20190130

Proposta de novo Hino Nacional Brasileiro

Só dá Ramones. Nem em 1984, quando conheci a banda nas fitinhas cassete de uma gurizada gaudéria que passava o verão na Laguna, curti tanto como agora. Assim que se confirmaram as trevas, elegi Joe, Johnny, Dee Dee e Tommy (depois Marky) como as melhores companhias para a alienação-cidadã. Nada de notícia previsível sobre ignorantes-com-iniciativa, nada de grupo xarope no zap (e sou tão elegante que não saí de nenhum, apenas ignoro & limpo ao final do dia), nada de debate com gente rudimentar. Escapismo acima de tudo, gabba gabba hey acima de todos.

Está dando mais ou menos certo. Durante dois, três minutos, cada faixa converge para a fuga desejada. O problema é essa mania feia de fazer conexões entre os versos e as aberrações que se tornaram normais após a consagração da estupidez. Inconsciente e involuntariamente, sempre encontro uma canção do grupo sob medida para descrever uma sociedade indefensável. Para quem acreditou em mamadeira de piroca, levar a sério uma das regras do clássico “Commando” – “comer salame kosher” – é um pulo, ainda mais porque vem acompanhada por “não falar com comunistas” e “ser bom para a mamãe”.

Se a associação fosse mantida só na base da ironia, tudo bem. Mas é capaz de as terapias receitadas em “Gimme Gimme Shock Treatment” e “Teenage Lobotomy” serem adotadas pelo SUS. Até a desventura narrada em “The KKK Took My Baby Away” soa verossímil no país em que ameaças de morte são comemoradas pelos patetas que se descobriram maioria em “Pinhead”. Já que é assim, fica a sugestão de trocar o hino nacional por uma canção mais condizente com um país liberto da doutrinação marxista. Trump vai entender a letra, o cidadão de bem irá se sentir representado e a contagem de 1 a 7 lembra que acabou o viés ideológico.

É fácil decorar:



Dança dos Cretinos

Não há como impedir os idiotas de dançarem
Você tem que continuar a batida
Para todos os cretinos que dançam
Cretinos! Cretinos!

Vou dar uma volta com minha garota cretina
Meus pés não param
De dançar a dança cretina
Cretino! Cretino!

1-2-3-4
Cretinos querem dançar um pouco mais
4-5-6-7
Todos os bons cretinos vão para o céu

20190125

O lado que comanda Santa Catarina

Lançado na edição de 31 de outubro e 1º de novembro de 2015 do Diário Catarinense, o caderno Nós acabou – pelo menos em essência – em algum momento entre fevereiro e março de 2018. Foi quando, sob orientação da então recém-chegada nova direção de jornalismo do grupo que edita o jornal, temas que os leitores gostariam de ignorar deram lugar a amenidades como “ano sabático” e “homens que ajudam (sic) as mulheres no trabalho doméstico”. Como a equipe original já havia sido desmobilizada, deslocada ou simplesmente desligada, não houve nenhuma resistência.

Até virar um aleijão editorial e gráfico, escrever no Nós valia quase como uma distinção. O escalado tinha que ter – ou dar a impressão que tinha – informação, repertório e estilo para segurar uma matéria de dez laudas. Em uma realidade diária dominada por duas laudinhas e olhe lá, equivalia a um tratado. Era uma baita vitrine. Colegas de outros estados viam o resultado e não acreditavam como um pequeno jornal de um mercado idem mantinha um suplemento de oito páginas, sem um reles anúncio publicitário, dedicado a um único assunto.

Nem toda semana havia a Grande Pauta Indiscutível, aquela que se impunha quer pela urgência, quer pela pertinência. Nesses casos, a saída era tentar compensar na redação, contando uma história de um jeito interessante o suficiente para instigar o leitor a encarar a massa de texto por inteiro. Todos os envolvidos tratavam o caderno como um xodó – não vou citar nomes porque não consultei ninguém se poderia, ainda que para elogiar. Por ser o único profissional exclusivo da editoria Nós, assinei a maioria das matérias, inclusive as duas esdrúxulas mencionadas no primeiro parágrafo. Vou reproduzir algumas aqui.

(Um) Por respeito.

(Dois) Por vaidade.

(Três) Por dinheiro? Procure-me em PVT, pliz.

