20170328

Jesus volta e renova a fé na combinação barulho e melodia

A Páscoa é só no próximo dia 16, mas Jesus já ressuscitou. Pelo menos o Jesus and Mary Chain, que está de volta com Damage and Joy. É o tipo de retorno que rende textão – sobre a importância histórica, o legado, o espaço que a banda almeja ocupar no cenário atual. Como ninguém vai ler, basta dizer que fazia 19 anos que os irmãos Jim e William Reid não lançavam trabalho inédito. Na época, eles finalizaram Munki cantando que odiavam o rock’n’roll. No novo disco, terminam dizendo que não se pode pará-lo.



A mudança de opinião dos temperamentais escoceses funciona como parâmetro do que esperar de Damage and Joy. Nem parece que seus autores começaram lá na década de 1980, de tanto frescor que o álbum exala. A combinação afiada de barulho e melodia que arrebanhou fiéis com o seminal Psychocandy (1985) foi preservada. No entanto, como que por intervenção divina, a vocação para a deprê deu lugar a uma euforia adolescente, manifestada logo na abertura com o corinho faceiro de “Amputation”.



O clima continua bom com as grudentas “All Things Pass”, pop até o talo, e “Always Sad”, adoçada pelos vocais da parceira de William, Bernadette Dennin. Ela não é única voz delicada a contrastar com as paredes de guitarras. Isobel Campbell (do Belle & Sebastian) se derrete em “The Two of Us” e “Song for a Secret”, enquanto Sky Ferreira parte corações em “Black and Blues”. Demorou, mas os manos aprenderam o que Vinícius de Moraes sabia desde 1967: é melhor ser alegre do que ser triste.

Talento confirmado 

Pegue o EP dos Noahs, Rise, e mostre para aquele seu amigo indie que paga pau para qualquer bandeca indie folk vinda dos cafundós dos Estados Unidos. Não conte a origem do quarteto, qual a idade dos integrantes, o que já fizeram, nenhuma informação. Apenas bote para rolar. Quando ele estiver totalmente envolvido por “Talk to Me”, de olhinhos apertados com “Colours” ou listando as influências de ‘Suddenly”, comente como quem não quer nada: os rapazes vêm de Florianópolis, estrearam em 2014 com Cedar & Fire e estão cada vez melhores. Em seguida, convide o chapa para o show de lançamento do disco em casa, dia 1º, no Teatro Álvaro de Carvalho (TAC). Não esqueça de avisá-lo para levar o babador.



(coluna publicada hoje no
Diário Catarinense)

20170321

Um disco, 17 bandas, alguma diversão e pouca originalidade

Um bar durar 15 anos surpreende muita gente. Um bar em Florianópolis durar 15 anos surpreende muito mais. Um bar dedicado ao rock em Florianópolis durar 15 anos surpreende surpreende muito mais. Agora, surpreendentemente mesmo é uma estabelecimento voltado a um gênero musical desprezado em uma cidade que prefere sertanejo e eletrônica se manter por tanto tempo e ainda por cima bancar um cedezinho com talentos locais. As surpresas, porém, param no momento em que a coletânea Rock Pub começa a rolar.



A compilação patrocinada pelo Chopp do Gus em 2016 reúne, como é compreensível, 17 nomes com lugar cativo – na prática e/ou no conceito – entre as atrações contratadas pela casa. Ou seja, que partem do estilo formatado pelo recém-falecido Chuck Berry em uma linha evolutiva até chegar aos Rolling Stones, desembocando em Barão Vermelho, TNT e congêneres. Salvo exceções como Skrotes (“Mared Marofa”), não é preciso ser versado em rock para detectar as fontes de Dr. Jorge & Mr. Seben (“Colírios”), The Liras Project (“Baby Você”) ou Ruca (“Marte”).



Quando passam desse ponto, os artistas escalados atingem no máximo o stoner rock, representado pelo KATTS em “Surfing All Around”. Antes de achar demérito nisso, há que se reconhecer a proposta tanto dos participantes do disco quanto do mecenas: a diversão vem na frente de qualquer aspecto novidadeiro que possam oferecer. A própria comemoração do aniversário do Chopp do Gus segue essa linha. Estão programados shows de Metallica, Ramones, Guns‘n Roses, Green Day e outros campeões de audiência. Tudo cover.

