20150626

Sobrenome Veloso ajuda e atrapalha

O grupo Dônica nem tinha um disco completo e já era alvo de uma badalação que músicos com décadas de carreira jamais sonharam. Eram elogios desmedidos da imprensa carioca, interesse de grandes gravadoras, depoimentos promocionais de Fernanda Torres, Baby do Brasil e do artista plástico Vik Muniz. Finalmente, o álbum foi lançado. Continuidade dos Parques não é aquela maravilha apregoada pela torcida, mas não desmoraliza quem saudou a banda como uma das revelações da música brasileira.



Até que ponto um dos integrantes carregar o sobrenome Veloso influenciou, influencia e influenciará tudo – de bom e de ruim – que envolve o Dônica, só Paula Lavigne sabe. A ex-mulher de Caetano responde pela direção do quinteto em que o filho de ambos, Tom, toca violão e assina a maioria das faixas. Com apenas 18 anos, o rapaz compõe como se tivesse nascido há pelo menos 50, quando a MPB com tintas progressivas de canções como 904 e Pintor (com participação de Milton Nascimento) estava em voga.

Nessa linha, Bicho Burro e Carrossel traduzem melhor o montaréu de referências cultivada também por Zé Ibarra (piano e voz), Lucas Nunes (guitarra), Miguel Guimarães (baixo) e André Almeida (bateria). A primeira, egressa do EP que apresentou o Dônica em 2014, tem no rock sua força motriz. A outra transmite uma suavidade que a guitarreira que a invade não consegue quebrar. Independentemente do que aconteça, um mérito ninguém tira do grupo: fazer uma gigante como a Sony voltar a investir em um tipo de música que não está na moda, não foi feito para consumo imediato e tem o mínimo de ambição artística.

(coluna publicada no Diário Catarinense)

20150619

A estrela que brilha além do Superstar

Uma das favoritas a vencer o programa Superstar, a banda Scalene apresenta-se hoje em Florianópolis. Com abertura das locais Nebula Dogs e Blame, o show na Célula marca o lançamento de Éter, segundo disco de uma trajetória que se insinuava promissora bem antes dos brasilienses arrebentarem na TV. Lógico que invadir lares do país inteiro após o Fantástico está ajudando (e como!) a torná-los conhecido por gente que, de outra maneira, jamais saberia de sua existência. Mas há muito mais por trás do tela içada sempre que o grupo ultrapassa 60 pontos.



Por telefone, o guitarrista e vocalista Gustavo Bertoni conta que “tem sido muito maluco lidar com milhões de pessoas com um um som que nem é tão acessível”. Apesar da alta votação de “Surreal”, “Danse Macabre” e “Náufrago” (das quais apenas a última é do novo álbum) ter surpreendido os próprios integrantes, eles já estavam prevendo grandes emoções em 2015: com exceção do baterista Philipe, formado em Moda, Gustavo, o irmão Tomas (guitarra) e Lucas (baixo) trancaram os cursos de Publicidade, Direito e Museologia no início do ano para se dedicar à banda que criaram em 2009.

A aposta está funcionando. E o melhor, sem abrir mão da identidade, como comprova “Legado”, o primeiro single de Éter. Com influências que vão dos consagrados Queens of the Stone Age e Radiohead aos incógnitos Thrice e O’Brother, o Scalene consegue alcançar diversos públicos “com um som feito por jovens, que agrada os mais velhos; com referências obscuras, sem perder o apelo comercial; para quem gosta de um trabalho feito com honestidade e suor, em que a música vem antes do produto”. Uau! A mesma descrição feita por Gustavo poderia ser usada para o Nirvana. Deu no que deu.

Expectativa exagerada
Papa da dance music, Giorgio Moroder é mais respeitado hoje do que quando produzia hits para Donna Summer. O que era tachado de cafona na década de 80 tornou-se sinônimo de cool no século 21. Assim, criou-se enorme expectativa para Déjà Vu, seu primeiro disco solo em 30 anos. Nele, o italiano faz o que sempre fez: música para pista, agora com cantoras como Kylie Minogue, Britney Spears e Sia, entre outras menos cotadas. Espantoso, aí, é achar que seria diferente.



POP POR TABELA ||||||| PERDÃO, JAH
Compare os recém-lançados CDs de dois cantores de reggae:

Alborosie
CONTEXTO Italiano, considerado a maior revelação do estilo nos últimos tempos
O QUÊ Alborosie & Friends, CD duplo com duetos com colegas do reggae
E AÍ Cadê o Armandinho?



Maxi Priest
CONTEXTO Inglês, primeiro nome do gênero a liderar as paradas, em 1990, com “Close to You”
O QUÊ Easy to Love, primeiro CD inédito em sete anos
E AÍ Gosto de mofo



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150612

5 discos para ouvir a dois

OK, já rolou jantarzinho, cineminha ou qualquer outro programa diminutivo para celebrar o Dia dos Namorados. Mas não vamos ser hipócritas: tudo isso é apenas um preâmbulo para uma madrugada ardente, com intensa troca de fluidos e descoberta de prazeres. Você tem muito mais chances de amanhecer com aquele sorrisão – no rosto e ao seu lado – se recorrer à seguinte trilha sonora:

Little Broken Hearts, NORAH JONES (2012) – A cantora já estava bem estabelecida como diva do jazz universitário quando deu uma bela guinada em seu quinto disco. Primeiro, chamou o mago Danger Mouse (Gnarls Barkley, Broken Bells) para produzir o trabalho e adotou uma franjinha indie no cabelo. Depois, saiu por aí com o violão em punho, soltando a voz sobre e para corações partidos. OUÇA “4 Broken Hearts”, “She’s 22”, “Say Goodbye”.





