20220921

Atendemos todos os convênios



Hoje estou determinado a escrever nada com nada. Sinto que serei bem-sucedido: mal cheguei à segunda frase e já estou enrolando. Poderia destravar isso expondo minha vertiginosa gangorra emocional, se interessasse a mais alguém além de mim. [Suspiro.] Mas, ei, posso falar da vida de outras pessoas – mais especificamente, da de mulheres com quem, sem planejar e muito menos esperar, consegui estabelecer uma relação quase telepática, pela qual agradeço todos os dias. Beijo, chicas!

Com elas, eu me desarmo e me mostro por inteiro, com meus defeitos, minhas fraquezas e meus medos, totalmente diferente da autoimagem que cultivo para consumo externo. Elas me dão colinho e passam a mão na minha cabeça e me falam o que, saído de outras bocas, me deixaria muito machucado porque são coisas que eu não gostaria de ouvir. Dito por elas, porém, ajuda a desconstruir o machinho estrutural que nunca reconheci que sou. Não conheço terapia melhor.

E elas também se abrem comigo. Sobre seus rompantes, seus desejos, suas frustrações. Não que eu tenha algo a ensiná-las, longe disso. Acho que veem em mim um cara com uma certa, er, experiência, embora eu seja um mero aprendiz nas artimanhas do coração. Talvez seja por isso mesmo: elas me ouvem para saber o que não devem fazer. Exceto um ou outro acerto involuntário, mais por coincidência do que pela minha suposta expertise, o contrário do que lhes digo é o que tem que ser feito.

Dia desses uma delas me procurou para falar do namorado. Reclamou que ele parecia reagir com indiferença aos planos que ela imaginava para os dois. Sugeri que, às vezes, a indiferença masculina é orgânica, um comportamento que a gente nem percebe que fere de tão instintivo que se apresenta. Insisti para ela conversar com ele a respeito, para que se o rompimento fosse inevitável não ficasse com a impressão de que uma palavra, um gesto, um afago mudaria o desfecho.

Outra me chamou para contar que estava saindo com um bonitão casado e queria minha opinião. Lembrei das aulas de geometria e lhe recomendei a identificar se esse triângulo era equilátero, isósceles ou escaleno. Ela boiou. Expliquei que, antes de tudo, ela tinha que descobrir o tamanho das vértices: se as três eram iguais, se duas eram iguais e uma diferente ou se todas eram diferentes. Ela me mandou um coraçãozinho e uma cara chorando de rir.

A primeira levou um papo reto com o namorado, ele saiu correndo e voltou no dia seguinte implorando para ela perdoar sua imaturidade.

A segunda dispensou o bonitão casado, encontrou outro (ignoro seu estado civil) e está apaixonadíssima.

As duas me garantiram que eu já estaria rico se começasse a cobrar pela consultoria sentimental.

O que estou precisando dinheiro nenhum compra, migas.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

Nenhum comentário: