20141226

Feliz do ano que não foi só alegria


(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

A música do ano uniu radicais e moderados, bregas e descolados, público e crítica – todo mundo repetindo feliz o refrão de um single que saiu no final de 2013, atravessou o réveillon, foi lançado em disco e continua contagiante. Para equilibrar os níveis de euforia, nos últimos 12 meses também não faltaram canções lembrando o que poetas como Vinícius de Moraes a Wander Wildner estão cansados de saber: é melhor ser alegre do que ser triste, mas não dá para ser alegre o tempo inteiro. Se a boa música é uma forma de oração, 2014 reservou pelo menos os dez momentos cheios de graça a seguir.

10 | IT’S TOO LATE, THE EXCELSIORS
Em seu novo projeto, o inglês Shane Hunt transformou o sucesso mundial de Carole King (1971) em um soul clássico, trocando o açúcar original por veneno para apaixonados.



09 | FENCE ME IN, ERLEND ØYE
Um norueguês enfiado em um estúdio na Islândia com músicos locais. Tudo conspirava para um frio dos diabos, mas de lá saiu esta esta joinha refrescante com leve acento jamaicano.



08 | DISCO//VERY, WARPAINT
Baixo e bateria fazendo a cama para as garotas do quarteto californiano cantarem em uníssono. Ficou sexy de um jeito tão estranho e original que é impossível não pensar besteira.



07 | FIO DE PRUMO, CRIOLO
O santo baixa na cantora Juçara Marçal e fecha o novo disco do, vá lá, rapper paulistano com uma experiência quase religiosa. Quando ele então começa a rimar, os infiéis já estão convertidos.



06 | CIDADE NOVA, BANDA DO MAR
Apesar da melancolia que as viúvas de Los Hermanos adoram sentir, Marcelo Camelo não deixa o tempo parar e evoca os seus clichês – a rosa, o mar, o sereno – a serviço da redenção.



05 | MEDICINE, BROKEN BELLS
A concepção de pop da dupla formada por Danger Mouse-James Mercer (The Shins) não abre mão de psicodelia em doses discretas, usada apenas para realçar os efeitos do tarja-preta receitado.



04 | ROMEO, THIAGO PETHIT
“Baby, quando eu te vi, eu não soube dizer/ Se queria matar, se queria... meter.” Com versos assim, emoldurados por uma balada em que doçura e dureza se confundem, não há como resistir.



03 | DON’T LET IT GO, BECK
Entre as “modas de viola” que o trovador oferece no álbum Morning Phase, nenhuma provoca tantas dúvidas quanto às suas intenções. Para cima ou para baixo, conforme o humor.



02 | TURN BLUE, THE BLACK KEYS
Recém-divorciado, Dan Auerbach dividiu a situação com o ouvinte, certo de que sempre haverá algum coração pronto para se comover com falsetes extraídos da alma.



01 | HAPPY, PHARRELL WILLIAMS
Acostumado à fortuna em hits de terceiros, o produtor e compositor emplaca o maior sucesso da carreira com um apelo que não admite contestação: simples, direto e universal.

44 MÚSICAS DE 2014
11 | IS THIS HOW YOU FEEL?, THE PREATURES

44 MÚSICAS DE 2014
12 | EVERY OTHER FRECKLE, ALT-J

44 MÚSICAS DE 2014
13 | I'M WITH IT, AER

44 MÚSICAS DE 2014
14 | YOUNG TROUBLE, SINKANE

44 MÚSICAS DE 2014
15 | COME ALIVE, CHROMEO [FT TORO Y MOI]

44 MÚSICAS DE 2014
16 | MORNING, BECK

44 MÚSICAS DE 2014
17 | COMO ERA BOM, CACHORRO GRANDE

44 MÚSICAS DE 2014
18 | ARI UP, HOLLIE COOK

44 MÚSICAS DE 2014
19 | VOCÊ ME DEVE, RACIONAIS MC'S

44 MÚSICAS DE 2014
20| DEU RUIM, ADRIANO CINTRA

44 MÚSICAS DE 2014
21 | TROPICAL CHANCER, LA ROUX

44 MÚSICAS DE 2014
22 | STOPTHISTRAIN, PRINCE & 3RDEYEGIRL

20141219

Os melhores discos de 2014

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense) 

Que rufem os tambores! Eis que é chegada a hora dos melhores discos do ano. A seleção baseou-se na audição de 150 títulos de diversos estilos, da qual foram escolhidos dez tendo como critério o gosto pessoal & intransferível – o mais verdadeiro juiz. Há lançamento após a consagração da estreia, trabalho solo, projeto paralelo, álbum de carreira. Curiosamente, as quatro primeiras colocações pertenceram a artistas que começam com “B”, o que talvez guarde algum significado além das piadas óbvias provocadas pela letra. Se o seu predileto não estiver na lista, não se irrite: ele ficou em 11º.

10 | HOLLIE COOK, Twice
O pai, baterista dos Sex Pistols, ensinou a filha a evitar as más companhias. Ela seguiu o conselho e, em vez de punk, preferiu o reggae. OUÇA: “Ari Up”, “Desdemona, “Postman”.



09 | LA ROUX, Trouble in Paradise
Na busca por uma nova “In for the Kill”, descobre-se que a dupla inglesa conta com outros apelos para incrementar a pista. OUÇA: “Tropical Chancer”, “Sexoteque”, “Kiss and Not Tell”.



08 | SINKANE, Mean Love
Com influências que vão de Curtis Mayfield a Peter Tosh, o cantor sudanês conquista com soul e R&B cheios de classe e paixão. OUÇA: “Young Trouble”, “How We Be”, “Hold Tight”.



07 | THIAGO PETHIT, Rock'n'Roll Sugar Darling
Ninguém foi mais rocker neste ano do que o artista paulistano encarnando a estética (e os cacoetes) do gênero. OUÇA: “Romeo”, “Rock’n’Roll Sugar Darling”, “Perdedor”.



06 | CRIOLO, Convoque Seu Buda
Chamá-lo de rapper é simplificar demais o seu talento, diante da riqueza de estilos que reveste suas rimas. OUÇA: “Esquiva da Esgrima”, “Cartão de Visita”, “Fio de Prumo”.



05 | ERLEND ØYE, Legao
Típico gringo com a cabeça feita pela praia e pelo sol, o norueguês reverencia o Brasil com um punhado de levadas ideais para relaxar à beira-mar. OUÇA: “Fence me In”, “Garota”, “Whistler”.



04 | BANDA DO MAR, Banda do Mar
Praticamente um Tribalistas do mundo indie, com Camelo como Arnaldo, Mallu como Marisa e nenhum Brown nas imediações. OUÇA: “Cidade Nova”, “Me Sinto Ótima”, “Hey Nana”.



03 | BROKEN BELLS, After the Disco
Quando não está produzindo obras-primas alheias, Danger Mouse se junta com James Mercer (The Shins) para dignificar o pop. OUÇA: “Medicine”, “Holding On for Life”, “After the Disco”.



02 | THE BLACK KEYS, Turn Blue
Mais um disco com as digitais de Danger Mouse, que traduziu a dor do guitarrista Dan Auerbach em climões ora sujos, ora lancinantes. OUÇA: “Turn Blue”, “Fever”, “Waiting on Words”.



01 | BECK, Morning Phase
Desde Sea Change (2002) que ele não aparecia com um disco tão dilacerante e belo. Na época, a culpa era da fossa. Agora, deve ser da idade. OUÇA: “Don’t Let It Go”, “Blue Moon”, “Morning”.

20141212

O desconhecido que virou mito



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

A grande revelação da música em 2014 gravou seu último disco há 29 anos, mora na Nigéria e renega o passado. William Onyeabor era um completo desconhecido no primeiro mundo até ser descoberto por David Byrne. A exemplo do que fez com Tom Zé, Mutantes e Tim Maia, o ex-Talking Heads lançou uma coletânea – Who Is William Onyeabor? – pelo seu selo, Luaka Bop. A compilação foi um aperitivo para o prato principal: uma caixa com todos os álbuns do dito cujo. Finalmente, o Ocidente sabe o que estava perdendo.