***



Não existia uma ideia clara sobre o que exatamente o Nós trataria. Havia apenas um consenso: não poderia ser confundido com um caderno de cultura. O conceito – “Santa Catarina no plural”, expresso no manifesto escrito pela melhor editora que conheço, hoje amigona – era amplo o suficiente para abrigar de denúncias a perfis, desde que se encaixassem na definição de "grande reportagem" não somente pelo tamanho, pudessem ser defendidas com galhardia na reunião com a chefia e, lógico, fossem catarinenses. Pensa daqui, pensa dali, para deixar claro logo de cara qual seria a pegada do caderno, ficou definido que no primeiro número seria investigada a resposta da pergunta que, para mim, sempre foi uma afirmação: Somos de direita?”.

Caderno
Nós #1, 31 de outubro e 1º de novembro de 2015 | 2591 palavras | 20 minutos


São quase 23h e a quinta-feira do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB) está longe de acabar. Duas horas e meia depois de deixar Brasília no mesmo voo que Esperidião Amin (PP) e Jorginho Mello (PR), seus companheiros na bancada catarinense, ele desembarca em Florianópolis com o compromisso de passar em Itapema para um jantar em comemoração à recondução ao cargo de vereador do peemedebista Eraldo Mafra, cassado em outubro de 2013 por sonegação fiscal. O dia cheio e a agenda apertada não o impedem, porém, de arrumar tempo para falar da pauta com a qual ganhou o noticiário nacional: o Estatuto do Desarmamento – ou melhor, sua revogação.

— O objetivo do PL 3722-2012 não é armar a população, e sim dar ao cidadão o direito de autodefesa — sustenta o parlamentar, em meio a cumprimentos de correligionários no aeroporto Hercílio Luz, sobre o projeto de lei que regula a posse, o porte e o comércio de armas de fogo e munição no Brasil.

A proposta, a origem do autor e a notoriedade que ela alcançou fazem de Peninha hoje a figura que mais encarna, divulga e alimenta a crença de que Santa Catarina seria um Estado de direita. As urnas reforçam essa percepção. Desde a redemocratização em 1982, apenas um em cada cinco dos eleitos pelos catarinenses para vereador, prefeito, deputado estadual, federal, senador e governador situa-se à esquerda. Na corrida presidencial, os principais candidatos de oposição ao governo petista ganhariam as três últimas eleições já no primeiro turno se computados somente os votos catarinenses.

— Mas não dá para dizer que o Estado é de direita com base nos resultados das eleições, pois a maioria dos partidos brasileiros não têm coerência ideológica. Devido à necessidade de conquistar o eleitor médio, que em geral está no centro, e selar alianças para sobreviver politicamente, os partidos fazem concessões que os afastam de seus programas, sejam de direita ou de esquerda — analisa o professor Jean Castro, do Departamento de Sociologia e Ciências Políticas da UFSC.

Um estudo sobre as coligações no Estado entre 1986 e 2004 feito pelo cientista político Yan de Souza Carreirão comprova a tese. Sobretudo nas candidaturas a prefeito, a estratégia de compor chapas com média (centro + direita ou esquerda) ou fraca (direita + esquerda) coerência ideológica apresentou um rendimento superior aos daquelas mais consistentes. Coligados foram maioria (61%) e venceram mais (47%, ante 28% dos que concorrem por um partido isolado) quanto mais misturados estiveram. Dos dois terços das coalizões envolvendo siglas de campos ideológicos diferentes, metade saiu vitoriosa, contra 40% das formadas por afins.

Ou seja, na política real o antagonismo direita-esquerda muitas vezes transforma-se em parceria, para arrepio do que Castro define como franjas minoritárias do eleitorado que têm posições ideológicas mais marcadas. Talvez não tão minoritárias assim e, com certeza, bastante barulhentas. Peninha tem rodado o país com a proposta bélico-protetora. Em Santa Catarina, realizou duas audiências públicas. Uma em Blumenau, a maior cidade de sua base eleitoral, o Vale do Itajaí. Na plateia estavam vários senhores com trajes típicos germânicos, representando as tradições dos colonizadores da região – como os sociedades de atiradores (schützenverein), associações recreativas sempre mencionadas por Peninha para justificar a convivência de seus eleitores com armas desde pequenos.

