20220917

Um retrato feito de canções



O bacana de desencaixotar livros é que sempre se acha algum título que dá vontade de explorar novamente. E ler, bem sabia Nelson Rodrigues, é a arte de reler. Como 31 Canções, de Nick Hornby. Lançado no Brasil em 2005, época em que o escritor inglês estava na moda, nem passou perto do frisson causado por Alta Fidelidade (1995). Apesar de listar músicas como em seu romance de estreia, a onda aqui é outra.

Não se trata de um livro de crítica musical ou de canções prediletas. Ou não só: partindo de uma relação de músicas importantes sob uma avaliação estritamente pessoal, o autor conta como, quando e por que cada uma o afetou. Funciona, desde que se aprecie o estilo dele – muito mais, aliás, do que as canções selecionadas. Tipo disco tributo.

Para um livro pop de um cara pop com temática pop, um formato pop: quadrado do tamanho de um compacto, o suporte clássico da ideia que Hornby tem de canção. Logo na “faixa” de abertura, “Your Love Is the Place Where I Come from”, tocada pelo Teenage Fanclub no lançamento da compilação de contos infantis que organizou para a escola do filho, ele avisa que esse será um dos poucos casos de música associada a algum evento.

“A única coisa que se pode presumir de pessoas que dizem que seu disco favorito faz lembrar da lua de mel na Córsega ou do chihuahua da família é que, na verdade, elas não gostam de música”, escreve. É mentira, tchu-tchu, é mentira. No fundo, tudo está ligado a um momento específico, por mais que o texto fique rodeando para chegar lá.

Amostra disso é a música que evoca sexo para Hornby, “Samba pa Ti”, de Santana. “Ela começa devagar, misteriosa e linda, depois fica mais urgente e então... Bem, então se desvanece”, recomenda. O fato de determinada canção ser considerada sexy não significa que você vá querê-la como trilha sonora do ato. “A maioria delas, na verdade, é substituta sexual em vez de acompanhamento sexual – música para gente que não está pegando ninguém”, constata.

Com “Thunder Road”, ele compara a sua trajetória com a de Bruce Springsteen. “Essa música sabe como me sinto e o que sou”, atesta. Hornby lembra de reouvi-la recentemente e a adorado do mesmo modo que quando a descobriu, dentro de um carro, em 1975. Em poucos meses, observa, o cantor deixou de ser visto como o futuro do rock’n’roll para encarnar o atraso “sem que nada de importante houvesse mudado, a não ser seu índice de popularidade”.

E assim segue o baile, colocando no papel tiradas com as quais em nem imaginava que concordava tanto. Foi inevitável me identificar com “nunca reajo a Mozart ou Haydn como música, e sim como algo que deixa a sala diferente por um tempo, como uma vela perfumada”. “Estou pronto para perdoar as porcarias porque as melhores canções são simplesmente lindas” me tornou mais condescendente.

Se eu fizesse o meu próprio 31 Canções sincerão, entrariam “Ebony and Ivory” (Paul McCartney e Stevie Wonder), “A Vida Não Presta” (Léo Jaime) e “Outra Vez” (Roberto Carlos). Todas, de alguma forma, marcaram situações que, voltando a Nelson Rodrigues, eu não confessaria nem ao médium depois de morto. Cavalheiro que sou, prefiro manter a discrição.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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