20221231

As 70 músicas preferidas de 2022



Euforia, ziquizira, faxina: música. Ansiedade, corrida, diversão: música. Sexo, inspiração, regozijo: música. Tristeza, desejo, medo: música. Raiva, consolo, êxtase: música. Em qualquer atividade, qualquer lugar, qualquer situação – mesmo quando a única coisa que eu quisesse fosse desaparecer em silêncio –, a música não saiu do meu lado em 2022. Inclusive enquanto teclo este arrazoado.

Como é praxe, a lista das músicas favoritas do ano diz muito mais sobre o seletor do que sobre os artistas ou estilos relacionados. A minha é cheia de protegidos, manias e contradições. Das 70, 39 são de nomes que já apareceram em levantamentos desde 2007, quando comecei a organizar um ranking anual para me lembrar quem fui, revelar quem sou e vislumbrar quem serei.

É uma lista de tiozinho, que a cada dia tem menos saco com as últimas novidades, mas está sempre aberto para ser arrebatado por algo que não conhecia. Que privilegia a canção e a melodia, sem dispensar um eventual esporro. Que não procura lógica nas preferências, e sim ampliar o repertório do gosto. Entre velhos camaradas e recém-chegados, eis as escolhidas:

PLAYLIST | cada minuto é um amanhã pra se subverter



(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

2022 EM 70 MÚSICAS
01 | Silk Sonic, Love's Train



Ouvi minha música favorita de 2022 pela primeira vez na poltrona de um ônibus rumo a Curitiba. Era uma segunda-feira, eu viajava para um trabalho bacana e estávamos apenas em fevereiro. A regravação do Silk Sonic do clássico lançado pelo Con Funk Shun há 40 anos iluminou a noite que se mesclava com o asfalto da 101, projetando um tempo bom na escuridão cercada pela janela. Com o desenrolar dos meses, ela acabou rolando mais para me confortar do que para comemorar. Mas se estou aqui para contar é porque o trem do amor não partiu sem mim.

NA HISTÓRIA
2021 | #08 Leave the Door Open
2021 | #25 Skate
2019 | #34 Anderson Paak, Come Home (ft Andre 3000)
2018 | #44 Anderson Paak, Anywhere (ft Snoop Dogg, The Last Artful & Dodgr)
2016 | #44 Anderson Paak, Come Down

2014 | #40 Mark Ronson, Uptown Funk (ft Bruno Mars)

2022 EM 70 MÚSICAS
02 | The Outs, Não Vai Parar



A dupla carioca sabe enternecer corações e mentes com uma lisergia leve, ensolarada e terna. Não é diferente em seu terceiro disco, onde eu queria morar só para não me esquecer de que tudo sempre passa, mesmo com tanto para mudar.

NA HISTÓRIA
2021 | #13 Nem Mesmo o Sol
2016 | #43 Ainda me Lembro

2022 EM 70 MÚSICAS
03 | Drugdealer, Madison



Uma balada que evoca uma doçura setentista como se hoje o mundo não rezasse pela cartilha da ironia. Preciosamente datada e insuspeita para acalmar o temperamento atordoado pela fartura de estímulos que pouco ou nada acrescentam.

NA HISTÓRIA
2021 | #19 Fools
2016 | #45 Suddenly

2022 EM 70 MÚSICAS
04 | Tim Bernardes, A Balada de Tim Bernardes



Não me canso de ficar abismado com a precocidade deste rapaz. Jovem ainda e já calejado a ponto de percorrer a vida em retrospecto com lembranças, descobertas e conclusões que talvez demorem mais para chegar àqueles que não cantam.

NA HISTÓRIA
2019 | #02 O Terno, Atrás/Além
2019 | #33 O Terno, Tudo o Que Eu Não Fiz
2016 | #04 O Terno, Vamos Assumir
2016 | #14 O Terno, 

2022 EM 70 MÚSICAS
05 | Pachyman, All Night Long (ft Winter)



Claro que o reggae tem vaga reservada na minha trilha sonora anual. Se for com um tecladinho e um vocal feminino (de brasileira!) que promovem a aproximação consentida dos corpos que balançam, então, é de lei. Pela noite inteira.

2022 EM 70 MÚSICAS
06 | Spoon, Astral Jacket



Cada um têm a sua predileta do belo álbum que a banda veterana (pois é) lançou antes do carnaval – e todos com razão. Por aqui, o “tchu tchu tchu” introduzindo quatro minutos de devaneio celestial se mantém imbatível até o momento.

2022 EM 70 MÚSICAS
07 | Warpaint, Stevie



Você piscou e as minas do Warpaint viraram mulheres. Está sendo massa acompanhar como elas incorporaram humores diversos ao frescor que lhes é natural. Eternas molecas, avaliam os sentimentos de acordo com a vontade de dançar – junto.

NA HISTÓRIA
2016 | #11 New Song
2014 | #08 Disco/Very

2022 EM 70 MÚSICAS
08 | Khruangbin & Leon Bridges, Mariella



Fruto do segundo EP que o inventivo trio e o intenso cantor de R&B assinam em parceria. Vantagem para ambas as partes: um se tornou mais plácido, com guitarras que reluzem ao luar; outro, menos chorão, economizando a garganta.

NA HISTÓRIA
2020 | #04 Khruangbin, Time (You and I)
2020 | #21 Khruangbin, So We Won't Forget
2020 | #31 Texas Sun

2018 | #48 Leon Bridges, Beyond

2022 EM 70 MÚSICAS
09 | The Mars Volta, Blacklight Shine



Perto do seu ruidoso histórico musical, é uma das paradas mais acessíveis que os tex-chicanos já entregaram. Não fossem tão errados, teriam abusado do lastimado sentimiento em mi cinturita para facilitar a absorção. Deixa eles.