Lenda ou verdade, a história de Onyeabor é tão fascinante quanto sua obra. Nascido no final da década de 1940 em Enugu, no sudeste nigeriano, ele começou a formação musical no piano. A guerra civil entre 1967 e 1970 o levou a deixar o país para estudar cinematografia na então União Soviética. Na volta, abriu uma produtora de filmes e gravadora, a Wilfilms. Em seguida, converteu-se ao cristianismo, largou a carreira artística e hoje é dono de um moinho de farinha, um cibercafé e um posto de gasolina.

Enquanto ainda não havia encontrado Jesus, Onyeabor cunhou música divina. De 1977 a 1985, compôs, cantou, produziu e provavelmente tocou todos os instrumentos em oito discos. Seu funk, quebrado como Parliament e épico como Fela Kuti, não tinha paralelo na época e permanece atual. Para celebrá-lo, Byrne montou a banda Atomic Bomb (nome de um dos clássicos do africano), que inclui integrantes do Hot Chip, The Rapture e LCD Soundsystem, todos fãs dessa figura que não dá entrevistas e despreza o interesse do consumidor branco. Assim se cria um mito.

Sempre encantador
O Wilco já está por aí há 20 anos com uma regularidade impressionante. Primeiro misturando rock alternativo com country, depois evoluindo a ponto de não se prender a apenas um estilo, mas nunca diminuindo a qualidade. As duas décadas de carreira da banda americana são devidamente esquadrinhadas na compilação What’s Your 20? Essential Tracks 1994-2014. Em 38 faixas extraídas de seus oito discos, o CD duplo mostra por que o líder Jeff Tweedy deveria ser mais respeitado como um dos grandes artistas de sua geração.



Abaixo a monarquia
Um rei tem súditos. Roberto Carlos precisa de um amigo – daqueles que avisam quando o desodorante vence, há um tatu no nariz ou o cofrinho está aparecendo. Só a ausência de alguém por perto com essa liberdade explica a sucessão de micos envolvendo seu nome. Da censura da biografia ao bife publicitário, o cantor tem feito de tudo para passar à posteridade como um bundão. Duetos 2 vai por aí, trazendo os sucessos de sempre acompanhados por sumidades como MC Leozinho e Claudia Leitte. Nem a tia aguenta mais.

20141205

Tempo de se conformar


(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Banda como Smashing Pumpkins, que preguiça. Com mais de 20 e menos de 30 anos, ainda não fez a curva para ser considerada clássica nem para posar de vintage. É só... velha – na acepção “a fila andou” do termo. O grupo lança o nono disco no dia 9. Já é seu quarto álbum após voltar em 2007. Fosse o primeiro desde então, daria no mesmo. Por mais que siga oferecendo músicas novas, a banda está tão fora do contexto que passa a sensação de girar em um retorno contínuo, renascendo cada vez menor. A história que se vire com Monuments to an Elegy.

O Smashing Pumpkins merece crédito pelos discos que gravou entre 1991 e 1995, Gish, Siamese Dreams e Mellon Collie and the Infinite Sadness, dignos representantes do rock alternativo daquela década. Dali em diante, o negócio descambou, com o líder Billy Corgan cristalizando-se no modo xarope. Qual um Paulo Ricardo americano, ele se aventurou solo, inventou outra banda (Zwan), cercou-se de uma formação diferente por álbum. Não há marca que resista a tanto desgaste, mas o careca dobra a aposta.

Suas fichas neste segundo capítulo da trilogia iniciada em 2012 com Oceania (e prevista para acabar em 2015 com Day for Night) são “Being Beige”, “Anaise!”, “One and All” ou “Dorian”. Nenhuma tem viço suficiente para convencer a molecada que pira com os Arctic Monkeys. Todas soam apenas razoáveis para o antigo fã, hoje um “adulto contemporâneo”. Quando muito, dão saudade da época em que o Smashing Pumpkins foi importante. Não pela banda, e sim pela juventude que o tempo engoliu.

Adoçante anti-estresse
A repórter Layse Ventura indicou Classics, do She & Him, com entusiasmo. “O disco alivia essa tensão e dureza do mundo, essa coisa cinza, cheia de fumaça”, defendeu. “Fora que o que pode ser mais fofo do que Zooey Deschanel no clipe do single ‘Why Do You Let Me Stay Here?’?” Ela tem razão: os standards de música popular americana gravadas ao vivo pela dupla com uma orquestra são ideais para deixar rolar enquanto se faz outra coisa – ou nada. Queixas contra a delicadeza, por favor, devem ser dirigidas à colega.



Monumento ao sossego
Ernest Ranglin está convidando para uma visita à Jamaica regada a jazz. Em Bless Up, como o guitarrista de 82 anos cai bem. O disco traz as influências da ilha – mento, ska, reggae, rock steady – diluídas em instrumentais que desanuviam a mente, pacificam o espírito e embalam sonhos. Só resta lhe desejar saúde para continuar lançando lufadas do naipe de “Bra Joe for Kilimanjaro”, “Follow On” e “El Mescalero”.

20141128

De bem com a vida louca



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Está embaçado sacar qual é a dos Racionais MC’s em Cores & Valores. Pela demora, parecia que eles viriam com novo Sgt. Pepper’s. Apareceram com um Chinese Democracy. Piadas maldosas à parte, a banda voltou com um disco apropriado depois de doze anos em que o hip hop, a indústria fonográfica, o mercado e os próprios integrantes mudaram demais. Só o fato de o lançamento virtual estar à venda com exclusividade na Google Play Store desde a última terça indica o quanto a situação andou. É, truta, nada como um dia após o outro dia.

Neste período, KL Jay, Edi Rock, Ice Blue e, principalmente, Mano Brown, sobreviveram bem longe do inferno. Ampliaram seu público, assistiram à consolidação de Criolo e Emicida, viram gêneros como o funk ostentação e o trap ganharem terreno, reconsideraram posturas para continuar manipulando a mídia a seu favor, subiram na vida. Não colaria muito deitarem falação apenas sobre as correrias na quebrada em ladainhas de mais de cinco minutos. Então tome 15 faixas em meia hora, ideais para uma geração que se entedia em segundos.

Vencidas as músicas com jeito de vinhetas sinistras da primeira metade de Cores & Valores, a atual realidade dos Racionais vem à tona em raps que celebram a diversão, a camaradagem e até o amor. Treta sempre haverá, como nas tensas “A Escolha Que Eu Fiz” e “A Praça”. Mas o que fica é o retrato de uma classe mais interessada em construir um futuro melhor do que em implodir o sistema, evidente no balanço de “Quanto Vale O Show”, na zoeira de “Você me Deve” ou na ironia de “Eu Compro”. Em vez de reclamar, o “negro drama” agora tira onda.

Tudo como sempre
Com 40 anos de carreira e uma montoeira de clássicos no lombo, o AC/DC não precisa lançar mais nada. Mesmo assim, persiste com o disco Rock or Bust, gravado sem o guitarrista Malcolm Young (afastado para se tratar da demência) e o baterista Phil Rudd (envolvido em acusações de planejar o assassinato de duas pessoas). Os nomes das músicas bastam para descrever o que Angus Young (guitarra), Brian Johnson (vocal), Cliff Richards (baixo) e os substitutos Steve Young e Rob Richards aprontaram no estúdio: “Got Some Rock & Roll Thunder”, “Rock The House”, “Rock The Blues Away”, além da faixa-título. Como se fosse novidade.



Ritmo funcional
Algum historiador desocupado ainda vai determinar o momento em que a música eletrônica igualou-se ao axé, ao pagode, ao sertanejo universitário e ao funk carioca em funcionalidade. A resposta passa por David Guetta. Fica até meio ridículo analisar seu novo disco, Listen, quando o público só quer saber se o negócio serve para dançar. Não esqueça de deixar o senso crítico em casa quando for assisti-lo no dia 2 de janeiro, em Florianópolis.

20141121

O barulhinho bom de Cassim & Barbária

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

As definições variam. “Mais sombrio”, arrisca o integrante recém-efetivado Manolo K (bateria). “Mais difuso”, despista Eduardo Xuxu (voz, guitarra, sintetizadores e baixo). “Com cores mais ‘desbotadas’, tons mais ‘góticos’, com aquele lado tribal”, enxerga Cassiano Fagundes (voz, violão e guitarra). “No final, acabou sendo um disco bastante curto”, atesta Gabriel Orlandi (guitarra, ruídos e vocais). Mas não importa o adjetivo utilizado: a banda nunca soou tão diferente quanto neste Cassim & Barbária III.



Gravado com recursos do Prêmio Elisabete Anderle de Incentivo à Cultura, o terceiro álbum do quarteto de Florianópolis revela melodias inesperadas para uma carreira notabilizada pelo barulho. As distorções e os andamentos tortos estão presentes, mas o que sobressai em músicas como “Dying” e “Cânion” é a delicadeza lisérgica. Tal faceta chega ao ápice em “The All American Apologies Technique”, um folk solar que enternece tanto quanto os passarinhos que cantam na instrumental “Suas Manhãs Serão Bem Melhores Agora”.

Já que a vida também é feita de som & fúria, nos 37 minutos de duração do disco a reputação anticomercial do grupo é reforçada pela agonizante “Esgar” e pelo paredão de “Laguna Schmoll”. Perto delas, “Stepanek” e “Bargeld” (homenagem a Blixa Bargeld, alemão que tocou com Nick Cave e no Einstürzende Neubauten) descem macias, sem abdicar de sua vocação “difícil”. Nenhuma vai tocar no rádio. E daí? Os caras do Cassim & Barbária não têm esse tipo de preocupação mundana. Seu compromisso é com a Arte.

Só por curiosidade
Nos últimos dez anos, o produtor Ralph Sall vem convencendo artistas de tudo quanto é estilo a gravar alguma música para o que viria a ser The Art of McCartney. O projeto chegou às lojas ontem com 42 faixas dos Beatles e dos Wings interpretadas por nomes do quilate de Bob Dylan (“Things We Said Today”) a Kiss (“Venus and Mars”/“Rock Show”), de Brian Wilson (“Wanderlust”) a The Cure (“Hello Goodbye”). Por melhores que sejam a constelação reunida e o repertório escolhido, o disco não consegue escapar da lógica perversa que acompanha qualquer tributo: interessa muito mais aos fãs de quem está homenageando do que do homenageado. Como nem uns (só gente do primeiro escalão) nem outro (gênio da raça) precisam disso, a serventia da empreitada permanece um mistério.



Burn, baby, burn
Amanhã é dia de Santa Cecília, padroeira da música. Para marcar a efeméride, hoje se “comemora” o Dia sem Música. A data foi criada pelo escocês Bill Drummond em 2005 para protestar contra a banalização do mundo musical. Parece coisa de maluco – e é: em 1994, ele botou fogo em 1 milhão de libras ganho com os sucessos de seu grupo, o KLF (“What Time Is Love?”, “Last Train to Transcentral”, “3am Eternal”). Assista à queima e reflita sobre o que você anda ouvindo.

20141114

O rock como ele deveria ser



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Em tempos de roqueiros reacionários promovendo sua concepção estúpida de mundo, nada mais salutar do que o recém-lançado disco de Thiago Pethit. Terceiro álbum do cantor e compositor paulistano, Rock’n’Roll Sugar Darling chega para lembrar como o gênero musical que lhe dá nome conseguia representar os anseios da juventude não conservadora: com rebeldia em vez de respeito, sexo em vez de moralismo, transgressão em vez de reverência, deboche em vez de rancor, liberdade em vez de preconceito. Resumindo, com atitude.

Após flertar com o folk e o glam, o músico mostra que estudou direitinho os preceitos essenciais do estilo a que se propõe agora. Para abrir o trabalho, convocou um dos ícones underground da década de 1960, Joe Dallesandro. “As pessoas precisam de um ídolo com os pés no chão, de um rockstar que batalhe nas mesmas ruas que elas, precisam de um anjo com uma boca suja”, rumina o veterano ator, o “Little Joe” mencionado por Lou Reed em “Walk on the Wild Side”. A partir daí, Pethit encarna esse papel nas mais diversas abordagens.

É Rita Lee com Black Keys na faixa-título, Nick Cave com Chris Isaak em “Romeo”, Iggy Pop com Bo Didley em “Quero Ser Seu Cão”, Elvis com Strokes em “Honey Bi”, Caetano com Nick Drake em “Perdedor”, David Lynch com Radiohead em “Story Blue”. É jaqueta de couro e sensibilidade, selvageria e peito depilado, má companhia e ombro amigo. Mesmo se tudo não passar de pose, já está valendo apenas pela pretensão. Por mais urgente que seja a realidade, um pouco de fantasia – ou cinismo – é fundamental. Nós só queremos ser bem enganados.

Camaleão às avessas
Misto de crítica musical, painel biográfico e análise cultural, O Homem que Vendeu o Mundo – David Bowie e os Anos 70 prega que nenhum outro artista naquela década foi tão criativo, assumiu tantos riscos ou levou a si mesmo e ao público a extremos tão distantes. Para isso, o cartapácio de 570 páginas escrito pelo inglês Peter Doggett (do espetacular A Alma Perdida dos Beatles), explica, música a música, as mutações de um camaleão às avessas: enquanto o réptil muda de cor para se adaptar ao ambiente, o cantor se transformava justamente para destoar.



Só faltava enterrar
Antes de qualquer veredito, a despedida do Pink Floyd, The Endless River, suscita duas dúvidas. A banda ainda existia? Qual o valor das sobras de um disco que já não era lá essas coisas? Feito pelo guitarrista David Gilmour e pelo baterista Nick Mason em cima das mais de 20 horas de jams sessions não aproveitadas em The Division Bell (1993), o álbum é proclamado como um tributo ao tecladista Rick Wright, morto em 2008. Do alto de seu ego, o baixista Roger Waters, o único a não participar da farsa, ri, satisfeito.

20141107

Buda da periferia ilumina a MPB



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Poucos discos nacionais eram tão aguardados quanto este Convoque Seu Buda, lançado nesta semana por Criolo. Afinal, trata-se de sucessor do aclamadíssimo Nó na Orelha, que estabeleceu novos parâmetros para o rap brasileiro em 2011 e conquistou proletários e burgueses. Para felicidade da torcida, o álbum – disponiblizado gratuitamente no site do artista paulistano – não apenas confirma as expectativas, como expande a paleta de gêneros musicais atribuídos ao seu autor. A música dele extingue qualquer carma ruim.

Não que o estilo com o qual Criolo virou unanimidade não apareça com força, longe disso. Os irmãos podem ficar sossegados, porque o ritmo e a poesia burilados na periferia sobressaem em “Plano de Voo” (com o rimador Neto, do grupo Síntese) e na faixa-título. Igualmente letal, “Esquiva da Esgrima” traz um refrão memorável, precedido pelo verso que parece um ditado: “Quem toma banho de ódio exala o aroma da morte”. Já “Cartão de Visita” recebe a cantora Tulipa Ruiz para realçar a levada black music do tempo bom que não volta nunca mais.

Como no trabalho anterior, reggae e samba têm lugar cativo em “Pé de Breque” e “Fermento pra Massa”. Pífanos e guitarras transportam “Pegue pra Ela” até o Nordeste, destino identificado também na cadência afrobaiana de “Fio de Prumo”, com vocais de Juçara Marçal e clavinete de Money Mark (colaborador dos Beastie Boys). Diante do ecletismo das referências e da riqueza das direções propostas, continuar chamando Criolo somente de rapper não dá conta de todo o seu talento. O mano está iluminado.

