20150731

Certeza para onde vai e de onde vem

Hoje tem hangout com Ivete Sangalo e Criolo. Ambos vão falar do lançamento do disco Viva Tim Maia!, registro em estúdio de 12 faixas interpretadas nos shows homônimos que reuniram quase um milhão de espectadores em seis capitais. Ela canta “Réu Confesso”, “Telefone”, “Azul do Cor do Mar”. Ele, “Primavera”, “Chocolate”, “Me Dê Motivo”. Juntos, entoam “Um Dia de Domingo”, “Não Quero Dinheiro”, “Do Leme ao Pontal”. A vontade é de participar da videoconferência para perguntar apenas o seguinte: para quê?



A resposta automática seria “para homenagear Tim Maia”. Justo, justíssimo. Mas não convence nem satisfaz. Vamos tentar de novo, agora na versão sincericida.

Ivete: “Meu rei, sou uma mulher de negócios. Uma agência entrou em contato com meu escritório e fez a proposta dessa turnê conjunta com aquele cabra do rap. Avaliamos a oferta e, como não era de concorrente de nenhum de nossos patrocinadores atuais, resolvemos aceitar, já de olho nos desdobramentos em CD e DVD. Pena que não aproveitaram o áudio dos shows, aí tive que arrumar tempo na minha agenda para refazer todos os vocais em estúdio. Sorte que meu jatinho nunca me deixa na mão!”

Criolo: “Mano, antes de topar refleti bastante sobre como é que o público do hip hop ia encarar essa minha parceria com uma artista que representa o oposto do que sou e acredito. Cheguei à conclusão de que é mais um passo para quebrar as barreiras entre os estilos, como tento fazer no meu trabalho solo. E tem outra coisa, essa parada do dinheiro envolvido só incomoda a burguesia que não precisa se preocupar com o saldo no banco. Lá da quebrada de onde venho, a rapaziada sabe a correria que é para pagar as contas no final do mês.”

A rainha do axé com o monge do rap soltando o gogó em canções imortalizadas pelo pai do soul brasileiro é o tipo de empreitada que nem precisa se ouvir para descobrir que, em termos artísticos, não acrescenta nada a ninguém. O único ganho é em mídia espontânea para a mecenas, uma marca de cosméticos que começa com “n” e acaba com “a” (e não é a Natura). O projeto prevê também uma estátua de Tim Maia no Rio de Janeiro feita com latinhas de creme, o carro-chefe da companhia. Considerando o ramo de atuação da empresa e o homenageado, espanta o fato de ninguém ainda ter pensado em usar o clássico “Que Beleza”. O bate-papo com a dupla será às 16h, neste endereço.



Congelada no tempo
One hit wonder da década de 90 com a deliciosa “Seether”, o Veruca Salt sempre chamou a atenção pelos refrãos ganchudos e pela musa indie Nina Gordon (não necessariamente nessa ordem). O grupo batizado com o nome da riquinha mimada de A Fantástica Fábrica de Chocolate está de volta com a formação original no disco Ghost Notes. Vinte anos depois, o power pop da banda segue intacto em músicas como “Love You Less”, “Laughing in the Sugar Bowl” ou “Black on Blond”. E a guitarrista e vocalista continua linda aos 47.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150724

Independência como filosofia

O Wilco é mais um a liberar disco novo de graça. Basta fornecer o endereço de e-mail no site do grupo e você recebe um link para baixar o álbum Star Wars. Vai chegar, se é que ainda não chegou, o tempo em que artistas dando seu bem mais precioso – sua arte – será prática comum, mas o caso da banda de Chicago suscita algumas reflexões. A começar pelo título e a capa, com dois dos maiores geradores de memes nas redes sociais (Guerra nas Estrelas e um gato), a iniciativa mostra que o líder Jeff Tweedy entendeu direitinho o poder disruptor da internet e, por consequência, como sobreviver em um cenário musical esfacelado.



É importante salientar que não se trata de uma bandeca que surgiu ontem ou que não tem mercado. Com 20 anos de carreira e oito discos, o Wilco construiu uma sólida reputação no circuito indie dos Estados Unidos com um som que há muito transcendeu o alt-country, rótulo criado para designar a pegada “alternativa” incorporada à música de raiz (americana) do grupo. Em 2010, proclamou a independência ao romper com o selo Nonesuch, filiado à Warner, e virou protagonista da própria história. Abriu a gravadora dBpm, pela qual lança seus trabalhos. Também é dono do estúdio onde eles são gravados, The Loft.

