20141226

Feliz do ano que não foi só alegria


(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

A música do ano uniu radicais e moderados, bregas e descolados, público e crítica – todo mundo repetindo feliz o refrão de um single que saiu no final de 2013, atravessou o réveillon, foi lançado em disco e continua contagiante. Para equilibrar os níveis de euforia, nos últimos 12 meses também não faltaram canções lembrando o que poetas como Vinícius de Moraes a Wander Wildner estão cansados de saber: é melhor ser alegre do que ser triste, mas não dá para ser alegre o tempo inteiro. Se a boa música é uma forma de oração, 2014 reservou pelo menos os dez momentos cheios de graça a seguir.

10 | IT’S TOO LATE, THE EXCELSIORS
Em seu novo projeto, o inglês Shane Hunt transformou o sucesso mundial de Carole King (1971) em um soul clássico, trocando o açúcar original por veneno para apaixonados.



09 | FENCE ME IN, ERLEND ØYE
Um norueguês enfiado em um estúdio na Islândia com músicos locais. Tudo conspirava para um frio dos diabos, mas de lá saiu esta esta joinha refrescante com leve acento jamaicano.



08 | DISCO//VERY, WARPAINT
Baixo e bateria fazendo a cama para as garotas do quarteto californiano cantarem em uníssono. Ficou sexy de um jeito tão estranho e original que é impossível não pensar besteira.



07 | FIO DE PRUMO, CRIOLO
O santo baixa na cantora Juçara Marçal e fecha o novo disco do, vá lá, rapper paulistano com uma experiência quase religiosa. Quando ele então começa a rimar, os infiéis já estão convertidos.



06 | CIDADE NOVA, BANDA DO MAR
Apesar da melancolia que as viúvas de Los Hermanos adoram sentir, Marcelo Camelo não deixa o tempo parar e evoca os seus clichês – a rosa, o mar, o sereno – a serviço da redenção.



05 | MEDICINE, BROKEN BELLS
A concepção de pop da dupla formada por Danger Mouse-James Mercer (The Shins) não abre mão de psicodelia em doses discretas, usada apenas para realçar os efeitos do tarja-preta receitado.



04 | ROMEO, THIAGO PETHIT
“Baby, quando eu te vi, eu não soube dizer/ Se queria matar, se queria... meter.” Com versos assim, emoldurados por uma balada em que doçura e dureza se confundem, não há como resistir.



03 | DON’T LET IT GO, BECK
Entre as “modas de viola” que o trovador oferece no álbum Morning Phase, nenhuma provoca tantas dúvidas quanto às suas intenções. Para cima ou para baixo, conforme o humor.



02 | TURN BLUE, THE BLACK KEYS
Recém-divorciado, Dan Auerbach dividiu a situação com o ouvinte, certo de que sempre haverá algum coração pronto para se comover com falsetes extraídos da alma.



01 | HAPPY, PHARRELL WILLIAMS
Acostumado à fortuna em hits de terceiros, o produtor e compositor emplaca o maior sucesso da carreira com um apelo que não admite contestação: simples, direto e universal.

44 MÚSICAS DE 2014
11 | IS THIS HOW YOU FEEL?, THE PREATURES

44 MÚSICAS DE 2014
12 | EVERY OTHER FRECKLE, ALT-J

44 MÚSICAS DE 2014
13 | I'M WITH IT, AER

44 MÚSICAS DE 2014
14 | YOUNG TROUBLE, SINKANE

44 MÚSICAS DE 2014
15 | COME ALIVE, CHROMEO [FT TORO Y MOI]

44 MÚSICAS DE 2014
16 | MORNING, BECK

44 MÚSICAS DE 2014
17 | COMO ERA BOM, CACHORRO GRANDE

44 MÚSICAS DE 2014
18 | ARI UP, HOLLIE COOK

44 MÚSICAS DE 2014
19 | VOCÊ ME DEVE, RACIONAIS MC'S

44 MÚSICAS DE 2014
20| DEU RUIM, ADRIANO CINTRA

44 MÚSICAS DE 2014
21 | TROPICAL CHANCER, LA ROUX

44 MÚSICAS DE 2014
22 | STOPTHISTRAIN, PRINCE & 3RDEYEGIRL

20141219

Os melhores discos de 2014

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense) 

Que rufem os tambores! Eis que é chegada a hora dos melhores discos do ano. A seleção baseou-se na audição de 150 títulos de diversos estilos, da qual foram escolhidos dez tendo como critério o gosto pessoal & intransferível – o mais verdadeiro juiz. Há lançamento após a consagração da estreia, trabalho solo, projeto paralelo, álbum de carreira. Curiosamente, as quatro primeiras colocações pertenceram a artistas que começam com “B”, o que talvez guarde algum significado além das piadas óbvias provocadas pela letra. Se o seu predileto não estiver na lista, não se irrite: ele ficou em 11º.