2022 EM 70 MÚSICAS
10 | Boulevards, Better Off Dead (ft Nikki Lane)



Também não conhecia. É o nome artístico do americano Jamil Rashad, talento em invocar os fundamentos black com reverência e referência. Soul, funk, rap e jazz no horizonte, no capricho e onde/como mais vir a calhar.

2022 EM 70 MÚSICAS
11 | Fernando Catatau, Quando o Dia Amanhecer



De frente, ele é outra pessoa que não precisa ir muito longe. Em seu primeiro solo, o mentor do Cidadão Instigado explora de modo superlativo os elementos que consolidaram a reputação da instituição cearense. Mais popular, mais cult.

NA HISTÓRIA
2015
 | #46 Ficção Científica

2022 EM 70 MÚSICAS
12 | Automatic, Venus Hour



Em 2019, ignorei o debute delas em disco. Agora, não vacilei e peguei single a single em cima do lance. Encontrei maldade e fofura, pose e graça, espontaneidade e dissimulação; a cara desta época em constante movimento automático.

2022 EM 70 MÚSICAS
13 | Chinaina, Carnaval Infinito



Mal começou o ano e de Pernambuco vinha a voz que anunciava: “Se não tem luz, a gente brilha”. Resistência e esperança que ganharam ares de previsão à medida que o breu se desmanchava no ar. Alegria não tem fim, trevas sim.

20221230

2022 EM 70 MÚSICAS
14 | Franz Ferdinand, Curious



Apesar de não despertar mais paixões com o vigor de outrora, permanece a mais regular das bandas da safra que alegrou o início do século.

NA HISTÓRIA
2013
 | #11 Love Illumination
2009
 | #05 No You Girls (Foamo Remix)

20221228

2022 EM 70 MÚSICAS
15 | Klypso, Low Rider (ft Snoop Dogg, War, Doggface)



Sua nova farofa predileta.

NA HISTÓRIA
2018 | #44 Anderson Paak, Anywhere (ft Snoop Dogg & The Last Artful, Dodgr)
2017 | #25 Snoop Dogg, Go On (ft October London)
2017 | #18 De La Soul, Pain (ft Snoop Dogg)
2015 | #04 Snoop Dogg, California Roll (ft Stevie Wonder)
2015 | #30 Snoop Dogg, This City
2015 | #59 Snoop Dogg, Peaches n Cream (ft Charlie Wilson)
2012 | #42 Snoop Lion, La La La

2022 EM 70 MÚSICAS
16 | Cypress Hill, Crossroads



Fazia tanto tempo que eles não apresentavam um bagulho digno de sua história que pensei que tinham careteado.

NA HISTÓRIA
2017 | #16 Prophets of Rage, Living on the 110
2016 | #12 Prophets of Rage, Prophets of Rage

2022 EM 70 MÚSICAS
17 | Crime Caqui, Estrago



Qualquer semelhança com Warpaint é pura admiração e elogio.

2022 EM 70 MÚSICAS
18 | The Golden Dregs, American Airlines



Última chamada para os passageiros do voo com destino ao sonho americano.

2022 EM 70 MÚSICAS
19 | Calvin Harris, Stay with me (ft Justin Timberlake, Halsey, Pharrell)


Entre o potencial e as oportunidades, Harris escolheu a fortuna. Errado não tá.

NA HISTÓRIA
2014 | #1 Pharrell Williams, Happy
2010 | #10 N.E.R.D, Hypnotize U (Boss in Drama Remix)
2008 | #5 Dizzee Rascal, Dance wiv me (ft Calvin Harris, Chrome)
2008 | #12 N.E.R.D, Happy
2007 | #3 Merrymaking at My Place

20221227

2022 EM 70 MÚSICAS
20 | LCD Soundsystem, New Body Rhumba



O tempo passa, o tempo voa, e James Murphy continua soando mais contemporâneo do que seus contemporâneos.

NA HISTÓRIA
2018
 | #10 (We Don't Need This) Fascist Groove Thang
2007
 | #01 Time to Get Away

2022 EM 70 MÚSICAS
21 | Sault, Life We Rent but Love Is Rent Free



Uma amostra do que aguarda quem tiver disposição para escutar os cinco discos que o misterioso coletivo londrino que mais trabalhou em 2022 lançou no mesmo dia.

NA HISTÓRIA
2020
 | #27 Free

2022 EM 70 MÚSICAS
22 | The Dream Syndicate, Damian



Daminhão Experiênça.

2022 EM 70 MÚSICAS
23 | Say She She, Blow My Mind



Uma das revelações do ano, as moças do Brooklyn vão explodir sua cabeça.

2022 EM 70 MÚSICAS
24 | The Black Keys, It Ain’t Over



Até a fórmula cansar, Dan Auerbach já garantiu sua aposentadoria.

NA HISTÓRIA
2019
 | #13 Under the Gun
2017
 | #03 Dan Auerbach, King of a One Horse Town
2017
 | #26 Dan Auerbach, Cherry Bomb
2017 | #26 Dan Auerbach, Never in My Wildest Dreams
2015
 | #06 The Arcs, Chains of Love
2015
 | #24 The Arcs, Everything You Do (You Do for You)
2015 | #53 The Arcs, Stay in My Corner
2014
 | #02 Turn Blue
2014
 | #44 Waiting on Words
2011
 | #11 Lonely Boy
2010
 | #02 The Only One

2022 EM 70 MÚSICAS
25 | Metronomy, Love Factory



Delicado e singelo definem o madrigal.

NA HISTÓRIA
2016
 | #49 16 Beat
2014
 | #41 I’m Aquarius

2022 EM 70 MÚSICAS
26 | De Lux, New Summers



Traga óculos escuros, porque a vibe é cintilante.

