20210813

Santa Catarina é (também) o Brasil de Mafra



O catarinense não tem um dia de paz. A fedentina das biografias decompostas no sábado ainda empesteava a paisagem quando saiu o resultado da votação da PEC do voto impresso: 14* dos 16** deputados federais do estado disseram sim à palhaçada. Significa que, se dependesse da bancada de Santa Catarina na Câmara, a proposta seria aprovada com 87,5%, superando com folga os 60% necessários.

Mas nem tudo é retrocesso no estado alinhado até a alma com discussões delirantes, esdrúxulas, anacrônicas & contraproducentes. Existe outra Santa Catarina, esperta, contemporânea e potente. Que sofre, esperneia, chora; tenta, erra, teima; acredita, cria, sonha. Sobretudo, que resiste. Essa Santa Catarina se expressa no providencial single Brasil, recém-lançado por Mafra. É a música do – seu, meu, nosso – momento.

Como a quantidade de ouvidos que acompanha o pop catarinense é inversamente proporcional ao talento que dela abunda, cabem algumas informações sobre autor e obra. Paraense radicado em Florianópolis desde 1992, Jean Mafra está no corre da arte faz tempo. Antes de se aventurar apenas com o sobrenome, contou umas histórias, viveu outras com a banda Samambaia Sound Club. Nunca deixou de cantar.

Brasil integra o primeiro disco assinado apenas com seu sobrenome, Ainda, a sair em novembro. É um sambinha torto, sufocado, quase constrangido por sugerir alguma graça enquanto se debate sob versos inconvenientes, defendidos também por Juliana D Passos, Bárbara Damásio, Alex Sant’anna e Michelle Mendez (da banda Mandale Mecha, outra boa notícia de Santa Catarina que você conheceria se lesse o Rifferama).

No clipe, a miséria diagnosticada pela letra é ilustrada por um inventário que nos define como nação. Desmatamento, tricampeonato mundial na copa de 1970, Médici, campanha pelas Diretas Já, praias, rebeliões, repressão policial, fé, parada militar, crianças negras dançando, fuscas, blocos afro, Figueiredo, enterro de Tancredo, Geisel, AI-5 no jornal e protestos: tudo tão verde e amarelo quanto o parangolé vermelho sustentado pelo cantor.

De contraste em contraste, emergem luta e esperança. A mesma terra que se vangloria de seu sistema de castas, das réplicas da Estátua da Liberdade e dos prédios mais altos do hemisfério sul é capaz de gerar um artista desses. A Santa Catarina redimida por Mafra em Brasil me representa.

*Seriam 15, não fosse a trapalhada de uma parlamentar – que prontamente foi às redes culpar o sistema e reafirmar sua crença na cloroquina auditável.

**Adivinhe de que partido é o único deputado a votar contra.

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