Vibração ambiciosa
Teophilus London pisca no radar desde que Timez Are Weird These Days (2011) apresentou sua fina junção de R&B com rap. Alguns EPs e mixtapes depois, o cantor nascido em Trinidad e Tobago e criado no Brooklyn novaiorquino retorna mais ambicioso com Vibes – como tudo o que leva a marca de Kanye West. O marido de Kim Kardashian solta a voz na melosa “Can’t Stop”, mas o caldo fica melhor quando ele restringe-se à produção, forjando bases electro para “Heartbreaker” e “Need Somebody”. Prince assinaria embaixo.



Sempre tem público
A banda florianopolitana Zumbi Tatuado é destaque no Palco MP3, plataforma virtual de artistas independentes brasileiros. O trio surgiu no final de 2010 e já obteve mais de 80 mil acessos para sua estreia, Agora Eu Quero Roquee (sic), puxada pela canção “A Procura de um Lar”. Como o nome do disco deixa bem claro, a banda trafega por uma sonoridade que, apesar de não primar pela originalidade, ainda encontra bastante fãs por aí.

20141031

De astro do gueto a rival de Guetta



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Na música que abre seu novo disco, Calvin Harris canta que precisa de um pouco de fé. O ouvinte também. Para acreditar que Motion, o quarto lançamento do escocês, não vai ficar só naquela dance music farofa. “É pedir demais?”, continua a letra. Considerando que foi a rendição aos piores clichês do gênero que o transformou no DJ mais bem pago do mundo nos últimos dois anos, a resposta é afirmativa. Mas, sabendo do que ele é capaz, um rotundo “não” – o que deixa tudo mais lamentável.

Harris apareceu em 2007 botando banca. Batizou sua estreia com I Created Disco e se garantia com baixões gordos, batidas quentes e falsetes afetados. Nos dois lançamentos seguintes, quanta diferença: movido pela eletrônica engomadinha de “Feel So Close”, o álbum 18 Months (2012) emplacou nove singles entre os Top 10 da parada inglesa, superando o recorde de Michael Jackson. Milionário antes de completar 30 anos, o cara que era um segredo do gueto havia se tornado concorrente de (David) Guetta.

Como aquele amigo que depois que ganhou dinheiro revelou-se outra pessoa, Harris mudou de hábitos, gostos & companhias. A pressão de “Slow Acid” e a vibração das garotas do Haim em “Pray To God” são exceções, quase concessões a um passado alternativo que parece não lhe despertar a menor saudade. Hoje, sua turma é a mesma de Rhianna (com quem já gravou), Big Sean e Gwen Stefani (que participam de Motion). Se era com isso que ele sonhava, beleza. Comovida pela preferência, a moçada dos beach clubs agradece.

Acima do bem e do mal
A inquietação artística e o reconhecimento tardio conferiram a Tom Zé uma certa aura de “intocável”. É nessa condição que o baiano chega a mais um disco, Vira Lata na Via Láctea, no qual reúne velhos amigos (Milton Nascimento), ex-desafetos (Caetano Veloso) e novas descobertas (Criolo, O Terno). O repertório vai da gaiatice evidente de “Papa Perdoa Tom Zé” e “Banca de Jornal” à falsa ingenuidade de “A Boca da Cabeça”. Vindas de outro artista, poderiam soar meio ridículas. Pela boca de um senhor de 78 anos, são um atestado de vitalidade.

 

Chora, Armandinho
Foi confirmado o que muitos já esperavam: Santa Catarina não terá Planeta Atlântida em 2015. O festival sempre refletiu o mainstream da música nacional. Como este custa para se renovar e, quando o faz, é com artistas cada vez mais duvidosos com sucesso cada vez menos duradouro, a “maior festa do verão catarinense” acusou o golpe. Do jeito que estava, não dava para continuar. Era testar outro formato ou acabar. Acabou.

20141024

Nem tão novo, ainda radical




(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Em entrevista recente ao Hollywood Report, Gregg Alexander falou pela primeira vez desde que se afastou dos holofotes. Em 1998, ele estourou nas paradas do mundo inteiro à frente do New Radicals com a grudenta “You Get What You Give”. Menos de um ano depois, prestes a lançar o segundo single do disco Maybe You’ve Been Brainwashed Too, desmontou o grupo. Alegou que não suportava mais a vida de estrela e se recolheu. De lá para cá, trabalhou com Enrique Iglesias, Rod Stewart e Santana, entre outros.

A trajetória do ex-vocalista o coloca entre os one hit wonders, como são chamados os artistas que fazem um só sucesso. A relação de nomes que por um momento pareciam onipresentes e de repente desapareceram é infinita: de Blind Melon (“Rain”) a Supergrass (“It’s Allright”), de Virgulóides (“Bagulho no Bumba”) a O Surto (“A Cera”), para ficar apenas no pop rock. Alcançada a fama, todos continuaram a carreira e tentaram emplacar novamente. Não conseguiram. São lembrados única e exclusivamente por causa de uma música.

Alexander distingue-se nessa lista por um detalhe crucial: a escolha foi dele, não do público ou do mercado. Da mesma forma que resolveu voltar ao anonimato aos 28 anos, ele decidiu que agora era a hora de reaparecer. É que “Lost Stars”, composta em parceria com Adam Levine, do Maroon 5, para o filme Mesmo Se Nada Der Certo, está cotada para concorrer ao Oscar de melhor canção. De quebra, o chapéu de pescador que usava em sua breve fase de celebridade vem sendo apontado como tendência para o próximo verão.

Tributo de maluco
Após Dark Side of The Moon, o Flaming Lips entorta outro clássico do rock. O alvo da vez é Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, que na versão da banda americana virou With a Little Help From My Fwends. Faixa a faixa, a banda recria a obra-prima beatle com a colaboração de MGMT, My Morning Jacket, Tool, Moby e quejandos. Até aí, tudo dentro do nível de perturbação que se espera do grupo de Wayne Coyne. Mas o que dizer de Miley Cyrus em “A Day in the Life” e “Lucy in the Sky with Diamonds”? Melhor não contrariar.



Além do batidão
Revelação capixaba do mashup (música criada a partir da mistura de duas ou mais canções), Andre Paste faz a sua estreia autoral com Shuffle. Em um disco cheio de convidados, “Laura”, com Silva, e “A Calma”, com Fepaschoal, demonstram potencial pop que vai além de batidões bem-humorados. Como é gratuito, não custa experimentar.

20141017

Cansado de ser sexy



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

A estreia solo de Adriano Cintra consegue agradar mesmo se você não souber nada sobre ele. É um disco de música pop atual, com participações de artistas de estilos díspares e letras irreverentes. Mas um pouco de contexto deixa Animal com muito mais graça. O produtor, músico e compositor paulistano era a mente criativa por trás do Cansei de Ser Sexy, um dos raros grupos brasileiros a experimentar uma carreira de verdade no circuito indie mundial. Pulou fora em 2011, acusando geral. Pragueja até hoje.

Já que seu desgosto com a situação sempre foi público, é impossível não tentar encontrar alusões às antigas colegas em cada verso. Dá para começar a especular pela faixa-título, resposta de sangue quente para Planta, o murcho álbum lançado por elas no ano passado. “Não Ladrão”, apesar do nome descarado, trata de arengas empresariais com sutileza. Em “Deu Ruim”, o recado é direto. “Raposa, para de chorar. Sua banda nem é tão ruim assim. Se você quiser, eu faço mais música. É só pedir”, declama, entre a crueldade e o desdém.