NA HISTÓRIA
2018
 | #20 Dollars

2022 EM 70 MÚSICAS
27 | The Smile, Skrting on the Surface



Rádio-cabeça.

NA HISTÓRIA
2016
 | #03 Radiohead, Numbers

2022 EM 70 MÚSICAS
28 | Breakbot & Irfane, The Light



E de um punhado de referências de uma década de 1980 idealizada surgiu a luz.

NA HISTÓRIA
2016
 | #34 Breakbot, My Toy
2015
 | #70 Breakbot, Back for More
2013
 | #05 Phoenix, Trying Be Cool (Breakbot Remix)
2012
 | #01 The Mayfly and the Light
2011
 | #10 Breakbot, Fantasy (ft Ruckazoid)
2010
 | #03 Jamaica, I Think I Like U 2 (Breakbot Remix)
2010
 | #07 Kavinsky, Night Call (ft Lovefoxx) (Breakbot Remix)
2008
 | #05 Pnau, Baby (Breakbot Remix)

2022 EM 70 MÚSICAS
29 | Maglore, A Vida É uma Aventura



A gente envelheceu
A gente superou
Cada momento em que
A vida foi mais dura
A história se escreveu
Em um final que não chegou

NA HISTÓRIA
2019
 | #42 Teago Oliveira, Tudo Pode Ser
2018
 | #58 Wado, Onda Diferente (ft Teago Oliveira)
2017
 | #35 Me Deixa Legal
2015
 | #68 Dança Diferente

2022 EM 70 MÚSICAS
30 | Buzzard Buzzard Buzzard New Age Millennial Magic



Power pop para dar aquela energizada desnecessária.

2022 EM 70 MÚSICAS
31 | Ghost Woman, Behind Your Eyes



Como eu me iludo fácil com o comum.

20221226

2022 EM 70 MÚSICAS
32 | Antonia Morais, Costura



Atriz. Estreia em disco. Só com regravações do pai – sendo que o pai é Orlando Morais. Jamais imaginei que chegaria o dia em que esta sequência de informações não me fizesse sair correndo.

2022 EM 70 MÚSICAS
33 | Beck, Old Man



Quando um artista que você gosta grava outro artista que você gosta.

NA HISTÓRIA
2021
 | #59 Natalie Bergman & Beck, You Got a Woman
2020
 | #53 Gorillaz, The Valley of the Pagans (ft Beck)
2019
 | #09 Dark Places
2019
 | #23 Stratosphere
2019
 | #53 See Through
2017
 | #31 Colors
2017
 | #65 Can't Help Falling in Love
2015
 | #19 Dreams
2014
 | #03 Don’t Let It Go
2014
 | #16 Morning
2008
 | #09 Profanity Prayers


2022 EM 70 MÚSICAS
34 | Russo Passapusso e Antonio Carlos & Jocafi, Ponta Pólen



Zim zim zum zum e não se fala mais nisso.

NA HISTÓRIA
2021
 | #15 BaianaSystem, Monopólio
2019
 | #30 BaianaSystem, Sonar (ft Curumin & Edgar)
2019
 | #44 BaianaSystem, Fogo
2016
 | #22 BaianaSystem, Bala na Agulha
2016
 | #39 BaianaSystem, Playsom
2014
 | #35 Russo Passapusso, Flor de Plástico

2022 EM 70 MÚSICAS
35 | Wet Leg, Wet Dream



Frescor autorizado apenas para menores de 30 anos.

NA HISTÓRIA
2021
 | #06 Chaise Longue

2022 EM 70 MÚSICAS
36 | Tagua Tagua, Tanto



Toda a classe de um embalo gostoso.

NA HISTÓRIA
2020
 | #14 Inteiro Metade
2020
 | #38 Só pra Ver

2022 EM 70 MÚSICAS
37 | The Frightnrs, 30-56



Quem corre é a bola, não o jogador.

2022 EM 70 MÚSICAS
38 | Gorillaz, New Gold (ft Tame Impala, Bootie Brown)



Os bacanas se identificam e se comprazem.

NA HISTÓRIA
2020
 | #53 The Valley of the Pagans (ft Beck)
2020
 | #30 Theophilus London, Only You (ft Tame Impala)
2015
 | #05 Mark Ronson, Daffodils (ft Kevin Parker)
2015
 | #07 Tame Impala, Reality In Motion
2015
 | #33 Tame Impala, ’Cause I’m A Man
2012
 | #03 Tame Impala, Elephant
2012
 | #10 Tame Impala, Mind Mischief
2010
 | #01 Tame Impala, Lucidity (Pilooski Remix)
2010
 | #04 Plastic Beach

2022 EM 70 MÚSICAS
39 | Julia Jacklin, I Was Neon



Não existiria originalidade se não houvesse o derivativo competente.

2022 EM 70 MÚSICAS
40 | So Many Days, Triptides



Moda de viola diretamente do agreste angeleno.

NA HISTÓRIA
2021
 | #40 Let It Go
2020
 | #39 Latitudes
2018
 | #36 Visitors

2022 EM 70 MÚSICAS
41 | Broken Bells, One Night



Sofisticação e requinte a serviço dos instintos mais primitivos.

NA HISTÓRIA
2014 | #05 Medicine
2010 | #06 The Ghost Inside
2008 | #01 Gnarls Barkley, A Little Better

2022 EM 70 MÚSICAS
42 | Planet Hemp, Jardineiro



Reivindicações antigas para um país que retrocedeu.

NA HISTÓRIA
2021
 | #03 Marcelo D2, Sementes (ft Os Crias)
2018
 | #16 Marcelo D2, Febre do Rato
2013
 | #36 Marcelo D2, Na Veia
2007
 | #08 Turbo Trio, Um Grau Acima

2022 EM 70 MÚSICAS
43 | Tommy and the Ohs, Old Perfume for a New Day



Lamento rasgado que dói.