Outra em Chapecó, reduto do deputado federal João Rodrigues (PSD), autor de projeto que permite a taxistas e motoristas de caminhão portarem armas no trabalho. Peninha foi ovacionado em ambas – tanto quanto o maior entusiasta da ideia e presença constante nesses encontros, o também parlamentar Jair Bolsonaro (PP-RJ), que não esconde de ninguém para qual lado pende. Em outubro, o carioca voltou a Blumenau, novamente a convite do catarinense, para um final de semana na Oktoberfest. De macacãozinho e chapéu, poderia ser confundido com um nativo, não fossem o sotaque, o tratamento de popstar que recebeu e a tez, mediterrânea demais para os padrões saxônico-blumenauenses. Participou do desfile, estrelou uma infinidade de selfies, foi saudado pelos populares. “Sinto que o que eu falo é o que esse povo também quer falar”, exultou antes de voltar para casa.


Ao longo do século 20, a política catarinense foi dominada por duas famílias com raízes no Partido Conservador. Os Ramos, de Lages, eram ligados a grandes produtores rurais da Serra. Os Konder Bornhausen, de Itajaí, ao comércio marítimo e fluvial, à indústria têxtil do Vale do Itajaí e à fundação do primeiro banco de crédito do Estado, o Inco (Banco da Indústria e Comércio, comprado pelo Bradesco em 1960). Os dois clãs ocuparam o governo por dez mandatos e o Senado por oito.

A rivalidade entre eles, embora todos militassem no Partido Republicano Catarinense, acentuou-se com a revolução de 1930. O governador Adolfo Konder foi deposto pela Aliança Liberal e, em seu lugar, assumiu Nereu Ramos, simpático a Getúlio Vargas. Com o fim do Estado Novo em 1945, os Konder Bornhausen passaram a comandar a União Democrática Nacional (UDN), de direita; os Ramos, o Partido Social Democrático (PSD), de centro-direita. O golpe de 1964 os reuniu na Aliança Renovadora Nacional (Arena) em nome do combate à “ameaça comunista”.

Atritos circunstanciais – como a indicação de Colombo Salles, um engenheiro sem experiência política da ala renovadora da Arena, pelo presidente Médici para o governo estadual em 1971 – não impediram que a dobradinha seguisse. Mas, à falta de herdeiros com a vocação de Vidal, Nereu, Celso e Aderbal, os Ramos viram sua influência diminuir com a nomeação de Antônio Carlos Konder Reis e Jorge Konder Bornhausen como governadores em 1975 e 1979.

O retorno das eleições diretas para o governo em 1982 consagrou Esperidião Amin, que já era quase da família: com a bênção dos Konder Bornhausen, fora nomeado prefeito de Florianópolis em 1975. A criatura iria se voltar contra o criador em 1986. Naquele pleito, ele e Jorge lançaram candidatos separados e perderam juntos para Pedro Ivo Campos (PMDB). A ascensão de uma corrente de centro, identificada com os adversários do regime militar, alteraria para sempre as forças no tabuleiro político local.

— Deve-se questionar essa história de Santa Catarina como Estado oligárquico. Com mais de 30 anos de democracia, já houve uma desconcentração. As oligarquias controlavam o sistema político com a máquina na mão. Hoje, têm que disputar eleições, compor com outros — diz o cientista político Carlos Eduardo Sell, da UFSC.

O bipartidarismo imposto pela ditadura, no entanto, continua dando as cartas no Executivo estadual. Mesmo com a abertura para novos partidos em 1982, todos os governadores catarinenses de lá para cá pertencem a agremiações com a Arena em seu DNA, como PDS, PFL (futuros PP e DEM) e o PSD (ao qual o governador Raimundo Colombo, ex-pefelista, é filiado), ou ao sucessor do MDB. Sell vê nisso uma polaridade própria da político, ainda que o cenário esteja cada vez mais pulverizado. Amin credita ao fato de que “ninguém gerou tantas lideranças quando PDS e MDB” e aponta para a falência do modelo direita-esquerda.

— São conceitos ultrapassados. Santa Catarina é um Estado conservador com preocupação social. Mais do que partido, o catarinense vota levando em conta uma palavra: confiança — diz o deputado.

Amin fala com conhecimento de causa. Conquistou mais um mandato para a prefeitura da Capital em 1998, entrou no Senado em 1990 e reelegeu-se em primeiro lugar para a Câmara no ano passado com 230 mil votos. Na sucessão estadual de 2002 e 2006 e na municipal de 2008, concorreu com os peemedebistas Luiz Henrique da Silveira e Dário Berger (ex-PFL e ex-PSDB, atualmente senador). Pelo visto, o eleitor confiou mais nos adversários dele.

