20150925

Em lua-de-mel com a tristeza

O dia em que Lana Del Rey ficar feliz, acaba a sua carreira. Linda e sexy, a cantora americana despontou em 2012 com um atributo que até hoje a distingue no disputado mercado adolescente: tristeza sem fim. Enquanto as concorrentes vendem diversão irracional, ela fatura alto oferecendo a trilha sonora para fãs entediadas com a vida. Não seria em seu novo disco que abandonaria a receita que a tornou milionária. Tudo em Honeymoon remete à melancolia, à decadência, à tragédia – sempre com muita classe e glamour.



Depois que começou a fazer sucesso, descobriu-se que a artista já havia tentado a sorte na música com o nome de Lizzy Grant e sua alcunha atual foi adotada como parte de uma bem-estudada estratégia que representasse seu estilo. Lana de Lana Turner, símbolo sexual de Hollywood nas décadas de 40 e 50; Del Rey do modelo de carro dos anos 80. O pacote incluía uma imagem de diva vintage, com referências retrô e postura meio blasé. O mundo pode estar despencando, mas não conte com seus lábios carnudos para salvá-lo do vazio.

Essa combinação proposital de niilismo e apatia é expressa em Honeymoon com orquestrações que lembram a era dourada do cinema e discretas intervenções eletrônicas. O álbum desce quase monocórdio, salvo pela languidez de “Music to Watch Boys to”, “High by the Beach” e Religion”. As mocinhas adoram e se identificam. Aos 30 anos, Lana é a amiga mais velha que entende suas dúvidas e angústias e as traduz em forma de leve desespero. Não se preocupem, daqui a pouco isso passa.

Alívio cósmico
Astronauts, Etc é o projeto do tecladista que toca com Toro Y Moi, Anthony Ferraro. Como o patrão alternativo, o californiano encontrou lugar entre a rapaziada moderna revisitando sonoridades do passado. No disco Mind Out Wandering, ele apresenta cadências e timbres influenciados pelo soft rock e soul branco setentista – pense em Steely Dan ou, para citar um colega contemporâneo, Mayer Hawthorne. Com esses ingredientes, não tem como o ouvinte não entrar em órbita. Embarque na espaçonave com “I Know”, “Shake It Loose” ou “If I Run”.



ZONA FRANCA ||||||| DISCOS GRÁTIS
O QUÊ Estilhaça, do grupo carioca Letuce
POR QUÊ A vocalista Letícia Novaes e o multiinstrumentista Lucas Vasconcellos se divorciaram, mas nunca pareceram tão casados com o conceito de banda-de-rock quanto neste terceiro disco. Dessa sintonia surgem a nuance algo hippie de “Quero Trabalhar com Vidro”, a desafogo de “Todos os Lugares do Mundo” e a autoexplicativa “Animadinha”. Uma bela transformação, principalmente se comparada à estranha monotonia dos trabalhos anteriores.
ONDE miud.in/1GTr



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150918

Pistas precisam de deuses – mesmo de papel

O Duran Duran não só ainda existe como está com disco novo, Paper Gods. É que desde os anos 2000 cada trabalho do veterano grupo inglês vem sendo tratado como se representasse a sua volta. No anterior, All You Need Is Now (2010), o apelo era a produção do fã confesso Mark Ronson (Amy Winehouse), contratado para trazer a sonoridade da banda para a década corrente. Ele permanece nos créditos, mas é a retomada da parceria campeã com Nile Rodgers que torna este lançamento tão especial.



Um pouco de história: criado em 1978, o Duran Duran já havia emplacado sucessos do quilate de “Save a Prayer” e “Rio, pequenos se comparados com o que viria após chamar a máquina de hits por trás do Chic para produzi-lo. Mais do que pilotar o multiplatinado single Reflex (1983) e o álbum Notorious (1986), Rodgers deu forma à identidade com a qual a banda passaria a ser reconhecida. Ficou impossível dissocia-la daquela guitarrinha funky deitada sobre uma cama de teclados, elementos que forjaram os melhores momentos dos britânicos.



No 14º disco do grupo, a tabelinha reaparece apenas na infalível “Pressure Off” – não à toa escolhida como o primeiro single – e em “Change the Skyline”, porém seu espírito vagueia por todas as faixas. Essa sensação de que o “retorno” é para valer está em “What Are the Chances?”, balada que o Duran Duran sabe fazer como ninguém; ou em “Danceophobia” (com Lindsey Lohan!), que atualiza a pegada dançante do agora quarteto. Por isso, quando a melodia do vocal de Simon Le Bon irrompe no refrão de “Sunset Garage”, não há outra reação que não abrir um sorriso. Mesmo de papel, deuses sempre terão lugar na pista.

Punk no conceito
Outro nome dos anos 80 a ressurgir é John Lydon. O ex-Joãozinho Podre diz presente com What the World Needs Now, do Public Image Ltd. (PiL), a banda que montou depois de largar os Sex Pistols. Como o dito cujo já está naquela altura da vida em que o dedo do meio é a mensagem, ele pouco se importa em agradar – aliás, nunca se importou. Parafraseando o título do disco, há dúvidas se o que o mundo precisa agora é de um velho punk mandando a real com sua voz esganiçada. Às vezes, sim.