Para o veneno não contaminar a pauta, Animal exibe convidados populares (Rogério Flausino, Gaby Amarantos), cultuados (Odair José, Guilherme Arantes) e alternativos (Tim Bernardes, d’O Terno, Nana Rizzini). Os listados contribuem para amarrar um combo “esperto”, em que a maior ironia – está característica tão adorada pelos hipsters – talvez seja involuntária: como Cintra se sai melhor quando embalado em um electro-rock bem similar ao que poderia estar compondo com Luiza Lovefoxxx em sua ex-banda. Do rancor, fez-se a arte.

Consolo no rock
Os fãs dos Smiths vivem dias mais tristes do que o habitual com o anúncio de que Morrissey, o eterno vocalista do quarteto, está com câncer. Playland, de Johnny Marr, ajuda a suportar a notícia. Tanto quanto o bardo de Manchester, o guitarrista ajudou a transformar em religião a banda extinta em 1987. Neste segundo disco, ele trocou a delicadeza por acordes robustos, como denuncia o single “Easy Money”. Numa hora dessas, só rock invocado mesmo para enfrentar a dor com força e esperança.



Sonhos ruidosos
Melodia e distorção convivem em Selfish, que o vocalista e guitarrista da banda Rascal Experience, Victor Fabri, lançou sob a alcunha de Frabin. O EP foi gravado em seu estúdio caseiro em Florianópolis e masterizado perto de Nova York, no Ranch Mastering, que tem Arctic Monkeys e Gorillaz como fregueses. As cinco canções emulam Jesus & Mary Chain e Sonic Youth, revelando climas lisérgicos sob as paredes de ruído. Descubra o que o rapaz tomou em soundcloud.com/frabin.

20141010

Mais cabeça, menos rádio



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Lá vem Thom Yorke testando a gente. A julgar pelos últimos trabalhos com o Radiohead, com o projeto paralelo Atoms for Peace ou em seu nome, o vocalista chegou a um paradoxo: sua produção recente é tão anticonvencional – em todos os sentidos – que surpreendente mesmo seria ele gravar um CD cheio de músicas assoviáveis, apresentá-lo em programas de auditório e o colocar à venda nas “melhores casas do ramo”. Não é o caso de Tomorrow’s Modern Boxes, sua segunda incursão solo.

O novo álbum do inglês remete ao isolamento e à introspecção inaugurados em 2000, quando Kid A tornou sua banda mais cabeça e menos rádio. Como virou praxe no som que faz desde então, requer seguidas audições. A insistência derrete o gelo em “A Brain in a Bottle” e revela fragmentos pop em “Guess Again”, “Truth Ray” e “The Mother Lode”. Essas e mais quatro faixas podem ser compradas via BitTorrent, serviço de distribuição e compartilhamento de arquivos predileto da pirataria online pelo qual o disco foi lançado.

Na outra vez em que confiou na humanidade para apreciar sua arte e pagar por isso, Yorke se deu bem. Em 2007, o Radiohead ofereceu In Rainbows em seu site por um preço a critério do consumidor. Foram quase 3 milhões de cópias, comercializadas a seis dólares cada, em média. Um exemplar legal de Tomorrow’s Modern Boxes sai pela mesma meia dúzia de verdinhas, mas sempre se consegue um jeitinho de baixá-lo de graça e votar contra a corrupção. Em uma semana, ultrapassou um milhão de downloads. Vale a pena acreditar.

Sorrisão na cara
Tudo o que a música “Is This How You Feel?” insinuava no ano passado, o recém-nascido disco do The Preatures confirma. O pop caprichado com voz de fêmea, hormônios de adolescente e tesão de estreante de Blue Planet Eyes classifica a banda australiana entre as gratas revelações da temporada. Só muita raiva da vida para evitar que, além do single anterior, “Somebody’s Talking” (o atual) e “Whatever You Want” elevem o astral ou “Two Tone Melody” desperte paixões. Os coroas se lembram de Pretenders; os mais jovens, do Haim. Todos saem sorrindo.



Protetor solar
Reconhecido pelas levadas relaxantes Kings of Convenience e do Whitest Boy Alive, o norueguês Erlend Øye assina seu segundo disco acenando para o Brasil. A conexão de Legao com o país não se limita à transcrição fonética do sinônimo de cool em português ou a uma música chamada “Garota”. Largadão na praia, o gringo se defende do sol com o reggae miúdo de “Fence me In”, “Say Goodbye” e “Whistler”. Caipirinha nele.

20141003

Um príncipe em apuros



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Depois de romper com a Warner, em 1996, Prince lançou discos por outra gravadora, pelo próprio selo e em parceria com jornais europeus. Apesar de brilharecos ocasionais, nada conseguiu estancar sua decadência midiática – a ponto de muita gente ignorar que o baixinho não somente nunca parou por esses anos todos, como acaba de se manifestar em dose dupla. Solo, assina Art Official Age. Com a banda 3rdEyeGirl, PlectumElectrum. Que tenha sucesso e seja feliz. Próximo, por favor.

O 33º álbum de Prince não dividirá águas, não será recebido como a Boa Nova trazida pelo Messias, não irá torná-lo maior do que foi um dia. Isso não o proíbe de querer mostrar sua produção recente ao público. Veja só, “The Gold Standard” desliza por aquela levadinha safada com a qual ele costumava afinar cinturas. “Breakfast Can Wait” é para dançar de rosto grudado, sussurrando sacanagens no ouvido. E “Funkroll” delimita a diferença entre os dois discos. Neste, tem roupagem black chique.

Na versão do CD em conjunto com o trio feminino, pende para o que o nome sugere. Antes de infestar a cena, o tom genérico de Lenny Kravitz some para surgir o R&B jamaicano de “Stopthistrain” e “Tictactoe” botar mais doçura na relação. Mas não adianta, o fã quer os velhos clássicos – a maldição do todo artista que já beijou o céu. Kurt Cobain deu um tiro na cabeça. Michael Jackson mudou de cor. Axl Rose virou piada. Aos 56 anos, Prince voltou à Warner e continua ativo na planície. Ah, deixa o homem trabalhar, vai.

Reencontro engenhoso
Foi pelo Lira Paulistana que o Grupo Engenho lançou seu terceiro vinil, Força Madrinheira, em 1983. Hoje ambos se reencontram a partir das 19h no Circo Dona Bilica, no Morro das Pedras, em Florianópolis. A banda da Capital, para o show De Trésont’onte A Diajôji, uma antologia de sua trajetória. O teatro e gravadora de São Paulo, para o lançamento do livro Lira Paulistana – Um Delírio de Porão, de Riba de Castro, que conta as histórias do berço de artistas como Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé e Língua de Trapo.

Medida do barulho
O terceiro disco do ruído/mm, Rasura, está dando mole na internet. A unidade criada pela banda curitibana – ruído por milímetro, em minúsculas mesmo – mede o alcance da proposta: paisagens sonoras do jazz ao punk, da psicodelia ao pós-rock, em instrumentais que transportam o ouvinte para dimensões desconhecidas. Baixe o seu e reserve lugar na janela.

20140926

Porque no fim sempre era bom



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

O Lagoa Iate Clube (LIC) bombou, e não era baile de formatura nem casamento. No palco do salão da sede social projetada por Oscar Niemeyer, Criolo. Na plateia, uma juventude acostumada com Sucrilhos no prato – como diz uma das letras de Nó na Orelha, o premiado disco que o tirou do gueto em 2011. Tanto que cantou cada rima do rapper paulistano, incluindo as da estreia Ainda Há Tempo (2006), quando tinha o Doido no nome e morava na periferia. Deu gosto trocar a sigla de “Não Existe Amor em SP” por “SC”, levitar com as “palavras do rei” em “Samba Sambei” e caprichar na p* do refrão de “Demorô”.