Jorge Bornhausen, hoje aposentado da política partidária, e o filho, o ex-deputado federal Paulinho, presidente de um partido com “socialista” na sigla (PSB), negaram-se a atender a reportagem. Paulinho deu a entender que a conceituação é uma preocupação maior da academia do que do eleitor. Contudo, o patriarca já se manifestou a respeito.

“A direita não cabe no figurino brasileiro. Temos que considerar nossas condições sociais. Não podemos querer uma economia de mercado pura, sem um Estado regulador. Temos que fazer com que o Estado seja um instrumento a serviço do cidadão, especialmente o menos favorecido. Sem isso, os pobres não terão oportunidades justas nem seus direitos básicos preservados. Não é a questão de Estado máximo e Estado mínimo, mas do Estado necessário”, declarou ele em 2006.


Natural de Nova Trento, Peninha foi cursar Agronomia em Pelotas (RS), de onde voltou com o diploma e o apelido que incorporou ao seu registro eleitoral. Os anos lhe somaram quilos e subtraíram cabelos, mas, na época, a magreza e a vasta cabeleira lhe valeram a comparação com o personagem de Walt Disney. Mudou-se para Ituporanga em 1976, quando passou em concurso público para a Acaresc, atual Epagri. Em 1988, elegeu-se vice-prefeito da cidade pelo PMDB. No ano seguinte, votou no candidato do partido, Ulysses Guimarães, para presidente no primeiro turno. No segundo, fez campanha para Lula contra Collor.

— Hoje, de jeito nenhum votaria no PT, mesmo com o meu partido sendo aliado. Nas minhas redes sociais, se em algum momento eu falo da Dilma, o meu eleitor protesta. Ele não aceita o PT — garante o deputado, um dos 22 peemedebistas que assinaram documento pedindo o rompimento com o governo federal.

Esse mesmo eleitor aceita Bolsonaro e endossa com gosto algumas propostas controversas do nova-trentino. No Votenaweb – site de “engajamento cívico apartidário” no qual 380 mil internautas cadastrados podem votar nos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional –, Peninha é o parlamentar de Santa Catarina com a maior média de participação por projeto. Em aprovação, fica em sexto, com 88% dos catarinenses favoráveis ao fim do Estatuto do Desarmamento, 84% à proibição de cotas raciais em concursos públicos e 94% à extinção da contribuição sindical obrigatória. O único reprovado é o que proíbe tatuagem nos olhos, com 72% de rejeição.

Peninha apoia a redução da maioridade penal, “principalmente para crimes hediondos”. Rechaça a descriminalização das drogas, “todas”. Tolera aborto “somente em determinados casos, como estupro e doenças que ponham a mãe ou o feto em risco”. E diz que respeita a união homoafetiva, mas é contra a adoção nesses casos porque acha que “para uma família constituída dessa forma – homem com homem, mulher com mulher – é muito difícil dar uma educação à criança como deveria”.

Os vereadores pensam parecido com ele. No primeiro censo legislativo municipal catarinense, realizado neste ano, a maioria deles mostra-se contrária a um afrouxamento das leis antidrogas (70%) e ao direito de a mulher interromper a gravidez (59%). A opinião de que o sistema de cotas raciais nas universidades aumenta a discriminação é compartilhada por 63%.

A diferença em relação ao deputado está no tamanho do Estado brasileiro e no posicionamento ideológico. Com exceção dos serviços bancários, grande parte dos vereadores acredita que só o governo que deve administrar setores como educação, saúde, aposentadoria e previdência social e infraestrutura. Eles se declaram de centro (32%), centro-direita (22,7%) e direita (19%).

— Em todo o Brasil, ainda há uma certa reserva em se assumir como conservador ou de direita porque essas são características associadas ao período da ditadura — entrega o cientista político Sell.

Peninha não está nem aí para a patrulha:

— Defendo uma maior liberdade da produção, do capital, e menor intervenção do Estado na economia. O Estado deveria cuidar apenas da saúde, educação… até infraestrutura pode delegar. Se posições assim forem consideradas de direita, então eu sou de direita — admite.

“Liberal em questões econômicas e conservador nas sociais”, ele se elegeu à prefeitura de Ituporanga em 1992 e, a partir de 1998, ingressou no Legislativo, sempre crescendo em número de votos. No estadual, recebeu 25 mil naquele ano, 35 mil em 2002 e 55 mil em 2006. No federal, 110 mil em 2010 e 137 mil em 2014, tornando-se o quinto mais votado do Estado.