10 | HOLLIE COOK, Twice
O pai, baterista dos Sex Pistols, ensinou a filha a evitar as más companhias. Ela seguiu o conselho e, em vez de punk, preferiu o reggae. OUÇA: “Ari Up”, “Desdemona, “Postman”.



09 | LA ROUX, Trouble in Paradise
Na busca por uma nova “In for the Kill”, descobre-se que a dupla inglesa conta com outros apelos para incrementar a pista. OUÇA: “Tropical Chancer”, “Sexoteque”, “Kiss and Not Tell”.



08 | SINKANE, Mean Love
Com influências que vão de Curtis Mayfield a Peter Tosh, o cantor sudanês conquista com soul e R&B cheios de classe e paixão. OUÇA: “Young Trouble”, “How We Be”, “Hold Tight”.



07 | THIAGO PETHIT, Rock'n'Roll Sugar Darling
Ninguém foi mais rocker neste ano do que o artista paulistano encarnando a estética (e os cacoetes) do gênero. OUÇA: “Romeo”, “Rock’n’Roll Sugar Darling”, “Perdedor”.



06 | CRIOLO, Convoque Seu Buda
Chamá-lo de rapper é simplificar demais o seu talento, diante da riqueza de estilos que reveste suas rimas. OUÇA: “Esquiva da Esgrima”, “Cartão de Visita”, “Fio de Prumo”.



05 | ERLEND ØYE, Legao
Típico gringo com a cabeça feita pela praia e pelo sol, o norueguês reverencia o Brasil com um punhado de levadas ideais para relaxar à beira-mar. OUÇA: “Fence me In”, “Garota”, “Whistler”.



04 | BANDA DO MAR, Banda do Mar
Praticamente um Tribalistas do mundo indie, com Camelo como Arnaldo, Mallu como Marisa e nenhum Brown nas imediações. OUÇA: “Cidade Nova”, “Me Sinto Ótima”, “Hey Nana”.



03 | BROKEN BELLS, After the Disco
Quando não está produzindo obras-primas alheias, Danger Mouse se junta com James Mercer (The Shins) para dignificar o pop. OUÇA: “Medicine”, “Holding On for Life”, “After the Disco”.



02 | THE BLACK KEYS, Turn Blue
Mais um disco com as digitais de Danger Mouse, que traduziu a dor do guitarrista Dan Auerbach em climões ora sujos, ora lancinantes. OUÇA: “Turn Blue”, “Fever”, “Waiting on Words”.



01 | BECK, Morning Phase
Desde Sea Change (2002) que ele não aparecia com um disco tão dilacerante e belo. Na época, a culpa era da fossa. Agora, deve ser da idade. OUÇA: “Don’t Let It Go”, “Blue Moon”, “Morning”.

20141212

O desconhecido que virou mito



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

A grande revelação da música em 2014 gravou seu último disco há 29 anos, mora na Nigéria e renega o passado. William Onyeabor era um completo desconhecido no primeiro mundo até ser descoberto por David Byrne. A exemplo do que fez com Tom Zé, Mutantes e Tim Maia, o ex-Talking Heads lançou uma coletânea – Who Is William Onyeabor? – pelo seu selo, Luaka Bop. A compilação foi um aperitivo para o prato principal: uma caixa com todos os álbuns do dito cujo. Finalmente, o Ocidente sabe o que estava perdendo.

Lenda ou verdade, a história de Onyeabor é tão fascinante quanto sua obra. Nascido no final da década de 1940 em Enugu, no sudeste nigeriano, ele começou a formação musical no piano. A guerra civil entre 1967 e 1970 o levou a deixar o país para estudar cinematografia na então União Soviética. Na volta, abriu uma produtora de filmes e gravadora, a Wilfilms. Em seguida, converteu-se ao cristianismo, largou a carreira artística e hoje é dono de um moinho de farinha, um cibercafé e um posto de gasolina.