A política do faça-você-mesmo não termina aí. O Wilco ainda organiza um festival, o Solid Sound, na qual é a atração principal. Além dos shows convencionais, faz apresentações só de covers, acústicos ou com setlist montado pelos fãs – que, se inscritos na página da banda, têm prioridade na compra de ingressos. Agora pare para pensar em que artista brasileiro do mesmo tamanho já se atreveu a fazer algo parecido. Por aqui, é muito mais cômodo ficar de mimimi, lamentando como o mundo é injusto ou esperando algum edital salvador, do que partir para a ação. Nem que seja promovendo vaquinha virtual para bancar o próximo trabalho.

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150717

Futuro da eletrônica passa pela química

Tão jovem em termos históricos, a eletrônica já tem sua velha guarda. Fatboy Slim tornou-se o Chacrinha das pick-ups. Underworld não produz nada desde 2010. Daft Punk alimenta rumores de que vem coisa nova por aí. Prodigy e Leftfield lançaram álbuns em março e junho. E os Chemical Brothers estão voltando após cinco anos com o excelente Born in the Echoes. No disco, a dupla inglesa reafirma sua maestria em filtrar, recortar e traduzir referências da música pop através dos tempos em uma linguagem capaz de dialogar tanto com a moçada a derreter na pista quanto com o público refratário aos fundamentos do estilo.



Ed Simons e Tom Rowlands fazem eletrônica para quem não gosta (apenas) de eletrônica. Há exatas duas décadas, ajudaram a tirar o gênero do gueto (ao lado da rapaziada citada acima) com a estreia Exit Planet Dust. O negócio se ramificou a um ponto que a – como é referida lá fora – dance music dividiu-se em IDM e EDM. Uma, “intelligent”, experimental, com ambição artística. Outra, “electronic”, convencional, com fim comercial. Como se as caraterísticas fossem excludentes. Não são. Não com os irmãos químicos no estúdio em boa companhia.

A voz de St. Vincent (codinome de Annie Clark, cantora com bastante moral no meio alternativo), deixa o ambiente mais chique em “Under Neon Night”. “Go” impulsiona as ideias rápidas do rapper Q-Tip, do A Tribe Called Quest, repetindo a parceria campeã de “Galvanize (2005). Beck desfila na house de “Wide Open”. Mas Born in the Echoes bate especialmente forte com a faixa-título, pulsante, hipnótica, sinuosa, com a cantora galesa Cate le Bon; e em “l'll See You There”, odisseia lisérgica que remete a “Setting Sun” (1997). É nela que os Chemical Brothers expõem sua profissão de fé: “Futuro, verei você lá”. É para onde a manada deve seguir.

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150710

Corações psicodélicos

O título acima, emprestado de um dos hits de Lobão, bem que poderia batizar o novo disco do Tame Impala em vez de Currents. A leitora interessada nas coisas do pop sabe que a banda australiana causou sensação no cenário musical com dois álbuns – Innerspeaker (2010) e Lonerism (2012) – exalando guitarras atoladas de efeitos como se o sonho não tivesse acabado na virada dos anos 60 para os 70. Daí o estupor quando as amostras deste terceiro trabalho começaram a vir à luz. Ou o barato não bateu direito ou os caras estão em outra vibe.



A impressão deixada pelo primeiro single, “Let it Happen”, foi confirmada pelas outras três faixas que precederam o disco, “Cause I'm a Man”, “Disciples” e “Eventually”. O grupo despertou do torpor lisérgico e agora repousa calmamente em uma cama de sintetizadores naquela sonoridade “artificial” da década de 80. Em entrevista ao jornal inglês The Guardian, o líder Kevin Parker revelou que a inspiração veio depois que ele e um amigo saíram de carro por Los Angeles ouvindo Bee Gees. Detalhe: com a cabeça cheinha de cogumelos.

Aliada à expansão sensorial provocada pela psicotrópico, a levada dos conterrâneos mexeu com o artista de 29 anos. Falsete igual ou até mais potente, ele já tinha. O fim do relacionamento com a cantora Melody Chambers providenciou o resto. “Sim, eu estou mais velho; sim, eu estou seguindo em frente; e se você não acha que isso é crime, pode vir junto comigo”, afina o vocalista em Yes I'm Changing. Quem topar o convite, que esteja preparada para acabar com essa inocência e o complexo de decência no meio do salão.

No páreo
Em III, o trio baiano Maglore vai cada vez mais se distanciando do estado natal, não somente no sentido geográfico. Tirando uma ou outra escorregada no sotaque ou a menção à fitinha do Bonfim logo no verso inicial da primeira música (a boa O Sol Chegou), a banda atualmente radicada em São Paulo encaixa-se naquele perfil de “estética roqueira, postura MPB” (ou vice-versa) que já desgraçou um monte de imitadores de Los Hermanos. No caso do grupo, a receita convence na música já citada, Mantra e Dança Diferente.