O artista, o público, o local; tudo conspirava para que o show do rapper paulistano em Florianópolis, na sexta passada, gerasse uma rasa tese sociológica envolvendo luta de classes e cereais matinais. Aí aconteceu uma coisa muito séria, que alterou planos, abalou convicções e relativizou conceitos: chegou o novo disco do Cachorro Grande. Já rolava o papo de que a banda viria diferentona, que havia pirado no estúdio, que estava psicodélica e tal. De fato, Costa do Marfim é uma Drogba (OK, trocadilhos como esse também). Do título ao barbudo de turbante da capa, quanto menos se entende, mais sentido faz.

A intenção declarada dos gaúchos era virar do avesso o rock básico com o qual se sustentam há 15 anos. Para isso, chamaram Edu K. O ex-De Falla, autor de “Popozuda” e capaz de ir da vanguarda às mais bagaceiras formas do pop, seguiu o briefing à risca. O sétimo álbum da matilha deixa o fã desnorteado e a crítica, perplexa. É impossível precisar a interferência do produtor, mas na ficha técnica ele aparece creditado pela “participação especial em todos os lances”. Qualquer dúvida sobre o seu papel no resultado final se esvaece logo na abertura, com os 11 minutos de delírio psicodélico de “Nós Vamos Fazer Você Se Ligar”.

Na sequência, “Nuvens de Fumaça” e “Eu Não Vou Mudar” acalmam o facho insistindo em velhos vícios. O mundo volta a girar no primeiro single, “Como Era Bom”, levado por um timbre que parece uma flauta biruta. “Use o Assento para Flutuar” expande o horizonte, com a eletrônica valorizando a guitarra característica do quinteto e escancarando a influência de Primal Scream, Stone Roses e até Kula Shaker – cujo líder é homenageado em “Crispian Mills”. Na real, a grande transformação do Cachorro Grande foi descobrir a década de 1990. Visitada para fins recreativos, ainda rende momentos bem divertidos.

Belezinha cósmica
O Asteroids Galaxy Tour obedece a uma órbita própria, orientada pelos diversos estilos que utiliza em sua trajetória pop. No terceiro disco dos dinamarqueses, Bring Us Together, a bússola está mais bem calibrada para atingir alvos maiores do que abrir shows da falecida Amy Winehouse ou emplacar música em comercial do iPod. E, se a pegada oitentista de “Navigator” ou o groove torto de “Choke It” falharem, sempre resta a estampa da vocalista Mette Lindberg para convencer os hesitantes.

20140919

A triste queda dos pássaros formosos

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Está na praça um livro que joga luzes sobre uma época tão rica quanto pouco analisada da cultura nacional. Como o título promete, Pavões Misteriosos – 1974-1983: A Explosão da Música Pop no Brasil, do jornalista André Barcinski, cobre o hiato entre a MPB politizada dos anos 1970 e o estouro do rock silvícola na década seguinte. Com o adicional de que, ao tentar explicar por que tantos discos seminais surgiram no país no período em questão, ajuda a entender também como se formou a mentalidade que iria prevalecer no futuro.
O marco inicial é a chegada do Secos & Molhados ao topo das paradas em 1974, desbancando Roberto Carlos. A ascensão do grupo liderado por um Ney Matogrosso andrógino, de cara pintada e quase nu refletia a transformação pela qual passava toda a indústria da música brasileira de então. Gente como Raul Seixas, Tim Maia, Rita Lee e Jorge Ben lançava seus trabalhos mais ousados. Alguns alcançavam o grande público, outros eram incompreendidos; todos conseguiam gravar suas experiências.

O autor mostra que, até 1983, quando Ritchie conquistou o povão com “Menina Veneno”, havia lugar também para falsos gringos cantando em inglês (Mark Davis, na verdade Fábio Jr.), picaretagens armadas por produtores (Gretchen) e pastiches sintonizados com as ondas que vinham de fora (Frenéticas). Daí em diante, por razões que incluem decadência criativa, exigência por resultados e aversão ao risco, ficaria cada vez mais difícil para os pavões continuarem misteriosos. O mercado é louco, mas não rasga dinheiro.

Raiz punk, fruto reggae
O pai integrou uma banda ícone do punk e a filha segue a carreira musical. O que ela faz? Reggae, lógico – afinal, entre outras conexões, a Babilônia combatida por Bob Marley e o “sistema” que os proletários ingleses queriam derrubar eram o mesmo inimigo. Portanto, nada mais natural do que Hollie Cook investir forte no ritmo jamaicano. Em seu segundo disco, Twice, a herdeira de James Cook (ex-baterista dos Sex Pistols) atualiza a levada roots que garante a brisa em “Ari Up”, “Desdemona” e “Postman”.



Enfado mortal
O problema de Strut nem é a música. O funk-rock setentista diluído em pop de Lenny Kravitz continua presente em seu décimo disco. O que complica a situação do cantor é que há cada vez menos bípedes interessados nisso. A crítica nunca o engoliu, a juventude o ignora e as fãs que restaram têm coisas mais importantes para se preocupar do que defendê-lo. Fica a dica: contra o enfado, não há abdômen trincado que dê jeito.

20140912

O desafio de ser relevante

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Na terça-feira, um dos poucos gigantes que restam sobre o planeta reapareceu com disco inédito após cinco anos em branco. Divulgado durante a apresentação do sexto modelo de um espertofone, aquele que vem sendo chamado de “o maior lançamento do mundo” estará disponível para ser baixado sem custo pelos 500 milhões de clientes da 119 países da loja digital da fabricante de celulares até amanhã. A partir de domingo, chega ao comércio em versão física e paga. As novidades envolvendo Songs of Innocence, do U2, acabam aí.

Logo no primeiro single, “The Miracle (Of Joe Ramone)”, fica evidente que a única coisa moderna no 13º álbum do grupo irlandês é a estratégia de marketing. As letras relembram suas experiências afetivas, sexuais, políticas e geográficas. A sonoridade vai no embalo com baladas lindamente coxinhas, das quais “Every Breaking Wave” e “Song for Someone” mostram um grande potencial para levantar estádios dispostos a aplaudir o Coldplay. Em time que está ganhando não se mexe, diz o clichê. Bem, o U2 se mexeu – para apenas empatar.

Nem a presença de um nome aclamado pela crítica como Danger Mouse (Black Keys, Broken Bells) entre os produtores salva o disco da mesmice. A intervenção dele é tímida demais para modificar o que tanto fãs quanto detratores acharão de “Sleep Like a Baby Tonight”, “This Is Where You Can Reach Me Now” e “The Troubles”. Com a identidade intacta e o boi na sombra, a banda encara um desafio muito mais difícil do que distribuir seu trabalho de graça para um em cada 14 terráqueos: ter alguma relevância hoje.

Colisão na pista
Uma década depois de causar certo buchicho no circuito alternativo com a guitarreira suja e dançante da estreia You’re a Woman, I’m a Machine, o Death From Above 1979 está de volta. A boa notícia, no caso, é que as batidas gordas, os baixões distorcidos e a os riffs garageiros da dupla canadense não caducaram com o tempo em The Physical Word. Pelo contrário, o disco tem uma pegada mais roqueira em “Trainwreck 1979” e “Government Trash”, com direito a refrão redentor em Crystal Ball para os punks se descabelarem na pista.



Psicodelismo a rigor
É impossível ouvir o autointitulado segundo disco d’O Terno e não lembrar dos Mutantes. Não por causa da formação em trio e da origem paulistana. E sim pela conexão estética: uma psicodelismo vintage diluído em viagens pop que chegam a flertar com o brega. Mas a maior semelhança com a clássica banda vem da ironia sugerida em “Vanguarda” e “Eu Confesso”, com menções ao “estilo indie-hippie-retrô-brasileiro”.

20140905

Plant ostenta a arte de envelhecer

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)



O mundo da música anda ocupado demais com calipígias e fanfarrões descartáveis para prestar atenção em Robert Plant. Não sabe o que está perdendo. O novo disco do cantor, Lullaby... and The Ceaseless Roar, tem os pés na África tanto negra quanto árabe visitada em trabalhos anteriores, o coração na América profunda desbravada após passar os últimos anos no eixo Nashville-Mississippi e a cabeça em sua Inglaterra natal, onde voltou a morar recentemente. Isso é que é ostentação.