2022 EM 70 MÚSICAS
44 | Criolo, Quem Planta Amor Aqui Vai Morrer



Ponto fora da curva de um disco em que tudo está no lugar muito certo.

NA HISTÓRIA
2021
 | #14 Fellini
2018
 | #01 Boca de Lobo
2017
 | #63 Menino Mimado
2014
 | #07 Fio de Prumo (ft Juçara Marçal)
2014
 | #23 Esquiva da Esgrima

2022 EM 70 MÚSICAS
45 | Ibibio Sound Machine, Something We'll Remember



Afromodernismo para pistas globalistas.

2022 EM 70 MÚSICAS
46 | Gabriels, One and Only



Canário do reino canta em qualquer lugar.

NA HISTÓRIA
2020
 | #02 Love and Hate in a Different Time

2022 EM 70 MÚSICAS
47 | Wado, Joana Dark (ft Fernanda Guimarães)



Folia, feitiço, fumaça & baba na fogueira do pecado.

NA HISTÓRIA
2021
 | #58 Lore B e Wado, Sem Pressa
2020
 | #49 Para Anthony Bourdain (ft Cris Braun)
2018
 | #58 Onda Diferente (ft Teago Oliveira)
2016
 | #10 Samba de Amor

2022 EM 70 MÚSICAS
48 | Glue Trip, Marcos Valle



Verão da lata regado a drinque azul.

NA HISTÓRIA
2018
 | #25 Fancy

2022 EM 70 MÚSICAS
49 | Young Guv, Only Wanna See U Tonite



Às vezes, um pop radiofônico no formato baixo, guitarra e bateria é tudo o que se precisa.

2022 EM 70 MÚSICAS
50 | Hollie Cook, Full Moon Baby



Nada mais punk que reggae para a filha do baterista dos Sex Pistols levar adiante o legado paterno.

NA HISTÓRIA
2018
 | #47 Silent Poets, Shine (ft Hollie Cook)
2018
 | #63 Turn It Around
2014
 | #18 Ari Up

2022 EM 70 MÚSICAS
51 | Dry Cleaning, Hot Penny Day



Adoro o jeito blasé com que a vocalista mastiga cada palavra por cima de um balanço suspeito para o padrão pós-punk.

NA HISTÓRIA
2021
 | #03 Scratchcard Lanyard

2022 EM 70 MÚSICAS
52 | Noporn, Contra Dança



Eu tenho preguiça das suas notícias
Velha-nova imagem
Pose passada, influência, pretensão
Acho triste a sua alegria
Amigos de foto
Caras sem assunto
#Gratidão

2022 EM 70 MÚSICAS
53 | Danger Mouse & Black Thought, Aquamarine (ft Michael Kiwanuka)



Bonito como um dedo na cara cheio de razão.

NA HISTÓRIA
2014
 | #05 Broken Bells, Medicine
2010
 | #06 Broken Bells, The Ghost Inside
2008
 | #01 Gnarls Barkley, A Little Better

2022 EM 70 MÚSICAS
54 | Phoenix, Alpha Zulu



Aleluia, Gretchen.

NA HISTÓRIA
2017
 | #01 Ti Amo
2013
 | #05 Trying Be Cool (Breakbot Remix)

2022 EM 70 MÚSICAS
55 | Alt-J, Hard Drive Gold



Há algo torto aí que me pegou.

NA HISTÓRIA
2014
 | #44 Every Other Freckle

2022 EM 70 MÚSICAS
56 | Melody's Echo Chamber, Alma



Muito difícil, quase impossível, uma voz feminina ronronando em francês não me convencer.

2022 EM 70 MÚSICAS
57 | Mystic Jungle, Hold on Your Dreams



Depois que descobri que o cara é italiano, passei a desconfiar demais do orégano da pizza dele.

2022 EM 70 MÚSICAS
58 | Monophonics, Love You Better



Tão atemporal quanto sofrer por amor.

2022 EM 70 MÚSICAS
59 | Arctic Monkeys, Body Paint



Sem o efeito surpresa do disco anterior, o crédito acumulado por Alex Turner segura o interesse – por enquanto.

NA HISTÓRIA
2018
 | #11 American Sports
2018
 | #38 Tranquility Base Hotel & Casino
2016
 | #08 The Last Shadow Puppets, Miracle Aligner
2013
 | #02 Snap Out of It

2022 EM 70 MÚSICAS
60 | Capitaum Floripa, Flores Aladas



O filme é bobildo. Os atores, uns fanfarrões. A música, uma delícia. Ou seja, a combinação perfeita para o sucesso.

2022 EM 70 MÚSICAS
61 | Pelados, Foda que Ela Era Linda



Esperava mais de tanto elogio que foi escrito a respeito, mas não é justo a banda pagar pela baixa altura da régua de terceiros.

2022 EM 70 MÚSICAS
62 | Soccer Mommy, Shotgun



Um indiezinho que, quando fica xarope, já conquistou pelo refrão.

2022 EM 70 MÚSICAS
63 | Urias, Foi Mal



Ninguém usa a palavra “reciprocidade” em uma letra sem superestimar o vocabulário do público. 

2022 EM 70 MÚSICAS
64 | Toro y Moi, Postman



Cada geração tem a ode ao carteiro que merece.

NA HISTÓRIA
2020
 | #32 Flume, The Difference (ft Toro y Moi)
2019
 | #39 Ordinary Pleasure
2017
 | #67 Labyrinth
2015
 | #32 Empty Nesters
2014
 | #32 Chromeo, Come Alive (ft Toro y Moi)
2013
 | #23 So Many Details
2011
 | #20 Still Sound

2022 EM 70 MÚSICAS
65 | King Gizzard and The Lizard Wizard, Kepler-22b



Psicodelia aplicada, nível intermediário.

2022 EM 70 MÚSICAS
66 | Tatá Aeroplano, Chá Delícia



Esteja onde estiver, Júpiter Maçã sorri, constrangido, por ter virado influencer.

2022 EM 70 MÚSICAS
67 | Young Gun Silver Fox, Tip of the Flame



As vantagens de ser adulto.

NA HISTÓRIA:
2021
 | #63 Who Needs Words
2015
 | #12 AM & Shawn Lee, Cold Tears
2013
 | #29 AM & Shawn Lee, Steppin’ Out
2011
 | #17 AM & Shawn Lee, Somebody Like You

2022 EM 70 MÚSICAS
68 | Bala Desejo, Lambe Lambe



Novos Baianos e Rita Lee entram em um apartamento na zona sul, todos de banho tomado.

2022 EM 70 MÚSICAS
69 | The Lazy Eyes, Where's My Brain?



Psicodelia aplicada, primeira fase.

2022 EM 70 MÚSICAS
70 | Baco Exu do Blues, 20 Ligações



Por trás de tanta marra também bate um coração. 

20220924

Quando uma ideia basta



Tinha Guns n’ Roses em São José. Tinha Jorge Ben, Planet Hemp, Emicida, Criolo e mais um monte de artistas no Eco Festival em Canasvieiras. Mas o maior nome do final de semana na Grande Florianópolis se apresentou de graça e cheio de graça ao meio-dia de domingo no centro da cidade: Lula, sempre ele. Seu show foi do tamanho da energia que emanava de cada canto da praça Tancredo Neves lotada.

O caminho para o local já indicava uma movimentação atípica. As ruas próximas, tradicionalmente desertas nas manhãs dominicais, estavam tomadas de pessoas trajadas de cidadania. O vermelho intenso do pau-brasil que batizou o país tingia camisetas, bonés e faixas em que predominavam a estrela com a inscrição “meu voto é secreto”, apenas a cara de Lula desenhada ou algum programa social criado no governo dele.

As filas serpenteavam pelo Tribunal de Contas até a frente do Instituto Estadual de Educação, na Mauro Ramos. A revista obrigatória para ultrapassar as grades de contenção que cercavam a praça tornava o escoamento ainda mais devagar. Naquele ritmo, o último só ia conseguir entrar às vésperas de um hipotético segundo turno. Então surgiu um rumor de que os portões haviam sido liberados e eu fui no fluxo.

Quando vi, estava no meio da multidão que se afunilava diante de um corredor gradeado. “Sem garrafas, nem de plástico!”, gritava um segurança. “Homens à esquerda, mulheres à direita”, organizava outro, alheio à frequência não-binária. Depois de ser apalpado pelos homens-de-preto, enfim pisei na arena onde foi montado o palco para Lula – que, como todo headliner, fecharia o evento.

Das muitas atrações que o antecederam, ninguém me tocou como Manuela D’Ávila. Ela falou dos riscos de ser progressista na região mais alinhada com o projeto do atraso, da exclusão, da violência. Dos últimos quatro anos impedidos de vestir nossas cores, defender nossas causas, empunhar nossas bandeiras. Chega de medo, eles que devem temer. Porque nossa vitória nunca esteve tão perto.

A companheira Janja puxou o coro para acompanhar o clipe com a nova versão do jingle histórico exibido no telão. Foi a deixa para Lula pegar o microfone e soltar a voz rouca que o público tanto esperava. O homem é um fenômeno: por mais que seu discurso seja previsível, é impossível não querer se convencer por ele – das conquistas de seus mandatos à garantia de um futuro solidário, próspero e gentil.

Enquanto Lula encantava, eu pensava no quanto o que ele simboliza é mais forte do que qualquer coisa que diga. “Lula é uma ideia” – e não tem como discordar. Quem experimentou sabe. Parecia que nada nem ninguém impediria nosso destino de brilhar. Vivia-se em uma dimensão tão distante do pesadelo atual que inclusive os brutos se fingiam civilizados, porque eram os códigos vigentes.

Ao mesmo tempo, fiquei viajando na “cultura do conforto” que Lula representa para mim. Como uma música, um livro ou um filme que me são familiares, suas palavras me transportam para uma época mais simples, da qual eu já conhecia o final e sempre acabava bem. Além do nada desprezível detalhe de que eu era 20 anos mais jovem e me cegava com uma felicidade que hoje somente olho de soslaio, desconfiado.

Meu presidente se despediu renovando a esperança de todos em dias melhores. À medida que me dispersava com a massa, ainda me lembrei de um artigo em que o filósofo Slavoj Zizek aborda o conceito da psicanálise de Lacan que prega que a verdade tem a estrutura de uma ficção. Em resumo, “a realidade é para aqueles que não podem suportar o sonho”. Lula me faz acreditar que posso.

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PLAYLIST | só pense no amanhã



Louco para desmentir o verso de Sergio Sampaio que diz “não há nada mais sozinho do que ser inteligente”.

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20220923

A casta só tem mais dinheiro



No anoitecer de sábado fui parar em um supermercado na área considerada nobre do centro de Florianópolis. Não é um estabelecimento que a classe social à qual pertenço permite que eu vá com frequência. O que me levou até lá foi a tentativa desesperada de aplacar com alguma guloseima a fome da carne que me é negada. Se não conseguisse nada para mimar o corpo, pensei, eu poderia alimentar a mente nutrindo o bichinho de estimação que substituiu o rancor depois que amadureci: o recalque.

