20150130

Vanguarda também sofre por amor

O novo disco de Björk estava previsto para março, para coincidir com a retrospectiva da carreira da cantora que o Museu de Arte Moderna de Nova York exibirá a partir do dia 7 daquele mês. Até a internet estragar os planos. Cada vez mais recorrente, o vazamento das músicas na rede fez com que o lançamento oficial fosse antecipado. A versão digital de Vulnicura está à venda desde o dia 20 e soa incomum, como a islandesa vem progredindo álbum após álbum. O sentimento que permeia a obra, contudo, é a popular fossa.

Corações partidos sempre alimentaram o pop. De Bob Dylan a Caetano Veloso, de Beck a Otto, não são poucos os músicos que gravaram discos em torno de suas desilusões amorosas. O fim do relacionamento com o artista plástico Matthew Barney, com quem tem uma filha de 12 anos, surtiu o mesmo efeito em Björk. Em tese, as baladas arrastadas, revestidas com cordas e discretas intervenções eletrônicas, retratam a experiência pessoal da cantora – exposta no título, junção das palavras latinas “vulnus” (ferida) e “cura”.

Na prática, o conceito prevalece sobre a dor. Seis das nove faixas vêm com indicações de quando foram compostas, tendo a separação conjugal como parâmetro. Essa “cronologia emocional” que começa com “Stonemilker”(nove meses antes) e termina com “Notget”(11 meses depois) não muda muito o jeito com que Vulnicura é percebido. O bacana é descobrir que, aos 49 anos e muito mais identificada com as cabecices da vanguarda do que com a música comercial, Björk também sofre por causa do bofe. Que nem uma suburbana qualquer.

Batidas reais
O que falta no próximo disco de Madonna sobra na compilação que a revista inglesa Mojo montou para a edição com ela na capa. Batizada como Change the Beat, a coletânea abrange representantes da cena dance de Nova York na década de 80, onde a jovem que sonhava em se tornar uma estrela caiu em suas primeiras gandaias. ESG, Bush Tetras, Section 25 e Singers & Players são alguns dos selecionados. Com tanto funk, pós-punk e no wave para derreter na pista, não é de estranhar que na época a futura rainha do pop esquecesse até de se depilar.



RÓTULO DA HORA ||||||| CARIMBSTEP
A inusitada fusão de carimbó com dubstep aparece na música homônima de Om’Dub, disco de estreia de Marcelo Vig. Como baterista, ele tocou no esquecível Tantra nos anos 90 e já trabalhou com Eminem, Avril Lavigne e Will Smith, entre outros menos cotados. Solo, investe na junção de ritmos brasileiros com eletrônica - aquele papo de tambor com sintetizador e tal. A proposta, meio manjada, funciona também em “Phat Samba”, mas o resultado final é bastante irregular. O álbum foi bancado via crowdfunding (a boa e velha vaquinha) na plataforma Embolacha e lista o nome de todos os apoiadores no encarte.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150123

Pelo direito de (se) escandalizar



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Conheça o infame Leila de Pádua. Metade Leila Diniz, atriz morta aos 27 anos em um acidente de avião, em 1972; metade Guilherme de Pádua, o escroque que matou a tesouradas Daniella Perez, com quem contracenava na novela De Corpo e Alma, em 1992. A confusão de gêneros no nome também é proposital: ninguém sabe se ele curte homem, mulher, animal, vegetal, mineral, de nenhum deles ou apenas de si mesmo. Especialista em usar o mau gosto e a inconveniência em prol da autopromoção, nada lhe dá mais prazer do que chocar.

Nos shows, corta-se com garrafas, rasga bíblias, queima cruzes e fuma ossos humanos. Chega ao cúmulo de jogar um cachorro para o público e dizer que só continuará a tocar se o bicho for morto. Tem um clipe censurado por misturar cenas de mutilação, consumo de drogas e recriações de ícones cristãos com seu rosto. Pelo Brasil inteiro, pipocam acusações de pais de jovens que se suicidam ouvindo seus discos. Com o tempo, seus escândalos vão perdendo impacto. Qualquer zé mané do meio artístico forja mais polêmicas do que o roqueiro.

Leila de Pádua não existe. Foi inventado para dar uma ideia das controvérsias que cercam cada movimento de Marilyn Manson. Desde que o cantor americano surgiu, em 1994, sexo, violência e religião têm predominado em sua trajetória. Hoje, esse tripé parece banal na disputa por mídia diante de tantos vídeos íntimos vazados, queimação de filme em redes sociais e excessos infantis. Mas, em um mundo que considera Justin Bieber e Miley Cirus transgressores, sua simples volta com The Pale Emperor deve ser festejada. Ainda que a música continue em segundo plano.

