém. Na estreia da banda, Yours, Dreamily, o americano oferece um som mais elaborado do que o do grupo-matriz, adoçando seu blues garageiro em “Put a Flower in Your Pocket”, “Pistol Made of Bones” e “Everything You Do (You Do for You)”.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150828

O primeiro disco a gente nunca esquece

Anunciaram que Tug of War (1982), de Paul McCartney, será relançado em outubro em edição de luxo. O pacote inclui três CDs – o álbum original, em versão remixada e com faixas-bônus – e um DVD com videoclipes e bastidores. Por mais banal que seja, a notícia deflagra um processo nostálgico no colunista, mexendo com sua memória afetiva a tal ponto que o obriga a abandonar a pretensa isenção para confessar em primeira pessoa: esse foi o primeiro disco que comprei, muito antes de imaginar que um dia alguém me pagaria para escrever sobre música.

Foi também o primeiro trabalho de McCartney após o assassinato de John Lennon, em dezembro de 1980, e o primeiro depois do fim dos Wings (a banda que montou ao deixar os Beatles), no ano seguinte. Para produzi-lo, ele chamou George Martin, retomando uma parceria que vinha da época dos quatro rapazes de Liverpool e não se repetia desde 1973, com “Live and Let Die”. As gravações tiveram ainda as participações do velho parceiro Ringo Starr, Stevie Wonder e Carl Perkins.



Nada disso eu sabia nem me interessava quando entrei na Casa de Discos Record, a melhor (senão a única) do ramo na Laguna, com o dinheiro da mesada contadinho para arrematar uma cópia de Tug of War em vinil. O que importava era que tinha “Ebony and Ivory”, a música lenta com a qual eu tomava coragem para tirar a paixonite da escola para dançar na domingueira. Para mim, o verso “vivem juntos em perfeita harmonia” estava falando de nós, jamais de preconceito racial.



Com a vontade de ouvir a última faixa do lado B trocentas vezes seguidas devidamente saciada, fui conhecer o resto do LP. O cego que cantava o tal hit com McCartney aparecia em outra canção, “What That You’re Doing?”, “black” demais para a minha limitada & caucasiana bagagem sonora. “Get It” soava como o rock’n’roll da década de 50 que meus pais punham para sua adolescência. Apenas bem mais tarde eu descobriria como os convidados em ambas – Wonder e Perkins – eram gigantes.



Com perfeição pop, “Take it Away” (com Ringo) e “Ballroom Dancing” fechavam a relação de prediletas. Escuto o disco inteiro hoje e, para minha surpresa, percebo que essa lista não mudou – e aí não sei se comemoro ou lamento. As poucas certezas que restaram são que a fase em que não era cool gostar de McCartney ficou definitivamente para trás e que ter um disco dele como o número 1 da coleção engrandece minha pobre biografia. “Foi. Não será de novo. Lembre”, como diz Paul Auster em A Invenção da Solidão.

Orgulho do pai
Já que o papo é Beatles, dedique alguns minutos de seu precioso tempo para conhecer The Ghost of a Saber Tooth Tiger. O nome quilométrico batiza o projeto do casal Sean Lennon (o caçula de John) e Charlotte Kemp Muhl. Aqui, o herdeiro abandona aquele indie insosso que marcou seu início de carreira e, para orgulho do pai, vai fundo na psicodelia vintage. Eles estrearam em 2010, têm três discos e seu mais recente trabalho é um EP homônimo.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150821

Ainda garotinha, já com malandragem

A voz sai suave, límpida, mais aguda e sem os arroubos que consagrariam sua dona. Como acompanhamento, apenas um violão. A gravação soa um pouco abafada, denunciando a forma amadora em que foi feita. A cantora é Cássia Eller, então uma desconhecida de 21 anos que tentava se firmar na carreira artística. Entre novembro e dezembro de 1983, ela plugou o microfone no aparelho 3-em-1 (o suprassumo da época) na casa da namorada em Brasília, a jornalista Elisa de Alencar. Dez canções registradas em português, inglês, francês e espanhol na ocasião deram origem a O Espírito do Som, seu quarto disco póstumo.



A fita cassete daquela histórica sessão apareceu em 2013 na casa do irmão de Elisa, em Olinda, que a havia ganho de presente da própria Cássia – o que explica porque somente está sendo lançada em CD agora, 14 anos após a morte da artista. O primeiro dos três volumes prometidos com raridades do período em que a carioca começava sua trajetória em musicais no teatro na capital federal até a estreia profissional em estúdio, em 1990, impressiona pelo repertório. Exceto “Flor do Sol” – parceria com a amiga Simone Saback, rearranjada como single em 2012 –, as demais são covers que nunca haviam vindo à tona em roupagem acústica.

Dos Beatles, ela pinçou “For No One”, “Happiness Is a War Gun” e “Golden Slumbers”. Do baú da MPB, “Segredo” (Luiz Melodia), “Ausência” (do “pavão misterioso” Ednardo) e “Sua Estupidez” (Roberto e Erasmo). As faixas apontam para as direções que Cássia iria seguir depois de se projetar: uma interpréte à vontade tanto no pop/rock e na música brasileira quanto fora desses dois polos, como em “Good Morning Heartache” (Billie Holiday), “Ne me Quitte Pas” (Jacques Brel) e “Airecillos” (Marluí Miranda). Em todas, emerge a personalidade “maldita” de quem ainda era só uma garotinha, mas já tinha malandragem.

DATAS QUADRADAS ||||||| 31 ANOS
O QUÊ Red Sails in the Sunset, quarto disco do Midnight Oil.
QUEM Banda australiana que explodiu mundialmente no final dos anos 80 com o álbum Diesel and Dust.
POR QUÊ O grupo ficou conhecido pelos hits “Beds are Burning” e “The Deat Heart”, mas o trabalho anterior mostra que seu som ia muito além da pegada pop que os consagrou entre surfistas, bebendo também do punk e do pós-punk para embalar letras conscientes.
LEGADO Não precisa ser sisudo para falar de coisas sérias como desarmamento nuclear, direitos indígenas e preservação ambiental. O vocalista Peter Garrett não se restringiu ao discurso – candidato derrotado ao senado de seu país em 1984, continuou na militância após o fim da banda, elegendo-se deputado em 2004 e sendo nomeado ministro do Meio Ambiente, do Patrimônio e das Artes em 2007.
OUÇA “Jimmy Sharman's Boxer”, “Kosciusko”, “Best of Both Worlds”.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)