O lugar é uma delícia. Em suas prateleiras resplandecem iguarias, fiambres, molhos, conservas, temperos e uma infinidade de produtos importados que não se encontra em nenhum outro concorrente local. É também um perigo. Um queijo francês aqui, um chocolate suíço ali, um pinot noir para acompanhar, e o cliente sai com uma sacolinha quase do valor do salário do caixa que registra as compras. Todos ficam felizes. Um, pela sua condição. Outro, pelo emprego.

Eu vagava pelos corredores cobiçando itens mais caros que uma cesta básica quando uma agitação nos fundos da loja interrompeu meu devaneio platônico-gastronômico. Era um ruidoso grupo de umas 30 pessoas, a maioria senhoras, postado em frente à confeitaria. Fingi que estava interessado em uma baguete semi-italiana na padaria ao lado e perguntei à atendente o porquê do aglomero. “Esse movimento aí é por causa da promoção”, respondeu ela.

A garota explicou que o preço de todos os doces do balcão caía pela metade meia hora antes de o supermercado fechar. “É que não abrimos aos domingos, daí perdem a validade”, completou. Deixa eu ver se entendi direito: aquele monte de representantes da burguesia estava esperando um tempão para pagar menos por bolos, torteletes, donuts, carolinas, folhados, rocamboles, queijadinhas e quejandos? Ah, de jeito nenhum que eu vou deixar de testemunhar isso!

Não me arrependi. Foi um espetáculo digno de uma ópera-bufa. Vovós que deviam ter mais carimbos no passaporte que eu na carteira de trabalho se empurrando, se acotovelando como a plebe nas liquidações dos atacarejos. Algumas não se continham e, com a fineza típica da elite floriputa, fiscalizavam os pedidos de quem havia chegado primeiro na fila. “Essa vai tirar a barriga da miséria!” “Ei, deixa um pouco para os outros!” “Tomara que sobre daquele que o Júnior adora.”

Maravilhado com o comportamento peculiar da freguesia, me mandei de mãos vazias e com a autoestima transbordando.

Aquela casta vive arrotando meritocracia, mas só tem o mérito de ser bem-nascida. Visita mais países que eu, mas não conhece nem a cidade onde mora como eu. Come em restaurantes estrelados, mas jamais experimentou os sabores que já provei. Não precisa fazer contas no final do mês, mas não conquistou o que conquistei. Dirige carrões, mas não lê livros tão bons ou ouve tantas músicas lindas quanto eu. Acumulou bens para envelhecer sem preocupações, mas eu amo e gozo mais.

Uma gentalha que não é nem nunca será melhor que eu. A única coisa que tem mais do que eu é dinheiro. E dinheiro eu ganho.

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PLAYLIST | você me mostrou o quanto o mundo é belo



Então eu embaraço os seus cabelos e você não me pede para parar.

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20220922

Ouça o cara que nasceu da flor



Respeito o Acaso como uma entidade e acolho seus desígnios com o fascínio de uma criança esperando o que o mágico vai tirar da cartola. Mas descobrir que Os The Darma Lóvers estão produzindo um documentário para marcar 25 anos de carreira me pegou de jeito. A notícia aparece logo no momento em que, mais uma vez, busco nas suas canções alento para desmanchar o rígido, serenidade para desfazer críticas e leveza para continuar sendo dissolvido pelo rio que transforma.

Tudo é miragem
Esse é um rito
De sonho e de passagem
A música da dupla que Nenung e Irinia formaram em 1998 me acompanha desde que ouvi o cara que nasceu da flor. No final de 2000, saiu o homônimo disco de estreia, tão simples quanto a capa que lhe rendeu a alcunha de “branquinho”: voz e violão com sininho aqui, pianinho ali, a irradiar aromas folk e mensagens diretas. Para um tipo bem estranho de bicho como eu, que simpatizava com budismo apesar de não ter nada de zen, foi conversão imediata.

Em março de 2001, caiu do céu uma viagem de São Paulo a Porto Alegre para cobrir a gravação do disco ao vivo da Tribo de Jah no bar Opinião. Era a oportunidade que eu precisava. Após cumprir meu dever com o reggae, decorei as Quatro Nobres Verdades, vesti uma camiseta com o ideograma do Om bordado e me mandei para Três Coroas. No topo de um dos morros que cercam a cidade a 90 quilômetros da capital gaúcha, repousava o Chagdud Gonpa Khadro Ling – o lar dos Darma Lóvers.

Caminhões com material de construção não paravam de subir a estrada de terra rumo ao primeiro templo budista no Brasil erguido nos moldes tradicionais tibetanos. Pedreiros se ocupavam com oito blocos de concreto em frente ao prédio principal. Nenung me explicou que eram as stupas, representações das qualidades da mente iluminada e dos feitos extraordinários do Buda histórico, Sidarta Gautama. Forradas de cobre e bronze, elas comportavam relíquias e textos sacros.
O tempo é um professor sem pressa, mas é exigente
E chega a hora de tornar o agir
Ficar mais claro, forte, mais inteligente
Mais adiante, enormes cilindros de ferro exigiram que o músico me desse outra aula. Com paciência milenar, ele disse que se chamavam rodas de oração e guardavam milhares de mantras (combinação de sons que simbolizam e comunicam a natureza de uma deidade e que conduzem à purificação e à realização) escritos e abençoados. Giradas em sentido horário, correspondem à recitação de todas as preces ali contidas. Eu nem tinha entrado no templo e já me sentia pronto para atingir o nirvana.

Lá dentro, pinturas em padrão tibetano decoravam as paredes e o teto. Ao fundo, havia estantes com os livros sagrados e centenas de taças com água sobre uma bancada que tomava toda a largura do recinto. Fiéis munidos de sadhanas (guias de meditação) sentavam em posição de lótus em colchonetes espalhados pelo chão para louvar Tara, a bodhisattva (alguém que desenvolveu bodhicitta, a aspiração de alcançar a iluminação em benefício de todos os seres) feminina da compaixão.

