Da revolta, nasceu um manifesto para unificar a selva em torno de um "projeto de política de Estado que absorva as manifestações culturais incompreendidas pelo consumidor". Lançado o mote, as hienas da organização começaram a agir. Em uma clareira abandonada, montaram a sede do movimento – um reduto para abrigar shows, oficinas, debates e coleta de assinaturas em prol da causa. A programação, "democrática, sem repetição de atrações ou predomínio de uma expressão apenas", estaria garantida pela vastidão de talentos injustiçados pela lógica fria do mercado.
Para a inauguração, convidaram a Raposa. O auditório silvestre lotou para ouvir a ex-produtora e ex-diretora de estatal que largou tudo para criar uma ONG dedicada à preservação dos direitos autorais esmiuçar como as coisas funcionam no sistema. Além do cheiro indisfarçável dos gambás (que também almejavam o sucesso), a expectativa pairava no ar. "Mais do que acreditar, é preciso estar preparado", começou a palestrante. E, sentindo a responsabilidade invadir suas narinas, contou-lhes a seguinte fábula:
Certa feita, o verão alongou-se demais, as chuvas não vieram e a seca tomou conta da floresta. Desesperados, bichos de todas as espécies resolveram invocar o Criador com uma trezena. Todo final de tarde, reuniam-se para rezar. No 13º e último dia, trovões interromperam o clamor das orações. Chovia. Muito. Tanto que eles não conseguiam voltar para casa, impedidos pelo temporal. Então uma galinha, já avançada em anos, roupa escura denunciando a viuvez, pegou o seu guarda-chuva e retornou ao lar. Só ela trouxera sua sombrinha.
Triunfante, a raposa encarou a audiência."Quem é a galinha aqui?", perguntou. Aqueles que entenderam a metáfora ficaram perplexos. A maioria estava ali para reivindicar mais espaço, mais verba e mais boa vontade para a sua arte – para sempre. Não havia nenhum projeto para um futuro autossuficiente. Poucos botavam fé na capacidade de se sustentar sem amparo. Excluída a hipótese do repasse de dinheiro público, o movimento não parava em pé.
O choque foi demais para os animais, que imediatamente deixaram de falar e assumiram sua condição irracional. Por causa disso, até hoje têm dificuldade de conceber outras maneiras – sem edital, sem indicação, sem favor – de salvar a floresta.
(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)
Um comentário:
Gasperin,
Tu mata a pau. Não pare jamais.
Abraço,
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