Ritmo de cruzeiro
No rescaldo de 2014, Galego agrada geral com Transeatlântico. O paulista é representante da MPB indie – um rótulo vago o bastante para acomodar suíngue, rock, afrobeat, soul e Jovem Guarda. O ecletismo de suas influências não esconde a vocação pop de músicas como “Vô Nessa”, “Por Um Fio” e “Abre Teu Coração”, que têm tudo para cair nas graças de fãs de Curumim a Bixiga 70. “O cara canta de um jeito descompromissado e gostoso”, define Tulipa Ruiz. O disco pode ser baixado gratuitamente no site do artista.



LOCAIS
////// Guarde esse nome: Noahs. O folk inspirado do EP Cedar & Fire cria as melhores expectativas quanto aos próximos passos do trio de Florianópolis. Confira por quê:



////// Já circula pela rede o clipe de “O Teu Amor me Faz Tão Bem”, suave como todo o álbum de estreia da dupla Meliza e Piero, radicada na Capital.



////// Há 15 anos disseminando o punk rock por Mafra (SC) e arredores, a banda Os Remanescentes avisa que seu quinto disco, Extra Lager, está dando sopa na internet.

20150117

O playlist é sagrado; o volume, não

(publicado ontem no caderno Verão do Diário Catarinense)

Não vivo sem música, adoro verão. Mas basta pensar em “música” e “verão” que me vem à cabeça a lembrança de um som bombando em níveis condenáveis pela Convenção de Genebra em um carro parado em frente a praia ou em uma casa alugada. O pior, porém, não é nem ser forçado a ouvir o que não pedi a uma potência absurda nos meus momentos de lazer. O que mais me incomoda é a presunção de quem costuma praticar tal agressão: achar que “todo mundo gosta”.

O moleque que curte metal ou hardcore – para citar apenas alguns estilos extremos – não faz isso. Tampouco o fã de jazz, de MPB ou até de Madonna. Com certeza, eles eventualmente também apreciam música alta. Só que têm a noção básica de que o resto da humanidade pode não compartilhar de suas preferências musicais. O cara que escuta sertanejo, funk carioca, axé, pagode ou eletrônica no talo, não.

Ei, fera, não sou proctologista, mas aqui vai um toque: ao contrário do que você acredita, tem gente que abomina o que você chama de música. E, mesmo que não abominasse, não significa que desejaria ouvi-la o tempo todo em volume máximo. Ah, não é o seu caso? Você ouve o que quer na hora que quiser na altura que bem entender e azar do mundo? Então, estou diante de um legítimo jacu.

Não estou me referindo ao seu sagrado direito de escolher o que toca no seu player e não dar a mínima para a opinião alheia. Por sinal, até me identifico com essa postura. A diferença é que você obriga os outros a escutar a sua música; eu, não. Sem aporrinhar ninguém e independentemente de estilos, minha trilha sonora de verão segue somente um critério: tem que ser leve & refrescante.

De dia, a brisa comanda as ações, soprada principalmente pelo reggae, pelo groove e pelo pop suave. A levada jamaicana afasta o estresse provocado pelo con­ges­tionamento rumo ao litoral, combina que é uma beleza com a maresia e faz o relógio andar mais de­­vagar – exatamente o que procuro quando o programa en­volve praia. Enquanto isso, o balanço do funk (o verdadeiro) ajuda a renovar as ener­gias para encarar o trânsito na volta para casa.

À noite, é hora do rap de responsa, que passa o recado sem gritar na orelha, bota os hormônios em ebulição sem apelar para a vulgaridade e prega a diversão sem insultar a inteligência. Até um rock desce bem, desde que não venha fedendo a mofo, ou eletrônica, contanto que privilegie a fluidez da batida em vez da estridência dos timbres. Opa, já está amanhecendo de novo e não sei onde coloquei aquele reggaezinho que guardei justamente para a gente ver o sol nascer à beira-mar. Tudo bem: o melhor som do verão continua sendo o barulho das ondas.

10 artistas refrescantes

JACKIE MITTOO
O tecladista mais funky da Jamaica produz instrumentais capazes de transportar você para o paraíso.



SUBLIME
Hardcore para os ansiosos e reggae para os desencanados, tudo no estilo californiano.



AER
Imagine se Jack Johnson tivesse uma banda de rap. A astral é mais ou menos esse, sem os bocejos.



JORGE BEN
A pedida são os sambinhas em câmera lenta pré-Benjor, ideais para abrir o dia ou fechar a noite.



TEENAGE FANCLUB
A estação mais quente do ano pode ser também a mais bucólica. Basta adotar esses escoceses.



JACK JOHNSON
Muitos o imitam, mas ninguém alivia tanto a pressão quanto o melhor surfista da música.



