Não há nada acontecendo. As instituições estão funcionando. Está tudo normal. Entendido, ponto, parágrafo. Depois de dias de comoção instantânea e derrota anunciada em Porto Alegre, voltamos para mais uma sessão de alienação-cidadã. É deste recôndito onde a esperança foi trocada pela resistência que surge a pergunta inadiável:
O que leva você a clicar em uma coluna de música?
(A) O título
(B) Um artista que você conhece e gosta
(C) Um artista que você não conhece
(D) O colunista
(E) Nada, você chegou aqui por engano
Se entre suas respostas está a alternativa C, parabéns. É você que fomenta o novo ou, no mínimo, tem personalidade, curiosidade e, principalmente, senso crítico para não limitar seu menu sônico a recomendações feitas por algum algoritmo que jamais se emocionou com um acorde, um refrão, um verso qualquer.
Todo esse trelelê é para dizer que urge descobrir Curtis Harding. Não, não se martirize por (também) nunca ter ouvido falar do dito cujo. Quase ninguém ouviu, mesmo com a edição americana da revista coxinha Rolling Stone tê-lo saudado como “artista que você precisa conhecer” após se encantar com a estreia, Soul Power (2014).
Então: é dele o melhor disco do ano passado que você não ouviu, Face Your Fear. A página de Harding no Bandcamp informa que o álbum reflete as muitas “vidas musicais” pelas quais o autor passou. Quando criança acompanhava a mãe, cantora gospel, em turnês pelo estado de Michigan (EUA). Crescido, foi tentar a sorte em Atlanta e acabou gravando vocais de apoio para o Outkast e para Cee-Lo Green.
Até resolver mudar e fazer tudo o que queria fazer. Podia ser abrir um food truck, virar motorista de Uber, especular com bitcoin. Para sorte do mundo, foi soltar o falsete liberal em um punhado de canções em que o soul ora se apresenta como ritos de acasalamento, ora como pequenos libelos psicodélicos – duas saídas altamente passíveis (e não excludentes) em tempos tão disparatados.
A faixa-título e “Need My Baby” já deram o ar da graça aqui entre as 70 músicas que farão 2017 ser lembrado por situações mais agradáveis do que o 7 a 1 nosso de cada dia. Questão de preferência, porque “Welcome to My World”, “Ghost of You” e “As I Am” não ficam atrás quando tudo o que se precisa é de uma voz que diga para se manter numa boa e não desistir. Mesmo naquelas horas em que o medo parece imbatível.
A trilha sonora adotada pelos movimentos aliados ao líder sobranceiro das intenções de voto para a presidência da República (significa?) requer uma repaginada o quanto antes – sob risco de não conquistar corações & mentes e ainda provocar uma desmobilização danada. No Acampamento pela Democracia montado na capital gaúcha, os alto-falantes foram dominados por “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores” e “Que País é Este?”, mais enfadonhas do que desembargador falando o que já era esperado. Cônscia do seu dever, esta coluna toma a liberdade de sugerir novos hinos (pinçados de várias fases do cancioneiro nacional, para espelhar a diversidade geracional da militância) à revolução na playlist abaixo.
(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)
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