20151124

Com a bênção do tio Aldo

No país de Naldo, vale a pena conhecer Aldo. Como seu quase xará funkeiro, faz música para festa. Mas nasceu em São Paulo, canta em inglês e tem uma concepção de diversão que desce melhor com vodka do que com água de coco. Ah, e é uma banda. Após estrear em 2013 com um disco muitíssimo bem falado pelas poucas pessoas que o escutaram, o grupo chega ao segundo álbum, Giant Flea, credenciado a provocar ressacas ainda maiores – para orgulho do tio que levava os sobrinhos Murilo e André Faria a rolês pelo lado selvagem da rua Augusta.



Quando foram batizar sua empreitada sonora, os dois irmãos não tiveram dúvida: resolveram homenagear aquele com quem, a bordo de um Santanão vermelho, descobriram como a vida pode ser boa. Nascia Aldo The Band, movida pela eletrônica de Murilo (programação, sintetizadores, backing vocais e teclados) e pelo indie rock de André (baixo, guitarra e voz). Da combinação surgem batidas e distorções que alinham o grupo ao lado de LCD Soundsystem, !!!, Holy Ghost, Hot Chip e outros representantes atuais da música visceral para as pistas.

Logo nas duas primeiras faixas, Giant Flea já diz a que veio. A primeira, “2nd Hand Chest”, tem uma melodia que vai conquistando terreno de forma gradual. Na seguinte, “Liquid Metal”, ninguém mais fica parado. E assim transcorre o disco, alternando pop imediato (“Sunday Dust”, “Good Morning Pumpkin”) com convites irrecusáveis para os quadris (“Primate”, “Bluffing”). Pena que tio Aldo, o inspirador de tantas experiências, não curte mais esse tipo de apelo: aposentou-se da vida louca e virou evangélico. Pelo menos, abençoou os rapazes.

Rita em caixa
Até 2015 terminar deve ser lançada a caixa com a discografia de Rita Lee. Tomara que daí as Novas Gerações percebam a cantora com o devido interesse. A senhora excêntrica de hoje foi a maior roqueira do país, e só não permanece no posto porque tem coisas mais importantes com que se preocupar – como, por exemplo, cuidar do jardim. Dos 27 álbuns pós-Mutantes gravados por ela de 1970 a 2012, 20 foram remasterizados para a edição encaixotada. Entre eles constam os dois primeiros, ainda à sombra dos irmãos Arnaldo Baptista e Sergio Dias (Build up e Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida), o mergulho no desbunde setentista com a banda Tutti Frutti (Atrás do Porto Tem uma Cidade, Fruto Proibido, Entradas e Bandeiras) e a rendição ao pop com Roberto de Carvalho (os álbuns em nome dela ou no do casal). Confira algumas pepitas do baú de Rita na playlist abaixo:



 L ANÇAMENTOS


Templa, Abre – É um projeto paralelo de figurinhas carimbadas na cena musical de Florianópolis: Felipe Melo (guitarra e voz, Mafra + Melo), José Neto (baixo, Sum) e João Mateus da Rosa (bateria, Rafclif). O trio estreia com um single que, em meio à barafunda de estilos que domina a música atual, quer apenas ser pop – e consegue, com uma melodia gostosa que bebe da new wave dos anos 80 ao rock atual. Que venham as outras quatro, prometidas até a metade do ano que vem.



Jean-Michel Jarre, Electronica 1 – The Time Machine – Militante da eletrônica no tempo em que o gênero era revolucion, nada mais justo do que o francês também faturar agora que o estilo rivaliza com o sertanejo e o axé na preferência dos reis do camarote. Para quebrar o hiato de oito anos sem gravar, ele convocou uma seleção: Air, Vince Clarke (Depeche Mode), Moby, Tangerine Dream e 3D (Massive Attack), todos reverenciando o mestre de 67 anos. O volume 2 pinta em 2016.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151117

Raridades nada preciosas

Ninguém discute a importância do Nirvana, o talento de Kurt Cobain, a grande perda que foi seu suicídio. Mas fica difícil convencer disso o moleque que está chegando agora no rock com a trilha sonora do documentário Montage of Heck. Na película, casadas com imagens igualmente caseiras, as canções até tinham alguma função. Em disco, não passam de bobagens – a despeito do valor histórico que possam ter – reunidas com o único intuito de explorar a boa fé dos fãs com a rapa do tacho do ídolo.



O álbum está sendo vendido em duas versões. A convencional traz 13 faixas. A luxuosa amplia o constrangimento para 30. Salvo curiosidades para colecionadores fanáticos, como esboços do que viriam a se tornar Been a Son e Something in the Way, as “músicas” (põe aspas aí) mostram que o coitado do Cobain jamais imaginaria que seus registros em cassete feitos de 1987 até a morte em 1994 acabariam comercializados. Do contrário, supõe-se, não gravaria arrotos, imitações de barulhos de flatos e experiências que beiram o inaudível, de tão grotescas.