O casal morava em um chalé anexo ao mosteiro e seguia uma rotina de puja (prática conjunta de meditação) às 6h, café da manhã às 7h30, trabalho até 19h e mais puja para fechar o dia. Nenung recepcionava, Irinia ajudava na administração e cozinhava para o lama Rinpoche, nascido em 1930 no Tibete e reconhecido como a 16ª reencarnação do abade do monastério de Chagdug, naquele país. Com a ocupação chinesa em 1959, ele se exilou, rodou pelos EUA e se fixou em Três Coroas em 1995.
Não vou mais me repetir
Nem que eu quisesse isso
Outro dia e eu aqui
Novo, vasto e infinito
Foi Rinpoche quem rebatizou Irinia de Yang Zan (“melodiosa”, em tibetano) e Nenung de Pema Gyalpo (“rei do lótus”). Ué, Nenung já não era um nome oriental? “Não, vem de Pedro Verdum, jogador do Internacional na década de 1980. Minha turma começou a tirar sarro, Marcelo virou Marcelum; Marco, Marcum. Como sou Luís Fernando e meu apelido era Neno, virei Nenum”, elucidou o colorado. Aí, bastou trocar o “m” por “ng” para ficar com jeitão de algo do outro lado do mundo.

Deixei os Darma Lóvers se dedicarem à última puja do dia e fui embora com um mala (espécie de rosário budista) no pescoço e um monte de energia positiva no coração. Voltei a falar com Nenung por telefone em 2002, no lançamento do segundo álbum, Básico. Ele me contou que estava se preparando para o “desdobramento natural” de seu “projeto musical-existencial”: o isolamento em um retiro de três anos, três meses e três dias, com término previsto para 7 de setembro de 2005.

Reencontrei-os no extinto bar Drakkar, em Florianópolis, no show com base no disco Laranjas do Céu, de 2004. Não me lembro se foi naquele ano mesmo – o que significaria que Nenung abortou o período de clausura – ou no seguinte, só do CD autografado me desejando muita luz que guardo até hoje. Desfrutei de Simplesmente (2009) e Espaço! (2013), os trabalhos posteriores, mais como fã do que como “profissional da imprensa musical”. Nunca mais tive contato com eles.
Não vou mais ficar esperando ver se fico ou vou-me embora
Vou partir sem medo ao centro
Do que há dentro daqui de onde estou
Rinpoche desencarnou em 2002. O mantra de Tara – Om Tare Tam Soha – virou a tela do meu celular. Não sei se os Darma Lóvers permanecem na ativa, se se reúnem apenas em ocasiões especiais, se sua parceria ainda é conjugal ou somente artístico-espiritual. Mas é à música deles que eu sempre recorro quando me esqueço que não sou nada feito para durar neste mundo imenso que carrego em mim. Abraço a incerteza enquanto a vida quiser.

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PLAYLIST | sempre fica alguma coisa



Os filósofos não dizem nada que eu não possa dizer de onde vem essa vontade.

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20220921

Atendemos todos os convênios



Hoje estou determinado a escrever nada com nada. Sinto que serei bem-sucedido: mal cheguei à segunda frase e já estou enrolando. Poderia destravar isso expondo minha vertiginosa gangorra emocional, se interessasse a mais alguém além de mim. [Suspiro.] Mas, ei, posso falar da vida de outras pessoas – mais especificamente, da de mulheres com quem, sem planejar e muito menos esperar, consegui estabelecer uma relação quase telepática, pela qual agradeço todos os dias. Beijo, chicas!

Com elas, eu me desarmo e me mostro por inteiro, com meus defeitos, minhas fraquezas e meus medos, totalmente diferente da autoimagem que cultivo para consumo externo. Elas me dão colinho e passam a mão na minha cabeça e me falam o que, saído de outras bocas, me deixaria muito machucado porque são coisas que eu não gostaria de ouvir. Dito por elas, porém, ajuda a desconstruir o machinho estrutural que nunca reconheci que sou. Não conheço terapia melhor.

E elas também se abrem comigo. Sobre seus rompantes, seus desejos, suas frustrações. Não que eu tenha algo a ensiná-las, longe disso. Acho que veem em mim um cara com uma certa, er, experiência, embora eu seja um mero aprendiz nas artimanhas do coração. Talvez seja por isso mesmo: elas me ouvem para saber o que não devem fazer. Exceto um ou outro acerto involuntário, mais por coincidência do que pela minha suposta expertise, o contrário do que lhes digo é o que tem que ser feito.

Dia desses uma delas me procurou para falar do namorado. Reclamou que ele parecia reagir com indiferença aos planos que ela imaginava para os dois. Sugeri que, às vezes, a indiferença masculina é orgânica, um comportamento que a gente nem percebe que fere de tão instintivo que se apresenta. Insisti para ela conversar com ele a respeito, para que se o rompimento fosse inevitável não ficasse com a impressão de que uma palavra, um gesto, um afago mudaria o desfecho.

Outra me chamou para contar que estava saindo com um bonitão casado e queria minha opinião. Lembrei das aulas de geometria e lhe recomendei a identificar se esse triângulo era equilátero, isósceles ou escaleno. Ela boiou. Expliquei que, antes de tudo, ela tinha que descobrir o tamanho das vértices: se as três eram iguais, se duas eram iguais e uma diferente ou se todas eram diferentes. Ela me mandou um coraçãozinho e uma cara chorando de rir.

A primeira levou um papo reto com o namorado, ele saiu correndo e voltou no dia seguinte implorando para ela perdoar sua imaturidade.

A segunda dispensou o bonitão casado, encontrou outro (ignoro seu estado civil) e está apaixonadíssima.