Um dos eleitores de Peninha é o coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL) em Santa Catarina, Alexandre Paiva, de 39 anos. Presente em 15 cidades catarinenses, o MBL se denomina “uma entidade apartidária que visa a mobilizar cidadãos em favor de uma sociedade mais livre, justa e próspera”. Na prática, está por trás das gigantescas manifestações contra o governo que começaram a sacudir o país logo após a reeleição de Dilma Rousseff. São passeatas em que nem todo mundo que participa é de direita, mas todo mundo que é de direita participa. Paiva acha graça do jogo de palavras, mas não embarca nele.

— Politicamente, me defino como “indignado”. Ou você é vermelhinho, ou você é azulzinho. Palhaçada! A questão não é partido, é todo o sistema que está errado — exalta-se.

Para consertá-lo, o MBL foca-se no impeachment da presidente e nas eleições de 2016. Segundo o coordenador, o movimento tem sido procurado por diversos partidos, de todos os lados porque tem o eles precisam: “Gente e poder de mobilização.” O que mais o atrai é o recém-criado Partido Novo, devido ao seu viés liberal. Ele próprio, inclusive, ajudou a recolher assinaturas e deu entrada das fichas coletadas no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) – um partido requer de pelo menos nove diretórios e 492 mil assinaturas certificadas para ser criado.

— Até por formação pessoal, nunca aceitei nada de mão beijada. Vim de família pobre e consegui montar meu comércio, pago escola particular para minhas duas filhas. Me incomoda o pensamento que o Estado é o provedor de tudo. Sou um “minarquista”, quero um Estado mínimo — diz.

Paiva está no tele-entrega de pizzas que abriu em 2008 no bairro dos Ingleses, em Florianópolis. Ele nasceu em São Paulo, filho de uma dona de casa e de um autônomo que vendia batata em um caminhão. Trabalha desde os dez anos “em feira, embrulhando peixe, vendendo limão”. Começou a estudar Administração e logo parou porque não tinha como pagar a faculdade. Aos 20, foi morar junto com a namorada, com quem mudou-se para a Capital catarinense em 2000.

Até trocar de profissão, tirava o sustento da família do serviço de perícia em sinistros que prestava para uma empresa de seguros, combinado com o salário da esposa, bancária. Agora, Paiva divide seu tempo e uma parcela dos R$ 5 mil que ganha em média no ramo de margueritas e portuguesas promovendo o movimento.

— Foi em um dos encontros do MBL em Florianópolis que surgiu a ideia da Vista Direita. Vi uma camiseta escrita “não existe almoço grátis”, tentei comprar e não tinha mais — lembra o bancário Daniel Peçanha, de 27 anos, que viu ali uma oportunidade de negócio.

Ele e um sócio investiram R$ 40 mil na grife. Fizeram 2,4 mil camisetas com estampas de ícones do neoliberalismo (Margaret Thatcher, Ronald Reagan) e mensagens como “comunismo mata” e “livre mercado”. O valor foi recuperado logo na primeira leva. Em junho do ano passado, chegaram a vender quase a metade delas. Conforme Peçanha, 50% dos pedidos vêm de São Paulo. Santa Catarina responde por 10%, “mais de Joinville e Blumenau”.

— Me considero um liberal conservador. Família, para mim, é o núcleo formado por pai, mãe e filho, mas não tento impor isso a ninguém nem quero que o Estado interfira na vida das pessoas — pondera.

Paiva vai além. Para o dirigente do MBL, o Estado não deve se meter na economia nem no comportamento individual. Por isso votou em Peninha em 2014: em seu entender, a prerrogativa de ter ou não uma arma é exclusiva do cidadão. O deputado já teve um .38 quando rodava pelo interior como agrônomo. Desfez-se do revólver por causa da “burocracia”. Com a aprovação do projeto, pretende comprar um novo assim que possível. Ele ainda não decidiu o calibre, mas sempre sacou com a direita.

20190123

Estoicismo

E há um outro sentimento que serve de grande consolo na pobreza. Acredito que todos que ficaram duros já experimentaram. É um sentimento de alívio, quase de prazer, de você saber que está, por fim, genuinamente na pior. Tantas vezes você falou sobre entrar pelo cano – e, bem, aqui está o cano, você entrou nele e é capaz de aguentar. Isso elimina um bocado de ansiedade.
(ORWELL, George, em Na Pior em Paris e em Londres, 1933)

Agora isto aqui vai bombar

Nada como a combinação indigesta nauseabunda de capitalismo burro & gestores selvagens (e vice-versa) para movimentar a IMPRENSA INDEPENDENTE.