NAÇÃO ZUMBI
Com ou sem Chico Science, o combo pernambucano ergue muralhas contra o frio.



MANU CHAO
A “infinita tristeza” do trovador é multicultural e dispensa maiores esclarecimentos para ser sentida.



TOMMY GUERRERO
Skatista, largou a pranchinha para forjar climas que levam da reflexão ao encantamento.



HOODOO GURUS
Entra na lista representando todos os grupos australianos que faziam pop rock com sotaque praiano.

20150116

Produtor deixa a sua marca



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Saiu o primeiro grande disco de 2015. Chama-se Uptown Special, de Mark Ronson. O britânico despontou há nove anos, após produzir Amy Winehouse em Back to Black. Também já tabelou com Adele, Bruno Mars, Christina Aguilera e Paul McCartney, entre outros. Com tantos clientes ilustres, ele sempre teve mais sucesso com os serviços prestados a terceiros do que com os próprios lançamentos. Neste quarto álbum, porém, o produtor reservou o melhor de sua expertise em pop para si mesmo, ainda que permaneça desconhecido.

Um exemplo disso está em “Uptown Funk”, o single que apresentou o álbum. A maioria dos ouvintes pensa que o groove racha-assoalho é de Mars, o cantor que personifica a música. Mas o havaiano é só mais um participante de uma lista que inclui Stevie Wonder e Andrew Wiatt (do grupo sueco Miike Snow), juntos em “Uptown’s First Finale” e em “Crack of the Pearl”, e o rapper Mystical, que imita James Brown em “Feel Right”. “Disco de produtor” é assim: depende dos convidados para chamar a atenção e/ou emprestar o caráter que o anfitrião vislumbra para a canção.

Nesse sentido, nada surpreende mais do que as presenças de Michael Chabon e Kevin Parker. O primeiro, autor de livros como Garotos Perdidos e As Incríveis Aventuras de Kavalier e Clay, assina mais da metade das letras. O outro é o líder da banda australiana Tame Impala, o que já denuncia muito das intenções de Ronson de evocar uma sonoridade setentista e psicodélica. Com seu falsete abafado, Parker confere a “Daffodils”, “Summer Breaking” e “Leaving Los Feliz” um astral adocicado inédito na obra do produtor. Só tome cuidado para não viciar.

Animação exagerada
Sem lançar nada desde 2010, no ano passado o Belle and Sebastian sinalizou que voltaria mais “festivo” com a música “The Party Line”. Em seu nono disco, Girls in Peacetime Want to Dance, a banda se aventura até pela pista, com resultados lamentáveis como “Enter Sylvia Plath” – cujo dance farofa é um insulto à poetisa que se suicidou em 1963. Felizmente para os fãs, o pop retrô, meigo e melancólico que botou os escoceses no coração dos indies entre 1996 e 2000 domina “Ever Had a Little Faith e “Allie. É o tal negócio: cachorro velho não aprende truque novo.



Dance em paz
Esta coluna não poderia terminar sem lamentar a morte de Lincoln Olivetti, aos 60 anos, na última terça-feira. Instrumentista, produtor e arranjador de mão cheia, ele está por trás de clássicos do pop nacional, como “Baila Comigo” (Rita Lee), “Eu e Você, Você e Eu” (Tim Maia), “Palco” (Gilberto Gil) ou “Babilônia Rock” (que lançou em dupla com Robson Jorge). Olivetti partiu sem perdoar a imprensa, que o acusava de “pasteurizar” a MPB com seus sintetizadores. O tempo mostrou quem tinha razão.

20150109

Bons goles, bom som e bom papo



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Um festival internacional de vinho e jazz. Em Florianópolis, terra da eletrônica e do sertanejo. No sossegado Rio Vermelho, distante da ferveção do norte da ilha. E não é que funcionou? A primeira noite do evento, na última quarta-feira, entregou exatamente o que prometiam os organizadores: boa música, boa bebida e boa conversa. Até domingo, serão 30 shows de artistas vindos dos Estados Unidos, França, Holanda, Chile, além de locais e nacionais.

A surpresa começava já na chegada. A pousada que sedia o festival fica em um terreno gigante com o palco ao fundo, cercado por uma pequena pedreira. Segundo o proprietário, o italiano Andrea de Socio, a arena improvisada comporta cerca de 500 pessoas. O espaço estava praticamente lotado, todo mundo sentadinho. Ali perto, outro ambiente foi destinado aos vinhos – 100 rótulos de 20 países, com 10 degustações por irrisórios R$ 20. Não é difícil imaginar o efeito arrebatador da combinação de tintos, brancos, rosés e espumantes com ritmos que iam além do jazz tradicional.

