Em 2002, em plena turnê de divulgação do disco A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana, Nando Reis deixou os Titãs depois de 20 anos e 11 álbuns. Alegou “incompatibilidade de pensamento em relação ao futuro da preparação” do próximo trabalho do grupo e que, por razões pessoais, não poderia oferecer a total dedicação que a empreitada exigiria. Não era desculpa: as mesmas “honestidade e consideração” usadas como argumento para nortear sua decisão são cultivadas com desvelo em uma carreira solo que desemboca no oitavo lançamento com Jardim-Pomar.
O título saiu de um livro de Murilo Mendes (1901-1975), A Idade do Serrote. No original do escritor mineiro, o jardim da casa paterna se confunde com o paraíso bíblico. Na concepção do músico, é um lugar onde Deus, a criação, a experiência, o amor, a morte, o passado e o futuro convivem em 13 canções. Ou, como ensina a terceira faixa, “Inimitável”, “se vamos todos morrer, então vamos tratar de viver”. Daí em diante, o disco, que vinha em compasso mais roqueiro, adota o tom baladeiro (nada a ver com festas, pliz) habitual de Nando Reis, seja como compositor de hits gravados por Cassia Eller, Jota Quest e quejandos, seja como cantautor.
Produzido entre São Paulo e Seattle pelos mesmos Jack Endino e Barrett Martin de parcerias anteriores, Jardim-Pomar mostra-se terreno fértil para o folk popular brasileiro de “4 de Março”, “Só Posso Dizer” e “Como Somos” (a única que divide os créditos com Samuel Rosa, do Skank). Nessa linha, a cadência e os timbres de “Pra Onde Foi?” remetem até a Noel Gallagher – talvez porque, como o ex-Oasis em alguns momentos, Nando Reis serve o equivalente sonoro à comfort food: pratos simples e saborosos, que sempre trazem boas lembranças.
Justiça para todos
O grande desafio do Justice para o terceiro álbum era não sucumbir à maldição do hit “D.A.N.C.E.”. A faixa catapultou a dupla francesa para as paradas espertas em 2007 e se tornou a baliza do seu trabalho desde então. No recém-lançado Woman, Gaspard Augé e Xavier conseguem atingir esse objetivo com mais eficácia do que em Audio, Video, Disco (2011), privilegiando a atmosfera da disco music ao bate-estaca eletrônico. A festa não para em faixas como “Safe and Sound”, “Alakazam!” ou “Fire”. Nem que, para isso, os gauleses tenham que olhar no retrovisor para continuar seguindo adiante – um detalhe irrelevante diante da ferveção na pista.
L ANÇAMENTOS
Cerrone, Red Lips – Conhecido pelo sucesso Supernature (1977), o veterano produtor voltou à ordem do dia depois das colaborações com o Daft Punk. Lendas do quilate de Nile Rodgers (do Chic) e o baterista nigeriano Tony Allen somam-se a representantes de gerações mais novas como o cantor de soul Aloe Blacc e Alexis Taylor (do Hot Chip) para saudar toda a sua maestria neste disco.
Jonnata Doll e os Garotos Solventes, Crocodilo – Terceiro disco do combo cearense que, qual um Stooges do sertão, celebra sexo, drogas & rock’n’roll com uma sonoridade crua e agreste. A exceção são os sintetizadores de “Táxi”, ainda assim usados mais para realçar o discurso punk do que para suavizar a vida louca.
(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)
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