20180411

Nada disso seria possível se não fosse o Balão Mágico

Faltava um artista que unisse todas as tribos como o Norvana (a/c Dinho Ouro Preto). Não falta mais: a volta d’A Turma do Balão Mágico conseguiu a façanha de colocar no mesmo lado coxinhas e mortadelas, magistrados e legalistas, heteronormativos e transexuais. A ampla coalizão formada para avacalhar com a tentativa de três quarentões cantarem músicas infantis sem cair no ridículo só não encontra respaldo maior aqui porque o retorno do grupo é o tipo de notícia que mexe demais com a memória afetiva.

(Spoiler: vem aí mais um papo furado em primeira pessoa.)

Pela manhã, eu me defendia como diagramador na revista da Associação Brasileira do Cavalo Quarto de Milha. À tarde, como editor de música na revista General. Os dois empregos eram inspiradores e pagavam o aluguel, mas não representavam exatamente o que havia me levado a trocar Florianópolis por São Paulo naquele ano de 1995: a busca pelo suposto Glamour do Jornalismo. Traduzindo, a vontade de trabalhar em um grande veículo impresso, que eu não precisasse explicar o que era, onde circulava e qual a tiragem.

Então Simony apareceu. Em nova tentativa de reviver os dias de glória, ela anunciou que lançaria um disco solo. Como eu fazia parte da “imprensa musical”, recebi o convite da assessoria da gravadora para entrevistá-la. Na mesma semana, calhou de outra gravadora (bons tempos) pagar passagem aérea (ótimos tempos) para jornalistas assistirem a um show dos Mamonas Assassinas em Curitiba (tempos estranhos). No voo, encontrei Ricardo Alexandre, de O Estado de S. Paulo. Azar o dele.

O avião ainda rodava pela pista de Congonhas e eu já estava sugerindo um frila para o Estadão com a Simony. Ricardo alegou que, se fosse para falar com ela, ele próprio faria isso. Fui persistente – ou xarope, dependendo do ponto de vista: e se a gente (cumplicidade é tudo) fizesse uma bela reportagem com o que aconteceu com aquelas crianças que encantaram o país na década de 1980. Negócio fechado. Ricardo ficaria com Simony e Jairzinho, eu com Mike e Tobi (vejo que agora o “i” do apelido sumiu, deve ser numerologia).

O problema era que eu não fazia a menor ideia de como iria achá-los. Liguei para a assessora topando a entrevista oferecida com Simony, talvez ela mantivesse contato com eles. Conversamos quase duas horas sobre o repertório do disco e os planos para a carreira. Tudo enrolação. Meu único interesse era, entre perguntas protocolares, descobrir se ela tinha o telefone de seus ex-colegas de Balão Mágico. O “sim” me deixou mais excitado do que sua transformação em mulher, exibida pela Playboy no ano anterior.

Mike estava trabalhando com produção musical e superdisposto. Com Tobi, foi o oposto. Disse que não era a fim de falar, que era tímido, que sei lá o quê. “Meu chapa, sou repórter, vim de Santa Catarina e preciso te entrevistar. É minha chance de publicar em um grande jornal, estou na correria que nem tu”, apelei. Funcionou. No dia seguinte, lá estava eu na casa de classe média em que ele morava com os pais (ou só com a mãe, não lembro e o acervo do Estadão é fechado a não assinantes) no ABC paulista.

Antes tão reticente, Tobi abriu o coração. Contou que se chamava Vimerson, estava cursando Jornalismo e planejava trabalhar com rádio e TV. Que compunha e sonhava em voltar ao meio artístico assim que o tratamento contra as perebas do rosto desse resultado. Cercado por discos de ouro (do Balão Mágico) pendurados na parede, pegou o violão e me mostrou suas músicas. Gostei mais do café com bolo servido por sua amável mãe. Saí de lá com uma boa história, louco para ver meu nome em um dos maiores e mais respeitados diários do país.

Quando vi a matéria publicada, levei um choque. A editora havia colocado o título “Tobi promete voltar quando acabar com as espinhas”. A mãe dele ligou para o jornal atrás de mim. Deram o telefone da revista onde eu trabalhava. “Ligação para você, é uma senhora dizendo que é mãe de um tal de Vimerson”, avisou a recepcionista. Putz! Respirei fundo e fui enfrentá-la, já imaginando tomar uma mijada – e pronto para explicar que eu não tinha nada a ver com aquela sacanagem.

Para minha surpresa, ela só queria agradecer. Alguém de uma emissora de televisão vira a reportagem e chamou Vimerson para um estágio. Aí eu desabafei. Confessei que esperava um esporro dela pela sacanagem feita com o Tobi, que a gente capricha para escrever uma matéria e vem uma editora e estraga tudo e que jornalista é tudo mau-caráter mesmo. A mulher riu do meu desespero. “Não liga, meu filho. Deus escreve certo por linhas tortas”, despediu-se. Meses depois, eu seria contratado pelo Estadão, dando início a uma trajetória de conquistas que minha modéstia impressionante me impede de listar.

(coluna publicada ontem no Diário Catarinense)