A décima incursão solo do ex-Led Zeppelin abre com um kologo, uma espécie de banjo africano. Ao longo de 11 faixas, aparecem outros instrumentos exóticos de corda (ritti, tehardant) e de percussão (bendir, djembe). Só que, em vez de estranhamento étnico, o som executado pela banda The Sensational Space Shifters atrai pela delicadeza. A despeito do título do álbum, as “canções de ninar” imperam sobre o “rugido incessante”, mesmo emolduradas por uma voz que já foi conhecida por trovejar.

Ao contrário de várias divindades de sua geração, Plant preferiu a velhice – física – à morte – criativa. Sua força se alimenta da curiosidade, não da potência. É um senhor de 66 anos que seduz nas ternas “Somebody There”, “Pocketful of Golden” ou “Rainbow” e ainda dá seus pulinhos em “Turn It Up”. Ciente da comparação que sempre lhe será desfavorável, ele vem pilotando veículos diferentes há um tempo muito maior do que o período embarcado no dirigível de chumbo. Errou aqui, acertou ali, mas nunca virou uma caricatura de si próprio.

Pronto para conquistar
Saiu mais um sério candidato às listas de melhores do ano. Mean Love, de Sinkane, parte do soul e do R&B para forjar uma sonoridade fina e envolvente. Com influências que vão de Curtis Mayfield em “How We Be” e “Gallen Boys” a Peter Tosh em “Young Trouble”, o sudanês criado nos Estados Unidos esbanja credenciais para ampliar a base de fãs arrebanhada desde o CD Mars, de 2012. Para arrematar, “Hold Tight” alinha-se entre os ritos de acasalamento chiques que fizeram a fama de Sade.



De lamber os beiços
Depois de dez anos de estrada, o baiano Russo Passapusso estreia em disco com Paraíso da Miragem. A moqueca servida pelo músico e compositor leva MPB, rap, samba, reggae, forró e black music maturados por sua atuação nos grupos Baiana System e Bemba Trio. Curumin, BNegão, Edgard Scandurra, Marcelo Jeneci e Anelis Assunção estão na lista daqueles que acompanham a iguaria, disponível para descarrego legal e gratuito em www.russopassapusso.net.

20140829

Simples e doce como a vida a dois



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Ela participou de discos dele. Ele produziu o mais recente disco dela. Seis anos de parceria artística e conjugal depois, o casal mais visado da música nacional acaba de ganhar seu primeiro filho. O rebento chama-se Banda do Mar e nasceu com 12 canções. De Mallu Magalhães, herdou o frescor. De Marcelo Camelo, a serenidade. De ambos, um atávico apelo pop. Não poderia haver presente melhor para o 22º aniversário da mãe, comemorado exatamente hoje. Mas é o pai quem tem mais motivos para festejar.

Na mesma idade que a virginiana, Camelo viu seu grupo Los Hermanos estourar em todo o país com Anna Julia na virada do século. Desde então, enquanto sua garota se firmava e era louvada pela crítica a cada álbum, ele nunca mais conseguiu deixar de se explicar. Primeiro, por renegar o sucesso. Já em carreira solo, por recusar o papel de “porta-voz” de sua geração. Imagine o fardo para um cara que não esperava nem queria se tornar ícone de porcaria nenhuma, muito menos da insuportável MPB universitária surgida sob sua influência.

Pois a Banda do Mar periga livrá-lo dessa encheção de saco. Protegido pela simpatia que Mallu desperta e pela curiosidade em torno do outro integrante (o baterista português Fred Ferreira), Camelo está à vontade. Seja para se tornar acessível novamente em “Hey Nana”; seja para acompanhar as deliciosas bobagens “Mais Ninguém”, “Muitos Chocolates” ou “Mia”, cantadas por ela. Tudo muito familiar, simples e doce, como – isso é um elogio – um comercial de margarina indie.

Nova só no nome
Quinto trabalho em estúdio de Bebel Gilberto, Tudo mantém-se no caminho inaugurado em 2001 com Tanto Tempo. Como ninguém procura o diferente em 2014 na filha de João e Miúcha, não há nada de errado nisso. Sendo assim, os fãs vão relaxar com a bossa que de nova só tem o nome na autoral “Nada Não” e nas releituras de “Vivo Sonhando” (Tom Jobim) e “Saudade Vem Correndo” (Luiz Bonfá). Ainda bem: no pouco que se arrisca fora de sua zona de conforto, a cantora comete uma versão embaraçosa de “Harvest Moon”, de Neil Young.



À benção, tio Ozzy
No extremo oposto, o Pallbearer atropela qualquer sutileza em seu segundo disco, Foundations of Burden. O lance aqui é da pesada, ponto. Sem verniz para acrescentar rótulos à sua música além do metal, o quarteto americano arrasta-se em velocidade paquidérmica com jamantas que passam de dez minutos, como “The Ghost I Used to Be”. Coisa de guri que ouviu Sabbath demais e até hoje não se recuperou. Sempre haverá algum.

20140822

Tudo bem e sem razão

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

O rock nacional tem suas tradições. Uma delas é a as bandas nunca acabarem em definitivo. Não seria o Ira! que quebraria a escrita. O grupo passa por Santa Catarina neste final de semana com a turnê que marca sua volta após o conturbado rompimento, em 2007. Da formação original, sobraram apenas o vocalista Nasi e o guitarrista Edgar Scandurra. É o que resta e o que basta para que os shows de hoje em Joinville, amanhã em Indaial e domingo em Florianópolis tragam consigo muitas virtudes. Nenhuma musical.

O retorno aos palcos impôs uma mudança de comportamento aos envolvidos. Longe da droga que o estava destruindo, o cantor reconciliou-se com o irmão Airton Valadão Jr. – por acaso também empresário do grupo – e com o velho parceiro. Pode-se duvidar da sinceridade dos atos, mas não de sua validade. Às vezes tudo bem, às vezes sem razão, vencer o vício, tolerar as diferenças e perdoar são maiores do que “ABCD”, a única canção inédita que integra o repertório.

Quando separados, os remanescentes do atual quinteto ficaram tentando se satisfazer com outros sons, outras batidas, outras pulsações. Nasi vasculhou o passado com os Irmãos do Blues, Scandurra viu futuro na eletrônica. O presente é desfilar os hits de sua carreira conjunta em 200 shows até 2015, culminando com um obrigatório CD/DVD ao vivo. Se tudo der certo, o Ira! vira o Capital Inicial e obtém mais sucesso agora do que em sua encarnação anterior. O próximo passo é um dos dois se tornar jurado do SuperStar.

Mutantes encaixotados
Quem também está voltando são os Mutantes. Pelo menos às lojas, com uma caixa reunindo os discos de sua fase clássica – os cinco primeiros mais o póstumo Tecnicolor, todos gravados entre 1968 e 1972, ainda com Rita Lee a bordo –, além da compilação Mande Um Abraço Pra Velha. Essa última contém faixas extraídas de festivais e de participações em álbuns de outros artistas, nada muito significativo. De qualquer maneira, sempre é hora de apreciar a maior banda brasileira de todos os tempos.



ABBA para hipsters
Abra suas asas, solte suas feras, caia na gandaia e leve com você Impressions, do Music Go Music. Em seu terceiro disco, o trio de Los Angeles consolida-se como o ABBA de sua geração com “Nite After Nite”, “Inferno” e “People All Over The World”, que não fariam feio se entoadas pela matriz sueca nas pistas mundiais durante a virada dos anos 1970 para os 1980. Tudo livre, leve e solto, como devem ser os sonhos mais loucos.