As duas me garantiram que eu já estaria rico se começasse a cobrar pela consultoria sentimental.

O que estou precisando dinheiro nenhum compra, migas.

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PLAYLIST | quem sabe eu vá me encontrar por aí



Edição curtinha, com o tempo de leitura equivalente à duração padrão dos sucessos curtidos pela geração que não tem paciência (ou coragem) nem acredita em nada para sempre.

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20220920

Sempre acredite nos seus sonhos



Por motivos que não vêm ao caso, ando sonhador. Como me comprometi comigo mesmo, anoto o que sonhei tão logo acordo para não o esquecer antes de sair de cama. Semana passada, umas 6h, escuro ainda, arregalei os olhos. Eu havia sonhado com meu compadre rindo comigo. O detalhe é que ele não tinha as duas pernas e se divertia com as próteses. Fiquei bem impressionado mesmo.

Meu padrinho de crisma – a “confirmação do batismo”, sacramento natural para um adolescente criado sob os tradicionais preceitos da família católica – gostava de interpretar as cenas que lhe assaltavam enquanto dormia. Chegava ao requinte de dar uma cochiladinha pós-almoço em busca de inspiração para apostar no jogo do bicho das 4h da tarde. Se perdia ou se ganhava, o importante é que ele sonhava.

Em Chuva de Estrelas – O Sonho Iniciático no Sufismo e Taoísmo, o historiador Peter Lamborn Wilson (procure saber) apresenta a experiência onírica como um instrumento de elevação espiritual que transcende as duas doutrinas orientais do subtítulo. Tem no Corão, no I Ching, em manuais do antigo Egito, em escritos mediúnicos da América Central, no xamanismo e nos primórdios do cristianismo.

Nos apêndices, o autor ensina macetes para decifrar a, na definição do Aurélio, “sequência de fenômenos psíquicos (imagens, representações, atos, ideias etc) que involuntariamente ocorrem durante o sono”. São orações práticas e exercícios que conduzem a revelações inalcançáveis para os infiéis. Não testei nenhuma, vai que funcionem. A última coisa que quero é saber o que vai (me) acontecer.

Depois de muito ruminar, tomei coragem para o óbvio: pesquisar na grande rede mundial de computadores se Morfeu estava tentando me dizer algo. Teclei “sonhar com amputação em outra pessoa”, surgiu “aflições imprevistas”. Digitei “sonhar com perna cortada de outra pessoa”, apareceu “você está tentando fugir dos problemas em vez de enfrentá-los”. Bati “sonhar com pessoas mortas e mutiladas”, veio “reflexão sobre o futuro”.

Foi aí que entendi por que a gente sempre deve acreditar nos nossos sonhos.

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Lista negra



A bibliografia sobre o movimento black brasileiro ainda é pequena, mas está crescendo. O mais novo integrante dessa turma da pesada é Dançando na Mira da Ditadura, disponível para download gratuito & legal. O livro do historiador Lucas Pedretti mostra – com documentos – a perseguição do aparelho repressivo do governo militar aos bailões no Rio de Janeiro nos anos 1970. Para os agentes do funesto Departamento de Ordem Política e Social (Dops), a cor da pele e o jeito que os frequentadores se divertiam era um sinal inequívoco de subversão. Naquele tempo, a alegria de viver já era ofensiva para esse pessoal ressentido.

***

(Em 2017, outra obra similar me fez escrever o seguinte para o Diário Catarinense:)

Bem-vindo ao Brasil da década de 1970. Um país onde reina a igualdade, desde que sua pele seja da cor adequada. Impera a liberdade, desde que não ameace a soberania nacional. Abunda a fraternidade, desde que você saiba o seu lugar. Foi nesse contexto de instituições em pleno funcionamento que dos subúrbios cariocas emergiu uma cultura musical para dar voz, visibilidade e afirmação à juventude negra. A história é recuperada agora com passos coreografados, gírias e muito ritmo pelo livro 1976 – Movimento Black Rio, de Luiz Felipe de Lima Peixoto e Zé Octávio Sebadelhe.

Em 17 de julho daquele ano, uma reportagem assinada por Lena Frias no Jornal do Brasil descreveu a onda que bombava em mais de 300 bailes periferia adentro. Sem querer, o título da matéria acabou batizando o fenômeno, que já existia havia pelo menos cinco anos e até então não tinha nome nem se organizava como movimento: “Black Rio, o orgulho (importado) de ser negro no Brasil”. Em quatro páginas, a zona sul era apresentada a equipes de som e discotecários despejando funk e soul americanos para pistas lotadas por uma moçada guerreira e esperta.

Furacão 2000, Black Power e Cash Box disputavam o posto de donas da parafernália sonora mais potente. Mister Funky Santos, Ademir Lemos e Big Boy competiam para ver quem rolava os maiores sucessos do momento nas carrapetas. Gerson King Combo, Carlos Dafé e Banda Black Rio pediam passagem com trabalhos autorais. E, acima de tudo e de todos, pairava Tim Maia, representante-mor do groove gringo adaptado para a realidade local. De repente, a MPB descobria que “negro é lindo” e absorvia as influências. O cidadão de bem ligava a televisão e se deparava com um balanço diferente na trilha da novela.

Em uma época de ânimos acirrados e polaridade latente, a exposição dos brothers na mídia incomodava geral. A direita temia pela radicalização da luta contra o racismo. A esquerda reagia contra o que considerava um desprezo ao samba como legítima música dos despossuídos. O futuro próximo desmoralizaria ambos os lados. O movimento não morreria; iria se dispersar por diversos estilos. Um deles seria o funk carioca que pariu Anitta, hoje invadindo as paradas dos Estados Unidos. Não deixa de ser uma justiça poética para um movimento acusado de somente copiar o que vinha de fora.