20160119

Com rigor não há misericórdia

Nos últimos anos, Lobão só foi notícia por conta de suas posições políticas. Os poucos singles que gravou reforçavam a obsessão com o tema, rebatendo alguma crítica aqui, provocando algum desafeto ali. No apagar das luzes de 2015, o artista enfim lançou um álbum de inéditas, algo que não fazia desde 2005. Como é de praxe em tudo o que o envolve, O Rigor e a Misericórdia foi precedido de toda uma retórica promocional. “Meu primeiro disco sem maneirismo algum, sem procurar nada externo, sem medo de ir buscar nas minhas profundezas a minha verdadeira essência”, escreveu sobre o processo solitário de criação e gravação.



Na campanha de financiamento coletivo na internet para viabilizar o trabalho, Lobão anunciou que seria sua resposta aos artistas que duvidam de sua capacidade e de sua indignação, “uma prova categórica de pertencimento a este país, sua história e sua cultura”. Uma das recompensas a quem contribuísse com no mínimo R$ 20 era o convite para um grupo fechado em uma rede social formado por “pessoas renomadas falando sobre política, música e o momento que o Brasil vive”. O nome surgiu de um ensaio do filósofo Olavo de Carvalho, um dos neoamigos cultivados em sua guinada à direita.

Mesmo assim, Lobão quer que seu 17º trabalho seja avaliado pela música, não pela postura ideológica. De fato, apenas duas faixas – “A Marcha dos Infames” e “A Posse dos Impostores” – atacam diretamente o governo. As demais filosofam sobre a morte (do pai em “Ação Fantasmagórica”; da cunhada em “A Esperança É a Praia de um Outro Mar”), a vida, o universo e tudo o mais. A rigor, é um disco que revisita sonoridades da década de 1970 e as traduz de um jeito muito peculiar. Tendo misericórdia, o melhor que se pode dizer é que, com seu histrionismo, Lobão lembra um Rogério Skylab sem senso de humor.



3 discos que você não ouviu em 2015

Astronauts, etc., Mind Out Wandering
| Como o patrão Toro Y Moi, em seu projeto solo o tecladista Anthony Ferraro apresenta cadências e timbres influenciados pelo soft rock e soul branco setentista – pense em Steely Dan ou, para citar um colega contemporâneo, Mayer Hawthorne. Embarque na espaçonave com “I Know”, “Shake It Loose”ou “If I Run”.



Frevotron | DJ Dolores, Maestro Spok e Yuri Queiroga encaram o desafio de trazer o ritmo de seu Pernambuco natal – o centenário frevo – para a atualidade. Para ajudá-los na missão, convocam Otto, Jorge do Peixe, Lira e MC sombra, entre outros. Nem sempre dá resultado, mas quando funciona é uma beleza. Disponível para download gratuito aqui.



Frabin, Real | Em paralelo ao Rascal Experience (uma das boas novidades da cena catarinense), o guitarrista e vocalista Victor Fari investe em um indie pop caprichado, no qual há lugar até para duas canções em português, “Em Vão” e “Desabrigo”. Embora peque por uma certa falta de originalidade, isso é a última coisa que incomoda os fãs do estilo.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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