Se bem que, desprezando a fama e todo o circo midiático como ele desprezava, é bem capaz que tenha deixado tudo isso pensando no futuro, eternizando seu lado mais auto-indulgente e desagradável na crença de que valeria ouro e não faltariam trouxas para engolir tal empulhação como relíquia. Para os artistas, fica a lição: destruam qualquer coisa que não pretendem lançar, sejam ensaios, brincadeiras ou diálogos captados por um microfone aberto no estúdio. Para ganhar mais dinheiro em seu nome, os herdeiros não hesitarão em lhe expor ao ridículo. E que se dane a posteridade.

Leitura punk
Iggy Pop já fez muita coisa da qual não deve se gabar. De uma, porém, pode se orgulhar: não ter melado o lançamento da biografia Open Up and Bleed, mesmo não ajudando o autor Paul Trynka em nada. O livro já está nas livrarias nacionais, expondo em português todas as maluquices que fizeram do vocalista uma das criaturas mais selvagens da música. Típico representante do white trash dos Estados Unidos, James Osterberg Jr. (seu nome real) passou a infância morando em um trailer com a família em Michigan. Bom aluno, na escola dizia que queria ser presidente do país – e os colegas acreditavam, tamanha era sua desenvoltura. Até descobrir o rock, primeiro com os Stooges e depois solo. Há drogas em quantidades cavalares, sexo desenfreado, shows que terminam em pancadaria e bastidores da produção de discos. Como diz o escritor no prefácio, “como pôde um homem ser tão inteligente e tão estúpido?”.



 L ANÇAMENTOS


Caraudácia – A banda de Florianópolis estreia com um disco homônimo em que leva ao pé da letra o fato de não ter gênero definido. A opção liberta o grupo da camisa-de-força do rock, o que sempre é saudável. No entanto, também impõe um grande desafio: como forjar uma identidade própria investindo em tantos estilos? Ao longo de 10 músicas, aparecem MPB, reggae, funk, tudo meio diluído em meio a tantas direções. Com um pouco mais de foco (ouça Ano pra Ferver), o segundo disco promete.



Jaloo, #1 – Aposta do selo StereoMono (parte do Skol Music), o paraense fez um álbum com pegada pop eletrônica, que conversa com o mundo sem em nenhum momento renegar a origem brasileira. O toque original vem das festas de aparelhagem e do brega, tão comuns em seu Estado. O produtor Carlos Eduardo Miranda – descobridor do Raimundos, entre outros – só teve que dar aquela polida para que músicas como Insight, Odoiá (In Your Eyes) e Ah! Dor revelassem todo o seu potencial.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151110

O barato dos Boogarins

O New York Times cravou que o disco “é conduzido por guitarras nebulosas, riffs cíclicos e vocais murmurantes – mas com pitadas de grooves da bossa nova de Jobim”. O Guardian disse que o mesmo álbum “é uma coleção intrigante de músicas que muda constantemente de direção, de delicadas guitarras cintilantes e baladas contemplativas a riffs fortes e ritmos pós-bossa”. Quando dois jornalões estrangeiros se arreganham desse jeito para o trabalho de uma banda nacional, que canta em português um tipo de música dominado por anglófonos, o mínimo que a gente deve fazer é conhecer essa banda.

O alvo de tamanha empolgação da crítica internacional chama-se Boogarins, vem de Goiânia e está pirando a cabeça de gringos com seu segundo disco, Manual (Ou Guia para a Dissolução de Sonhos). O mais surpreendente é que o grupo conseguiu tudo isso sem apelar para a malemolência dos ritmos brasileiros e outros estereótipos do Brasil-pandeiro, e sim investindo na linguagem universal do psicodelismo. O nova-iorquino ou o londrino pode não entender o que significam versos como “a maior demonstração de propagação ao ser é o eco”, mas dispensa a tradução para curtir a paisagem sonora.



Apesar de pertencer à linhagem simbolizada por Pink Floyd e, mais recentemente, Tame Impala, o Boogarins se destaca por agregar o verde e amarelo às cores tradicionais da lisergia. “Avalanche”, “Mario de Andrade/Selvagem” e “6000 Dias (Ou Mantra dos 20 Anos)” condensam Mutantes, Tropicalismo, rock rural e Secos & Molhados em diferentes doses e intensidades, indo do bucólico ao claustrofóbico, do rural ao urbano em poucos minutos. O efeito “brisante” de “San Lourenzo”, “Cuerdo” e “Sei Lá” garantem que a viagem transcorra sem solavancos para aqueles ambientados com o disco anterior, Plantas que Curam (2013).



A trajetória do Boogarins é tão delirante quanto sua música. Dois moleques, Benke Ferraz e Dinho Almeida, amigos de escola, gravam algumas canções de forma caseira. Por obra e graça do destino, essas canções encantam um pessoal nos Estados Unidos e o disco sai por lá e é distribuído também na Europa. De repente os dois, que nem banda direito tinham, precisam montar uma para excursionar por outros países. Enquanto as duplas sertanejas de seu Estado contam milhões, o Boogarins carimba o passaporte. Cada um com seu sonho.