ZONA FRANCA ||||||| DISCOS GRÁTIS
O QUÊ Compilação Hy Brazil Vol. 7 - Fresh Electronic Music from Brazil 2015
POR QUÊ Organizada pelo idealizador do festival Novas Frequências, Chico Dub, a coletânea mapeia e apresenta 14 faixas inéditas de produtores nacionais. É sempre enriquecedor constatar que, cada vez mais, a eletrônica presta-se a fins experimentais, indo além da previsível combinação de DJ nas pick-ups, meia dúzia de remixes bombados e todo mundo fritando na pista.
ONDE miud.in/1GEN



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150703

Os melhores discos de 2015 – até agora

Com o início do segundo semestre, é hora de recapitular grandes lançamentos da primeira metade de 2015. A lista abaixo teve como base um universo de 117 discos e está disposta com os autores em ordem alfabética para manter um certo mistério sobre a relação dos melhores do ano em dezembro e, mais importante: evitar ciumeira. Sabe como é, esses artistas são supertemperamentais.

The Magic Whip, BLUR – O vocalista Damon Albarn botou toda a diversidade explorada em projetos paralelos (Gorillaz, The Good, the Bad and the Queen, Rocket Juice and the Moon) a serviço da volta da banda após 12 anos. OUÇA: Go Out, Lonesome Street, There Are Too Many of Us. (Leia a resenha completa)



Fortaleza, CIDADÃO INSTIGADO – Em seu disco mais maluco e centrado, os cearenses acertam contas com suas origens tanto geográficas quanto conceituais, como se o agreste fosse colonizado por roqueiros progressivos. OUÇA: Fortaleza, Ficção Científica, Os Viajantes. (Leia a resenha completa)



Uptown Special, MARK RONSON – O single campeão Uptown Funk (com Bruno Mars) foi só uma amostra da pegada que o produtor reservou para o seu próprio álbum, em que os melhores momentos vêm envoltos em bruma setentista. OUÇA: Daffodils, In Case of Fire, Leaving Los Feliz. (Leia a resenha completa)



All Possible Futures, MIAMI HORROR – Todos os futuros possíveis imaginados pelo quarteto australiano passam por climas espaciais, guitarrinhas funky e batidas funky vindas diretamente de alguma pista dos anos 80. OUÇA: Love Like Mine, Wild Motion, Out of Sight. (Leia a resenha completa)



The Waterfall, MY MORNING JACKET – A sonoridade da América profunda e empoeirada que inspira o quinteto do Kentucky aparece em baladas lancinantes, com os falsetes do líder Jim James estraçalhando corações. OUÇA: Only Memories Remains, Thin Line, Spring (Among the Living). (Leia a resenha completa)



Chasing Yesterday, NOEL GALLAGHER’S HIGH FLYING BIRDS – Quando ninguém dava mais nada por ele, o ex-Oasis expõe a categoria habitual no britpop do qual é um dos artífices, além de parir baladas absurdamente cativantes. OUÇA: Riverman, In the Heat of the Moment, Ballad of the Mighty I. (Leia a resenha completa)



Bush, SNOOP DOGG – O cachorrão deixou de lado a fanfarronice dos últimos trabalhos e, com a ajuda do infalível Pharell Willians, desovou uma coleção de grooves que lembram como o rap tem que ser, antes de tudo, divertido. OUÇA: California Roll, Peaches n Cream, This City. (Leia a resenha completa)



Are You Satisfied?, SLAVES – A resposta para a pergunta do título é sim, se o negócio for se descabelar com rock básico, descerebrado e esporrento que só dois moleques de vinte e poucos anos são capazes de cometer. OUÇA: Cheer Up London, Hey, Sockets. (Leia a resenha completa)



What for, TORO Y MOI – Identificado pelo rótulo chillwave, no quarto disco o americano Chaz Bundick respira ares mais solares, vendo o futuro pelo retrovisor com uma abordagem nostálgica e orgânica do pop. OUÇA: Empty Nesters, Lilly, The Flight. (Leia a resenha completa)



Dancê, TULIPA RUIZ – Entre se refestelar na MPB ou se arriscar por outras paragens, a cantora preferiu a segunda opção e fez um disco “para ouvir com o corpo”, em que solta a voz para sempre com o objetivo declarado de mexer com o ouvindo. OUÇA: Física, Tafetá, Virou. (Leia a resenha completa)



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)