20140815

Mudar para se manter na trilha

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Em 1993, a revista Bizz listou as 20 pessoas mais poderosas da música brasileira. Entre executivos de gravadoras que podiam lançar um disco em milhares de lojas pelo país inteiro, profissionais de rádio capazes de colocar um single nas paradas e empresários munidos de todos os esquemas para promover a banda, um nome resplandecia, inquestionável, na liderança do ranking: Mariozinho Rocha. Quem? O diretor musical da Rede Globo, responsável pelos trilhas sonoras das novelas da emissora.

Passados 21 anos, quase tudo mudou. A revista deixou de existir. Nenhum artista com o mínimo de noção conta (apenas) com o tripé gravadora-rádio-empresário para distribuir, divulgar e negociar música. Duas coisas, porém, permanecem inalteradas. Uma é emplacar o tema da abertura ou de algum personagem de um folhetim exibido em horário nobre, que continua sendo um dos jeitos mais eficazes para apresentar um artista às massas ou oxigenar carreiras claudicantes.

A outra é o sujeito que escolhe tal canção para ser ouvida pela mesma audiência, ao mesmo tempo, em milhões de lares. Sim, Mariozinho Rocha. Se a lista fosse refeita hoje, o responsável por Beatles (na voz de Dan Torres), New Order e Chic embalarem, respectivamente, Império, O Rebu e Boogie Oogie teria lugar garantido nas primeiras posições. Ao seu lado, chefes de marketing de empresas que bancam álbuns e turnês via renúncia fiscal e de compositores neossertanejos. Baita evolução.

Tão certo que acabou

A propósito, tem banda catarinense que já figurou na trilha sonora não de uma, mas de duas novelas. Foi o Stryx, de Florianópolis, presente com “Estou de Volta” em Araponga, de 1990. No ano seguinte, a Sony lançou o disco do grupo – de onde o dramalhão Rosa Selvagem, do SBT, pegou a faixa “Nu de Corpo e Alma”. Apesar da exposição, reforçada por constantes aparições em programas de TV, o quinteto se dissolveu logo depois de dar certo. Sua história ainda vai ser contada com a atenção que merece.

Baú de novidades
Quando a gente acha que não há mais o que desencavar da década de 1980, o pós-punk volta à ordem do dia com o Total Control. O segundo disco dos australianos, Typical System, soa formal como o cultuado Wire, sem abdicar do senso de diversão doentio característico do Devo. A combinação chega ao ápice em “Black Spring” e “Flesh War”, obrigando novas redescobertas para confirmar as melhores referências.

20140808

Pior para o pop

(A 20 dias antes de se concretizar, interrompemos nosso ano black-sabático – que, ao contrário do sabático, é involuntário – com a coluna publicada hoje no Diário Catarinense. As coisas prometem ficar mais animadas por aqui. No mínimo, todas as sextas.)

Tente lembrar da última vez em que ficou com o refrão de um artista de Santa Catarina na cabeça. Tirando um ou outro do Dazaranha, faz tempo. O consumidor médio pode achar a música catarinense original, intensa ou outro adjetivo suficientemente vago para parecer relevante, contanto que não lhe peçam para ouvi-la. Enquanto o dito pop local provoca um piedoso bocejo em seu público-alvo, bandas como Cassim & Barbária e Skrotes vêm abrindo caminhos – com certeza legítimos, às vezes injustos, sempre desconhecidos – que começam a ser seguidos. Nem que seja por falta de opção.
Nesse cenário de expectativas reajustadas, Murilo Mattei também não precisa de ninguém cantando junto para ocupar seu espacinho. Quando não está na UFSC, o aluno de Ciências Sociais tranca-se no apartamento onde mora no bairro Trindade e, munido de um teclado Nanokey2 da Korg e um notebook, experimenta ideias musicais sob o nome de Vinolimbo. Ignoradas em Florianópolis, suas colagens sonoras e batidas suaves renderam cinco EPs virtuais desde 2012.



Os dois trabalhos mais recentes, I Never Stepped On The Cracks 'cause I Thought I'd Hurt My Mother e The End Of What Never Happened, apareceram na internet entre maio e julho passados. Ambos foram lançados pelo selo porto-alegrense NAS e receberam elogios de sites respeitados por quem gosta desse tipo de som. O orleanense de 22 anos tem plena consciência de que sua música eletrônica jamais vai tocar nas rádios e pistas. O pouco que o Vinolimbo conseguiu até agora é mais do que ele poderia querer. Mas não se contentar.

Chuchu beleza
Um produtor e uma atriz se unem para gravar um disco. Apesar do cheiro suspeito, a picaretagem funciona se ele for o polivalente Dan “The Automator” Nakamura (Gorillaz, Kasabian) e ela, a teteia Mary Elizabeth Winstead (Scott Pilgrim Contra o Mundo, A Coisa). A dupla assina como Got A Girl o álbum I Love You But I Must Drive Off This Cliff Now, um punhado de canções que deixa a vida muito mais leve, fina e elegante. Sirva com gelo.



De boas intenções
Nunca se criou, registrou e consumiu tanta música quanto hoje. Nunca se leu tão pouco sobre música quanto hoje. Esta coluna pretende tornar menor a distância que separa as duas frases anteriores. Afinal, como dizia Frank Zappa, “a maioria das pessoas não reconheceria boa música nem que ela viesse mordê-las na bunda”. Claro que não é o seu caso.

20140107

43 músicas de 2013

43 | CALL ME UP, The Child of Lov



42 | PATIENCE GETS US NOWHERE FAST, Capital Cities



40 | YOUR TIME WILL COME (PART 2), World's End Press



41 | THE FERRY TALE, Monkey Business



39 | I DO LOVE YOU, GQ (MyKill Edit)



38 | LET ME SHOW YOU LOVE, Cut Copy



37 | GOD BLESS YOU LA LA LA, Patrice (ft Cody ChesnuTT)



36 | NA VEIA, Marcelo D2



35 | CORAZÓN TATÚ, Los Amigos Invisibles



34 | OH SHEIT IT'S X, Thundercat



33 | THERE 4U, Nightmares On Wax



32 | ARE YOU READY?, Luscious Jackson



31 | SURE AS THE SUN, New Young Pony Club



30 | YOU'VE GOT TIME, Regina Spektor



29 | STEPPIN' OUT, AM and Shawn Lee



28 | INVISIBLE, Tesla Boy



27 | FORTUNE'S FOOL, Starfucker



26 | UV, Cinema



25 | UNCERTAINTY, Jagwar Ma



24 | GIRANDO EM TORNO DO SOL, Nação Zumbi



23 | SO MANY DETAILS, Toro y Moi



22 | AROUND THE BLOCK, Pretty Lights



21 | WHITE LIES, Max Frost



20 | CIRCLES AND TRIANGLES, Alisson Valentine



19 | EXODUS, M.I.A. ft The Weeknd



18 | (SHE), Men



17 | GO OUTSIDE, Cults (Les Fleurs Du Mal Remix)



16 | I WANNA BE YOUR HAND, Holy Ghost



15 | IT'S TOO LATE, Wild Belle



14 | GOODBYE JOHNNY, Primal Scream



13 | O DOM DAS ESTRELAS, Os The Darma Lóvers



12 | IF I COULD CHANGE YOUR MIND, Haim



11 | LOVE ILLUMINATION, Franz Ferdinand



10 | GET LUCKY, Daft Punk



9 | CRAVE YOU, Flight Facilities ft Giselle (Cassian Remix)



8 | TELL IT STRAIGHT, Aer ft Guy Harrison



7 | HIGH ROAD, Cults



6 | WINE GLASS WOMAN, Mayer Hawthorne



5 | TRYING TO BE COOL, Phoenix (Breakbot Remix)



4 | WELCOME TO JAPAN, The Strokes



3 | EXCEPT DEATH, !!!



2 | SNAP OUT OF IT, Arctic Monkeys



1 | WE EXIST, Arcade Fire



BÔNUS | WE EXIST, Arcade Fire (Night Drive Edit)