Tal banda, tal projeto
As carreiras solo de Julian Casablancas e Albert Hammond Jr. não decolaram. O CRX de Nick Valensi foi pouco ouvido. O Little Joy de Fabrizio Moretti está em estado de animação suspensa. Dos projetos paralelos dos integrantes do Strokes, arrisca o Summer Moon, do baixista Nick Fraiture, ser o mais bem-recebido pelos fãs. Pelo simples fato de a estreia do quarteto, With You Tonight, soar como um disco que a banda-matriz poderia ter feito. Aquele rock nova-iorquino sujinho e dançante, com as influências, timbres e efeitos certos para impressionar indies em geral, dá as caras em “Happenin’”, “Cleopatra”, “Girls on Bikes” e na faixa-título.




 ANÇAMENT
OS



Tennis, Yours Conditionally – O quarto álbum da dupla americana se afasta das pistas acenando com um pop doce e ensolarado. A suavizada valoriza as melodias entoadas pela vocalista Alaina Moore em “My Emotions Are Blinding” ou “Ladies Don’t Play Guitar”, duas das mais brandas amostras de um disco enternecedor.



Lary, Salto 15 – O reclame do EP de estreia da cantora carioca fala em “funk misturado com um pop contagiante” e em “essência e poder de uma voz marcante digna de diva”. Com 20 dias no ar, informa, o clipe da faixa-título conquistou 430 mil visualizações. E você pensando se tratar de mais uma dessas figuras que despontam para o anonimato. Vamos ver até onde chega.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20170307

E o Oscar de canção original vai para... Não, pera

Ainda bem que o lance do Oscar é cinema. Porque se fosse música, pelamor. Salvo as exceções que só confirmam a regra, geralmente as vencedoras das categorias trilha sonora original e canção original caem no esquecimento antes mesmo de acabar a cerimônia de premiação. Quem ganhou neste ano, você se lembra? La La Land em uma, “City of Stars” (do mesmo filme) em outra. O dueto de Ryan Gosling e Emma Stone é bonitinho e tal, mas talvez não sobreviva longe da trama à qual pertence, ao contrário de músicas ouvidas nos demais concorrentes.



Risco que o tema de Trolls, por exemplo, não corre. Ninguém precisa ver a animação da Dreamworks para se animar com “Can’t Stop the Feeling”, mais uma amostra da fábrica de hits de Justin Timberlake. O xis da questão está na palavra “original”, condição que exclui da corrida pela estatueta do homenzinho dourado faixas produzidas para fins que não embalar as histórias levadas à telona. O critério impede que clássicos do quilate de “Like a Rolling Stone” (de Bob Dylan), usada em Passageiros, sonhem com o troféu – apenas a trilha do drama, inédita, competia.



Tudo isso para dizer que, tirando a originalidade imposta pelo regulamento, Moonlight seria um forte concorrente também em canção. Pelas suas quase duas horas desfilam petardos identificados com a negritude de todas as épocas. Do baú, vêm o soul de “Every Nigger is a Star” e “One Step Ahead”, defendidas por Boris Gardner e Aretha Franklin. Da safra mais contemporânea, há o R&B de Erykah Badu (“Tyrone”) e o rap de Goodie Mob (“Cell Therapy”) e Prez P (“Play that Funk”). Não se envergonhe, porém, se sair do multiplex cantarolando “Cucurrucucu Paloma”. A interpretação de Caetano Veloso martela até hoje na cabeça dos jurados da academia.



Suave na gravidade
Ninguém fez melhor a conexão entre ritmos jamaicanos e eletrônica do que o Dreadzone. Em mais de 20 anos na ativa, os ingleses sempre engordaram reggae, dub e dancehall com beats e breaks. O recém-lançado Dread Times não apenas mantém os ingredientes dosados na medida certa, como ressalta qualidades específicas de cada um. A combinação permeia todo o disco, com destaque para as batidas que invadem “Battle”, “Escape”, “Rootsman” e “Keep it Blazing”. É brisa para todos os climas.




 ANÇAMENT
OS



The Brian Jonestown MassacreDon’t Get Lost – Além de um dos nomes mais legais da atualidade – junção do ex-stone morto em 1969 com o suicídio coletivo promovido pelo fanático religioso Jim Jones na Guaiana em 1980 –, a banda californiana tem a manha de explorar o lado menos ensolarado da psicodelia. Bad trips das boas saúdam o incauto viajante em “Groove Is in the Heart”, “Melodys Actual Echo Chamber” ou “Open Minds Now Close”.



Father John Misty, Pure Comedy – O cara é superelogiado, herói indie e o escambau. Aí você vai escutar o disco novo do figura e não acredita, pensa que seus ouvidos estão lhe pregando uma peça. Na falta de uma referência mais cool, acha parecido com Elton John (?!). Beleza, mas permanece um mistério o porquê de tanto frisson.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)