A Letra A, NANDO REIS (2003) – Mais conhecido pelas composições gravadas por outros intérpretes do que por seus discos, para o quarto álbum solo o ex-titã reservou uma dúzia de baladas autorais calcadas no folk rock setentista. O negócio começa devagar, praticamente acústico, e vai encorpando com o tempo – mais ou menos como o que vai acontecer no seu encontro. OUÇA “A Letra A”, “Luz dos Olhos”, “Dentro do Mesmo Time”.





Rattlesnakes, LLOYD COLE AND THE COMMOTIONS (1984) – A estreia da banda escocesa parece até uma coletânea, tantas são as músicas com potencial para virar single. Sem a menor pretensão de querer reinventar a roda, mas com personalidade de sobra, o grupo investia em um pop adulto, pronto para o rádio sem ofender a sensibilidade de ninguém. OUÇA “Forest Fire, Are You Ready to Be Heartbroken?”, “Ratllesnakes”.





Be Thankful for what You Got, WILLIAM DEVAUGHN (1974) – A faixa-título começa suave, aumenta o ritmo, chega ao ápice e.... diminui gradativamente. Lembrou algo? Pois é apenas uma amostra do que o hit consegue fazer com o ouvinte, mesmo sem falar de amor. Não que o tema seja ignorado: de forma direta ou não, o romantismo emana de cada nota do soul do cantor americano. OUÇA “Be Thankful for what You Got”, “You Gave me a Brand New Start”, “Sing a Love Song”.





Cartola, CARTOLA (1974) – O samba nunca se prestou tanto à fossa quanto na obra deste gênio da música brasileira, que estreou em disco quando já estava com 65 anos. Ciúme, traição, saudade, esperança; tudo o que envolve o universo da paixão foi contemplado pelos versos maravilhosos do carioca. O único risco é ficar prestando atenção demais nas letras e se desmobilizar para o principal. OUÇA “Tive Sim”, “Alvorada”, “O Sol Nascerá”.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150605

Moleques libertam rock da mesmice

A música nova acumula-se em cima da mesa, no computador, no player. Lançamentos enviados por gravadoras, arquivos baixados de alguma nuvem suspeita, áudios fresquinhos em streaming, links para conhecer os talentos locais. Falta tempo e, essencialmente, saco para ouvir tudo. O cenário é quase desolador, até que surge o disco dos Slaves e restabelece a fé em um gênero sobre o qual não restava a menor esperança que conseguisse surpreender em 2015. A estreia dos ingleses, Are You Satisfied?, arrasa com a descrença no rrrock! (ênfase no “r” e na exclamação, pliz) e acena com dias mais divertidos para o estilo.



Tanto esporro só podia ser obra de dois moleques. Isaac Holman (23 anos) e Laurie Vincent (22 anos) vêm da cidade de Kent e se cruzaram ainda adolescentes em um grupo chamado Barefoot antes de adotar uma configuração básica como o som que desejavam fazer. O formato remete a White Stripes, Black Keys, Jon Spencer Blues Explosion e demais nobres representantes de uma linhagem em que não são necessários mais do que vocais, guitarra e bateria para gerar uma barulheira danada de boa. A diferença está na pegada: em vez de blues tosco, a gana dos Slaves parte do punk.



Em pouco mais de meia hora, pelas 13 músicas desfilam ecos dos onipresentes Sex Pistols e Clash embalados em porra-louquice new wave tão tradicional quanto o sotaque britânico em que são urradas. “Cheer Up London”, “Sockets” e “Hey” grudam à primeira audição. Na segunda, a faixa- título, “Live Like an Animal” e “Ninety Nine” confirmam o frisson em torno dos guris – já apontados pela BBC como uma das revelações do ano. São muitos os exemplos de bandas apontadas como “a próxima grande coisa” que voltam para o nada de onde vieram. No caso dos Slaves, o hype está mais do que justificado.

Novidades cansativas
A distância que separa Hot Chip e Gang do Electro é maior do que o oceano entre o Reino Unido e o Pará, mas seus discos novos chegaram juntos à redação e padecem do mesmo defeito. Why Make Sense?, o sexto do quinteto londrino, ganhou edição nacional acompanhada da informação de que a primeira música de trabalho, “Need You Now”, ocupa o topo da parada alternativa na Inglaterra. Todo Mundo Tá Tremendo, o segundo do quarteto belenense, exala aquele ar brega impregnado com cumbia, carimbó e reggaeton do anterior. Com certeza há avanços em ambos, com um soando mais atmosférico em suas tinturas eletrônicas e outro mais elaborado dentro da fórmula escolhida. No entanto, parecem ser mais longos do que realmente são, sinal inequívoco do cansaço que provocam.





TEM QUE CONHECER ||||||| LEONARD COHEN
Cantor, compositor, poeta, escritor e… monge budista. Aos 80 anos, o canadense continua levando a sério seu mais recente retorno, iniciado em 2001 com Ten New Songs, o primeiro disco de inéditas desde 1992. De lá para cá, já lançou mais cinco trabalhos, dos quais o último é Can’t Forget. Como o antecessor (Popular Problems, do ano passado), foi gravado ao vivo, com o acréscimo de duas inéditas, “Never Gave Nobody Trouble” e “Got a Little Secret”. Se não acrescenta muito, pelo menos lembra que se trata de uma lenda viva, com no mínimo um clássico na carreira – a estreia Songs of Leonard Cohen, de 1967. Classificado como folk, melhor dizer que é música de gente grande.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)