As atrações da estreia também deixaram o público boquiaberto. Na abertura, os florianopolitanos da Cia Trupe Toe mesclaram sapateado com composições próprias e clássicos da MPB como Upa Neguinho. O grupo, surgido em 2011 e com apresentações em Chicago (EUA) no currículo, é novidade até para os nativos. Em seguida, os também caseiros Trio Ponteio e Brasil Papaya trouxeram, respectivamente, a mistura de ritmos regionais (milonga, chacarera, tango, baião) e conexões com o rock (com direito a Beatles logo de cara).

Guitarrista do trio de David
Bennet Cohen rouba a cena


Quarto a se apresentar, o pianista nova-iorquino David Bennett Cohen [foto Cleir Machado/Divugação] era o nome mais esperado da noite. Ou, pelo menos, o artista com as referências mais famosas: integrou a banda Country Joe & The Fish nos loucos anos 1960 e tocou com Hendrix, Mick Taylor e Johnny Winter. Mas quem roubou a cena foi Dave “Doc” French, guitarrista da trio que acompanhava o titular do piano de cauda preto. Ele solou, cantou, assoviou, fez piada e convocou a plateia para se levantar e dançar, mantendo a vibração sempre lá em cima. O povo, devidamente embalado pelo blues e pelo sumo da uva fermentada, aproveitou os últimos acordes e as últimas taças da degustação.

Os goles continuaram para quem se dispôs a comprar uma garrafa. Bem como os shows, agora mais contemplativos, na batida da bossa nova do brasiliense (radicado na Capital catarinense) Gustavo Messina e dos cariocas do Trio da Paz. Para as próximas edições, uma sugestão: indicar que castas harmonizam com os instrumentos. Talvez cabernet sauvignon desça melhor com naipe de metais, enquanto pinot noir dialoga com cordas. No entanto, mesmo sem esse serviço, nenhum cheirador de rolha reclamou. Nem fãs de jazz.

20150103

Foi-se a rainha, ficou a coroa


(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Madonna, sempre causando. Pouco antes do Natal, 13 músicas brotaram na internet creditadas como se fossem do 13º disco dela. Os fãs ainda duvidavam da existência de papai noel quando apareceram mais 14 faixas, incluindo uma colaboração com Pharrell, “Back That Up (Do It)”. A cantora reagiu denunciando que eram demos (material não finalizado) e aproveitou para antecipar seis canções de Rebel Heart, o verdadeiro nome do álbum, cujo lançamento oficial está previsto apenas para março.

Para uma mulher que já fez a festa dos tabloides tendo clipe censurado, desafiando tabus sexuais e até encontrando Jesus, convenhamos: o vazamento não passa de escândalo dos mais mixurucas, principalmente o seu desdobramento. As versões oficiais revelam uma fraqueza assustadora da artista na capacidade de renovar a fórmula mantendo-se no papel de guia. Aos 57 anos, ela assume seguir quem a tinha como inspiração – como Nicki Minaj, que participa da provocação primária de “Bitch, I’m Madonna”.

Da meia dúzia de músicas autorizadas, a única que foge do previsível é “Unapologetic Bitch”. Mesmo assim, graças ao truque manjado de confiar sua identidade ao produtor da vez; no caso, o reggae injetado por Diplo. Os estrelados Avicci e Kanye West também aparecem entre os produtores, sem maiores consequências que não acentuar a pobreza musical de um reinado que desmoronou. Como nas monarquias atuais, o poder de Madonna na corte do pop tornou-se meramente decorativo. Quem manda e desmanda são as bitches mais jovens.

Dez previsões para 2015
01
| A vocalista de uma banda de axé parte para a carreira solo. A banda promove um concurso no Faustão para escolher sua substituta.

02 | São encontrados raros registros de Renato Russo em estúdio, dando início a uma longa pendenga judicial a respeito da comercialização do material sob o nome Legião Urbana.

03 | O disco novo do Guns ‘n Roses é novamente adiado para data indeterminada.

04 | Uma famosa cantora de MPB entra no armário em entrevista exclusiva ao Fantástico.

05 | Depois do forró e do sertanejo, surge o “metal universitário”.

06 | Um conhecido guitarrista enfrenta acusações de assédio nas redes sociais. Em defesa, alega que seu perfil foi invadido, não sem antes apagar todos os posts incriminadores.

07 | O Faith No More volta com a formação original, lança um álbum inédito e anuncia shows em 47 cidades do Brasil. Ao final da turnê, o grupo se desfaz.

08 | Lobão anuncia a fundação de um partido neoconservador de pós-direita.

09 | Um cantor popular cai no bafômetro em uma blitz de trânsito, mas é liberado após um selfie com o guarda.

10 | Nenhuma banda brasileira acaba.