Enquanto ainda não havia encontrado Jesus, Onyeabor cunhou música divina. De 1977 a 1985, compôs, cantou, produziu e provavelmente tocou todos os instrumentos em oito discos. Seu funk, quebrado como Parliament e épico como Fela Kuti, não tinha paralelo na época e permanece atual. Para celebrá-lo, Byrne montou a banda Atomic Bomb (nome de um dos clássicos do africano), que inclui integrantes do Hot Chip, The Rapture e LCD Soundsystem, todos fãs dessa figura que não dá entrevistas e despreza o interesse do consumidor branco. Assim se cria um mito.

Sempre encantador
O Wilco já está por aí há 20 anos com uma regularidade impressionante. Primeiro misturando rock alternativo com country, depois evoluindo a ponto de não se prender a apenas um estilo, mas nunca diminuindo a qualidade. As duas décadas de carreira da banda americana são devidamente esquadrinhadas na compilação What’s Your 20? Essential Tracks 1994-2014. Em 38 faixas extraídas de seus oito discos, o CD duplo mostra por que o líder Jeff Tweedy deveria ser mais respeitado como um dos grandes artistas de sua geração.



Abaixo a monarquia
Um rei tem súditos. Roberto Carlos precisa de um amigo – daqueles que avisam quando o desodorante vence, há um tatu no nariz ou o cofrinho está aparecendo. Só a ausência de alguém por perto com essa liberdade explica a sucessão de micos envolvendo seu nome. Da censura da biografia ao bife publicitário, o cantor tem feito de tudo para passar à posteridade como um bundão. Duetos 2 vai por aí, trazendo os sucessos de sempre acompanhados por sumidades como MC Leozinho e Claudia Leitte. Nem a tia aguenta mais.

20141205

Tempo de se conformar


(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Banda como Smashing Pumpkins, que preguiça. Com mais de 20 e menos de 30 anos, ainda não fez a curva para ser considerada clássica nem para posar de vintage. É só... velha – na acepção “a fila andou” do termo. O grupo lança o nono disco no dia 9. Já é seu quarto álbum após voltar em 2007. Fosse o primeiro desde então, daria no mesmo. Por mais que siga oferecendo músicas novas, a banda está tão fora do contexto que passa a sensação de girar em um retorno contínuo, renascendo cada vez menor. A história que se vire com Monuments to an Elegy.

O Smashing Pumpkins merece crédito pelos discos que gravou entre 1991 e 1995, Gish, Siamese Dreams e Mellon Collie and the Infinite Sadness, dignos representantes do rock alternativo daquela década. Dali em diante, o negócio descambou, com o líder Billy Corgan cristalizando-se no modo xarope. Qual um Paulo Ricardo americano, ele se aventurou solo, inventou outra banda (Zwan), cercou-se de uma formação diferente por álbum. Não há marca que resista a tanto desgaste, mas o careca dobra a aposta.

Suas fichas neste segundo capítulo da trilogia iniciada em 2012 com Oceania (e prevista para acabar em 2015 com Day for Night) são “Being Beige”, “Anaise!”, “One and All” ou “Dorian”. Nenhuma tem viço suficiente para convencer a molecada que pira com os Arctic Monkeys. Todas soam apenas razoáveis para o antigo fã, hoje um “adulto contemporâneo”. Quando muito, dão saudade da época em que o Smashing Pumpkins foi importante. Não pela banda, e sim pela juventude que o tempo engoliu.

Adoçante anti-estresse
A repórter Layse Ventura indicou Classics, do She & Him, com entusiasmo. “O disco alivia essa tensão e dureza do mundo, essa coisa cinza, cheia de fumaça”, defendeu. “Fora que o que pode ser mais fofo do que Zooey Deschanel no clipe do single ‘Why Do You Let Me Stay Here?’?” Ela tem razão: os standards de música popular americana gravadas ao vivo pela dupla com uma orquestra são ideais para deixar rolar enquanto se faz outra coisa – ou nada. Queixas contra a delicadeza, por favor, devem ser dirigidas à colega.



Monumento ao sossego
Ernest Ranglin está convidando para uma visita à Jamaica regada a jazz. Em Bless Up, como o guitarrista de 82 anos cai bem. O disco traz as influências da ilha – mento, ska, reggae, rock steady – diluídas em instrumentais que desanuviam a mente, pacificam o espírito e embalam sonhos. Só resta lhe desejar saúde para continuar lançando lufadas do naipe de “Bra Joe for Kilimanjaro”, “Follow On” e “El Mescalero”.