20171024

5 lançamentos que curam, acalmam, aliviam & temperam

Às vezes bate um enfado pesado nesse negócio de “escrever de música”. Pô, o Brasil quebrando recordes de estupidez e patifaria a cada dia e o cara vem com papinho de “o disco novo do fulano é assim”, “o novo hit da beltrana é assado”? Em que planeta ele vive? Que bicho alienado! Mas as outras opções não são muito animadoras – entre alimentar a úlcera da indignação inerte ou adotar malabarismos retóricos para justificar a barbárie, faz mais sentido tentar amenizar a pressão com lançamentos sônicos que, como a erva daquela famosa canção, curam, acalmam, aliviam & temperam. A eles, então:



Beck, Colors
Conforme a lógica de alternar um disco folk com outro inclassificável, depois do plácido Morning Phase (2014) era a vez do loser mais bem-sucedido dos anos 1990 soltar um trabalho tingido pela sua concepção muito peculiar de pop. Os singles “Dreams” e “Wow” já antecipavam que o 13º álbum do californiano agradaria de primeira, apesar de alguns timbres, cadências e guinadas tipicamente não convencionais. Não fosse essa vocação para deixar tudo menos linear, potenciais hits como “I’m so Free”, “No Distraction” (que chega a lembrar o Police!) ou a faixa-título poderiam até almejar o grande público. Mas aí não seria Beck.



Cut Copy, Haiku from Zero
Os australianos militam na esfera indie-dance, o que ou garante presença tanto em playlists descolados quanto em pistas arejadas ou desagrada ambos. O quinto disco segue o formato dos anteriores: muita reverência ao tecnopop oitentista, melodias que parecem saídas de alguma coletânea de pérolas obscuras daquela década e caprichosos refrãos aderentes. Ou seja, nada que vá modificar a vida de ninguém, embora “Counting Down”, “Black Rainbows” e “Airbone” tenham boas chances de tornar o dia – e, dependendo do nível de dissipação, a noite – mais promissor.



Liam Gallagher, As You Were
Enquanto Noel brinca de abrir shows para o U2, o caçula dos Gallagher reaparece pronto para calar a boca de quem o acusava de não passar de um inútil que só não é sustentado pelo sistema de seguridade social inglês devido ao talento do irmão. Seu disco não nega o DNA, trazendo um punhado de canções naquele formato rock-para-tocar-no-rádio (“Greedy Soul”, “For What’s Worth”) que fez a fortuna do Oasis. Para viúvas da ex-banda, a distração é descobrir novas “Don’t Look Back in Anger” e “Wonderwall” no solo do antigo vocalista. A procura revela esses e outros similares aos sucessos dos torcedores do Manchester City.



Tim Bernardes, Recomeçar
A precocidade que leva um jovem, líder de uma banda elogiada, sentir necessidade de fazer um disco solo se justifica depois do verso que encerra a última canção. “A dor do fim vem para purificar”, canta o moço, antes de murmurar o verbo que batiza a música e o álbum. Aos 26 anos, Tim Bernardes sofre como se já tivesse carregado todo o peso do mundo nos ombros. Sem os companheiros d’O Terno, a visão agridoce que ele imprime à frente do trio vira melancolia, emoldurada ora por orquestrações, ora por arranjos delicados que deixam tudo mais triste e bonito. Como a esperança que emerge desta estreia.



Death from Above, Outrage! Is Now
Junto com o “1979” que limou da parte final do nome, os canadenses abandonaram qualquer pretensão modernosa. Se quando surgiu, em 2004, eles ajudaram a definir a onda dance-punk que decretava a obsolescência dos DJs, 13 anos depois o alvo é muito mais a bateção de cabeça do que o vaivém da cintura. A mudança foi benéfica: em vez de soar datada por revisitar o passado recente, a dupla se alinha a bandas revisionistas como Wolfmother e Rival Sons. As pauladas “Caught Up” e “Nomad” estão aí para mostrar que, ainda bem, o “som da pesada” não precisa ser tão derivativo nem tão literal.

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)