Viagem pesada
Na renascença psicodélica brasileira cabe também o Supercordas, grupo carioca que chega a bordo de Terceira Terra. Neste terceiro disco, as samambaias, animais rastejantes e anfíbios marcianos apresentados  em Seres Verdes ao Redor (2006) dão lugar a um cenário distópico, onde imperam corporações, concreto e máquinas. De qualquer maneira, é preciso respeitar uma banda que abre o disco com uma música batizada de “Fundação Roberto Marinho Blues & Co.”.



TEM QUE CONHECER ||||||| TOMMY GUERRERO
Antes de enveredar pela música, o californiano fez o nome no skate nos anos 1980. A paixão pela pranchinha sobre rodas passou a ser dividida com a carreira artística a partir de 1998, com o disco Loose Grooves & Bastard Blues. Mas são os dois seguintes – A Little Bit’ of Something (2000) e Soul Food Taqueria (2003) – que consolidam a pegada do cara: grooves latinos e hip hop como base, tudo na maciota para proporcionar o bem-estar. Ele está de volta com Perpetual, prontinho para embalar finais de tarde à beira-mar.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151103

Ninguém resiste a um morto

O documentário Amy foi exibido em quatro sessões especiais em um cinema florianopolitano em setembro e não há previsão de estreia em circuito comercial, mas sua trilha sonora já está disponível. É um caça-níquel que entrega exata e tão somente o que promete. Em 23 faixas, o disco apresenta apresenta takes alternativos de canções bem conhecidas de lady Winehouse, demos e registros ao vivo, intercalados por temas instrumentais compostos pelo brasileiro Antonio Pinto. As músicas ouvidas no filme, ora pois.



O álbum é o segundo lançamento póstumo da cantora – o primeiro, Lioness: The Hidden Treasures, saiu antes do ano de sua morte acabar. De acordo com a gravadora, será também o último. Sobras de estúdio e esboços de músicas inéditas teriam sido destruídas para evitar sua exploração comercial. Como se finado precisasse produzir coisa nova para gerar riqueza: só em 2014, Michael Jackson faturou R$ 140 milhões, o que o posiciona atrás apenas de Dr. Dre (620) no ranking dos artistas mais bem-pagos da música elaborado pela revista Forbes.

Ainda mais um nome com o apelo de Amy Winehouse. Foi o fim mais anunciado dos últimos tempos no pop. Quem assistiu ao seu show em Florianópolis em janeiro de 2011 percebeu como a situação era séria. A mulher descambou ali pela metade do setlist e não teve mais jeito de retomar, arrastando-se até o fechamento com “Valerie”. Seis meses depois, o trágico desfecho. Aos 27 anos, na ilustre companhia dos (pela ordem de óbito) míticos Jones, Hendrix, Janis, Morrison & Cobain. De consumo excessivo de álcool, para alimentar os moralistas de plantão.

Tudo isso vem à tona em um disco que satisfaz a sanha coletiva por mais um produto assinado pela cantora. Fãs devem se emocionar com a caseira “Like Smoke” e ficar comparando “Some Unholy War” ou “Tears Dry Own Their Own” com as versões originais. Os interlúdios servem para refletir sobre o que ela estaria fazendo hoje. Não seria implausível apostar que continuaria revisitando o soul. Prefiro achar que, como já havia demonstrado em momentos pontuais de sua carreira, em breve abraçaria os ritmos jamaicanos como inspiração-mor. Como todo mundo que larga as drogas pesadas.

Informação demais
Assunto é que não falta em A Mulher do Fim do Mundo, de Elza Soares. Primeiro disco de inéditas da veneranda intérprete. Composições de uma turma de paulistas associada a uma MPB torta, como Romulo Froes, Kiko Dinucci ou Rodrigo Cabral. Uma música chamada “Pra Foder”, outra com o verso “o mundo vai terminar num poço cheio de merda” (“Luz Vermelha”). É um trabalho ousado, difícil, bastante diverso da imagem preguiçosa de sambista que se tem da cantora. Na verdade, traz tanta informação que mais confunde do que explica – o que, conforme a intenção do artista, pode ser uma qualidade.



ZONA FRANCA ||||||| DISCOS GRÁTIS
O QUÊ Violar, do Instituto
POR QUÊ Segundo disco do grupo capitaneado pelos produtores Rica Amabis e Tejo Damasceno, sinônimos de uma inventividade inversamente proporcional ao reconhecimento popular. A exemplo da estreia, Coleção Nacional (2002), os convidados formam uma seleção do lado B da cena pop brasileira. A variedade – BNegão, Jorge du Peixe (Nação Zumbi), Curumim, Criolo, Karol Conka, Metá Metá, Otto e Tulipa Ruiz – rima com irregularidade, mas essa rapaziada esperta nunca pode ser acusada de não tentar.
ONDE seloinstituto.com.br



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)