LOCAIS

////// O trio Helvéticos chega ao segundo disco mantendo forte a inclinação setentista. Em Hipnose, a banda de Porto Belo parece mais robusta, convicta de como pretende soar. O primeiro single, Deixa Acontecer, dá a impressão que os rapazes andam meio obcecados por Cachorro Grande – ou com as influências do grupo gaúcho –, mas quem explorar com atenção as outras nove canções do álbum pode gostar da proposta.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150911

A vida levou cada um deles para um canto

Três moleques cariocas gostavam de hip-hop, skate e maconha. Marcelo, ex-camelô e com um monte de rimas enfumaçadas na cabeça. Bernardo, intelectual da calçada, capaz de empilhar referências tão rápido quanto teorizar sobre o caos. Gustavo, branco de menos para a elite de Niterói, bem-nascido demais para os subúrbios do Grande Rio. Encontraram-se no Planet Hemp e estavam escrevendo uma história interessante no pop nacional. Até que a vida levou cada um deles para um canto.

Gustavo, o Black Alien, estreou solo em 2004 com Babylon by Gus – Vol. 1: O Ano do Macaco, um trabalho urbano com influências jamaicanas. Depois, o rapaz descambou e só agora chega ao segundo volume, No Princípio Era o Verbo. A reabilitação o tornou careta também nas letras, eivadas de bons costumes e valores corretos. Ainda bem que a música salva & liberta da pregação sacal.



É quando entra Céu para um dueto astral em “Somos o Mundo”. Ou na levada reggae de “Falando de Meu Bem” e “Terra”, que em manha só perdem para o samba insinuado em “Homem de Família”. Deixa o cara celebrar: está limpo, arrumou dinheiro para bancar sua volta via financiamento coletivo e quer dividir o novo momento com todos. Baixe-o gratuitamente.

Quis o acaso que Bernardo, o BNegão, lançasse disco quase no mesmo dia que o antigo colega. TransmutAção reflete a gama de temas e estilos que ele sempre curtiu. Filosofia de rua, conspirações e cenas do subdesenvolvimento cruzam-se em pancadões (“No Ar”, “Giratória”), gafieiras (“Fita Amarela”, “No Amanhecer”) e rap (“Mundo Tela”). Viabilizado pela Natura, é o terceiro álbum de sua banda, os Seletores de Frequência – e está disponível para download aqui.



Marcelo, o D2, você conhece. Apagou o Planet Hemp, foi procurar a batida perfeita e achou fama e fortuna. Nos raros momentos de autocrítica, olha para o que aconteceu com os outros dois e fica satisfeito com as escolhas que fez.

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150904

A besta despertou – e está a fim de briga

O metal atual tem muitas caras. Pode ser new, rap, doom, death, grind, funk. Quando era só heavy, o Iron Maiden reinava soberano. É essa condição que o 16º disco da banda escancara. À disposição a partir desta sexta, The Book of Souls acrescenta marcos em uma carreira repleta de superlativos. Com 92 minutos de duração, é o mais longo trabalho e o primeiro álbum duplo (em vinil, triplo) de inéditas do grupo, que nunca havia ficado tanto tempo sem gravar. Depois de cinco anos hibernando, a besta despertou novamente. E com todo o gás.

O disco ficou pronto no ano passado, mas seu lançamento foi adiado para que o vocalista Bruce Dickinson se tratasse de um câncer. Nem parece que a doença o atacou logo na boca: quaisquer dúvidas a respeito de sua voz convalescente – e quase sexagenária – dissipam-se no single “Speed of Light”, com aquela potência que, se não é mais a mesma, ainda ecoa com a força de um trovão. Uma das melhores da temporada, a música sinaliza não apenas a recuperação de seu frontman, como do grupo inteiro.



O cowbell na introdução, aliado ao riff matador, deixa claro que vem por aí um rock direto e vigoroso, como nos primórdios. A sensação é intensificada por velhos truques de eficiência comprovada. O corinho em “The Red and the Black”, repetido à exaustão, vai estremecer estádios. O andamento de “Death or Glory” e “Shadows of the Valley” é digno dos grandes momentos da banda. Até a arrastada “The Great Unknown”, assim que engrena, faz lembrar porque o Iron Maiden tornou-se imprescindível na formação do caráter da molecada.

Mesmo com seus excessos, o disco redime o grupo de pecados progressivoides cometidos no passado recente – incluídos na conta os 18 intermináveis minutos de “Empire of the Clouds”. Além de Dickinson, todas as características que conquistaram uma legião de fiéis seguidores para a banda estão em The Book of Souls: o baixo galopante de Steve Harris, as guitarras gêmeas de Dave Murray e Adrian Smith (às vezes trigêmeas, com Janick Gers), a bateria de Nicko McBrain despencando em viradas inacreditáveis, a mascote Eddie na capa. O fã já estava com saudade.

Arca de tesouros
Com The Arcs, Dan Auerbach estende a fase criativa pela qual vem passando nos últimos anos. Como Jack White, Danger Mouse ou Pharrell Williams, em seu projeto paralelo a metade dos Black Keys atinge um padrão de qualidade de dar inveja: quando não está muito inspirado, é no mínimo nota 7; quando está, não tem para ninguém. Na estreia da banda, Yours, Dreamily, o americano oferece um som mais elaborado do que o do grupo-matriz, adoçando seu blues garageiro em “Put a Flower in Your Pocket”, “Pistol Made of Bones” e “Everything You Do (You Do for You)”.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)