Três dias para o Natal e eu ainda remando. Informalmente, o que é mais despropositado. Pensei que a essa altura eu já teria me livrado de tudo e recebido algum. Um dia eu acerto: me livrei de algum e recebi nada. Donde cá estou, procrastinando e andando, empenhado em contar alguma história edificante no nosso último encontro antes de 25 de dezembro. Está tudo na cabeça, é só deixar rolar.
Começaria com um pai de família na expectativa de um Natal magro. Não que os anteriores tivessem sido gordos, mas ele sempre dava um jeito. Bem ou mal, em dezembro todo mundo ganhava e gastava mais. Neste, não. O que apareceu não deu nem para quitar os boletos, que dirá comprar presentes. A mulher entenderia. O filho de cinco anos é que lhe atormentava: não queria frustrar o sonho infantil.
Cada vez que via o moleque procurando por alguma caixa, algum embrulho em volta da arvorezinha montada no canto da sala, morria por dentro. “Calma, que o Papai Noel ainda está passando em outras casas”, dizia para enganar a criança e convencer a si mesmo que era verdade. Na manhã da véspera de Natal, saiu decidido a só voltar com alguma coisa para o menino. Tinha R$ 12 reais e um cartão de crédito estourado no bolso.
Estava tão confiante que gastou R$ 4,50 na Mega da Virada, deu R$ 5 para um mendigo e com os R$ 2,50 que sobraram comprou um Halls para disfarçar o mau hálito do jejum. Liso, leve e solto, falaria ao filho que o Papai Noel viria só na outra semana porque não estava conseguindo carregar a presentada que trazia para ele. Se não acertasse os seis números, o que era bem provável, pelo menos teria mais um tempo para inventar uma desculpa melhor.
Quase na esquina de casa, ganha a companhia de um vira-lata. É inútil enxotar o bicho, que o segue até a porta. Aí ele vê a luz. “Este é o Juvenal, nosso novo amiguinho”, apresenta o cão à família. O guri pira. A mãe chora com um olho pela felicidade do menino e com o outro pelo tapete. O cachorro é alisado, come ossinhos da gran ave servida na ceia, corre com um chinelo na boca.
De repente, o pai dá pela falta do canhoto da lotérica. Abre a porta para ver se caiu do bolso quando ele pegou o último drops, ao chegar. No que ouve o barulho da chave, o cão sai em disparada. Na corrida, pisa no comprovante de aposta e o leva grudado em sua pata. Não deu nem tempo de o ônibus frear, só restou uma massa disforme de carne, ossos, pelo, vísceras e sangue esparramada pelo asfalto. Foram os cinco segundos mais felizes da vida de Juvenal.
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