20080329

20080326

Marcas do que se foi

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Aprendi a ler identificando logotipos. Via a propaganda na TV e depois apontava para a placa ou para o rótulo na rua, fingindo para os meus pais que estava lendo. Não demorou para eu descobrir que é isso que as letras são: signos, que funcionam sozinhos e combinados com outros signos. Donde meu contentamento com essa coleção de logos dos anos 70 distribuída em 120 páginas em ordem alfabética, disponível online ou em formato acrobático. Fui direto no F, seco para COPIAR alguma coisa que me possibilitasse ficar tirando onda de vintage. Mas não me encantei com nada. Vou ter de me inspirar em marcas iniciadas com outra letra e fazer as devidas adaptações. Aí já deixa de ser crime e vira antropofagia.

20080324

A notícia é velha, mas ainda cheira bem

Uma companhia alemã lançou Vulva, descrito como “o precioso odor vaginal em uma pequena ampola de vidro”. O perfume, direcionado ao público masculino, deve ser aplicado em pequenas doses na mão para que “o irresistível cheiro de uma vagina sensual imediatamente intensifique suas fantasias eróticas e um filme comece a rodar em – os parênteses são meus – sua(s) cabeça(s)”.

Fiquei tentado a fabricar uma versão nacional do produto. Aceito sugestões de nomes e fragrâncias.


20080323

Florianópolis, 282 anos e contando

Parabéns à Ilha de Santa Catarina, na voz de seu melhor artista.

20080322

20080319

Kid Vinil, Clube da Luta e Dazaranha na estréia da CÉLULA

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Um lugar com palco grande e som de qualidade. Um ambiente para as pessoas dançarem, se conhecerem, se divertirem. Um espaço focado na música, mas também aberto ao teatro, à literatura, à moda, às artes plásticas e às demais manifestações artístico-culturais. Bem-vindo à Célula, cuja inauguração ocorre nesta quinta (20/3) com festa para 300 convidados embalada pelos DJs Kid Vinil e Kerem Ulken.

Sob a direção de Gastão Moreira, o novo núcleo da cultura alternativa de Florianópolis vai sediar shows todas as sextas e sábados. Neste primeiro final de semana de atividades, a Célula promove mais uma edição do Clube da Luta no dia 21 e, no dia 22, recebe a banda Dazaranha. Além de uma estrutura completa para apresentações ao vivo, a casa é composta por bar, estúdio de gravação e local para oficinas.

A atração principal da estréia da Célula, Kid Vinil, é figura emblemática do pop nacional. Punk, new wave, rock: não houve estilo nestes últimos 30 anos em que ele não estivesse envolvido, seja como artista, radialista ou agitador. Atualmente, Kid Vinil divide o tempo entre sua banda e as discotecagens, nas quais recorre a todo o seu vasto conhecimento musical para encher a pista com as últimas novidades sonoras.

O outro DJ da noite, Kerem Ulken, traz para a ilha a vibração com que rege a noite multiétnica Shanta em Baltimore (EUA), movida a elegantes sets de trip hop, lounge e house.

SEXTA 21
O Clube da Luta invade o palco da Célula com três bandas, cada uma com suas armas. O Kratera mostra sua força arrastando peso. Andrey & a Baba do Dragão de Komodo dispara rajadas de rock concreto. E Mekron exibe toda a sua “paixão indemoniada [sic]” pelo lado sombrio da alma humana.

SÁBADO 22
Referência no circuito musical do Estado com quatro discos lançados em quinze anos de estrada, a banda Dazaranha joga em casa: o grupo surgiu e ensaia no mesmo bairro onde está localizada a Célula. Com a torcida a favor, então, a expectativa é de goleada.

***

Sou stakeholder. Se Jah permitir, jornalismo, agora, só aqui – sem exigir nada em troca além do meu tesão de volta.

20080318

TEASER

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20080317

5ª NOITE: Estilo é o nome daquele carro da Fiat

Decorridas quatro noites, 22 desfiles, duas festas e um sem-número de micos pagos, todos os envolvidos chegaram ao estertores do evento felizes, satisfeitos & doidos para que acabasse de uma vez. Vamos combinar: não há cristão que agüente as mesmas modelos, as mesmas poses, a mesma histeria das fãs ante os famosos de terça a sábado. Nem as estudantes de moda que vieram de Chapecó suportaram a maratona, preferindo passar boa parte do tempo no espaço reservado ao tabagismo consciente falando mal dos outros com aquele sotaque delicioso. Como diz a saudosa canção da banda Repolho, “a gente não fuma, a gente não bebe, nosso único defeito é gostarderóque”. Alô pessoal do Oeste, aquele abrazzz!

|||°L°||| Para testar a disposição dos convivas, a noite começou com os desfiles dos alunos do curso de moda da Udesc. Foram TREZE estilistas e suas respectivas coleções sob o tema “Expressividades Latinas”. Chamaram a atenção os looks “marinhos” de Stangherlin, inspirados na obra do folclorista local Franklin Cascaes; as “santas insanas” de Camila Maciel; os detalhes em (acho que era) arame nos vestidos longos de Valeria Chaves; e as mafaldas de Glaucia Cechinel, com balõezinhos na cabeça citando a personagem de Quino. Fica a expectativa pelo que essa gente vai vestir na formatura.

|||°L°||| O clichê se sustenta: Grazi Massafera esbanjou simpatia e beleza. De vestidinho preto, ela apimentou o desfile da Lesa-Lesa ao sentar em um apoio na ponta da passarela, deixando as pernocas mais avontz. Cauã Raymond passa bem, muito bem.

|||°L°||| A Biguá veio com suas tradicionais jaquetas e camisas para caretas nos dias úteis que querem dar uma de antenados nos finais de semana. A trilha – Bossa N’Stones – evidenciava ainda mais o público-alvo da grife: funcionários de estatais que são bons genros, embora dêem suas escapadelas, furem fila e estacionem seus carros em fila dupla. Não adianta, concurso é destino.

|||°L°||| “Quando a gente ama, a gente cuida”. Cauã Raymond pode não conhecer este verso clááássico de Peninha (imortalizado pelos lábios trêmulos de Caetano Veloso), mas desfilou pouco depois de sua amásia. O ator estava a serviço da Morma2, marca de e para surfista. Não à toa, o primeiro a entrar na passarela foi um cidadão de roupa de borracha e capacete. Cauã? Não, um atleta patrocinado. Tremendo anticlímax.

|||°L°||| Na coletiva, Cauã (sempre este nome silvícola!) tirou onda – e isso não tem nada a ver com o surfe que diz praticar. Questionado se usava batom, respondeu: “Perguntem para a Grazi”. Nessa hora, a miss já estava o esperando no hotel. E eu já tinha uma bela declaração para encerrar esta cobertura. Foi um prazer trabalhar Contigo.


4ª NOITE: Sobrou conceito, faltou jabô

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Com poucos famosos programados para trotar na passarela, pude finalmente prestar atenção nas roupas. Dei sorte (?!): era a noite dos três estilistas escolhidos pelo Wake Up Fashion, um concurso para revelar novos talentos. Como é um pessoal ainda não estabelecido, há chances maiores de se ver algo diferente, experimental, que não priorize a aceitação comercial. Foi o que aconteceu – nas coleções, na trilha sonora, na dinâmica dos desfiles. As modelos de Marcussoon entraram juntas e ficaram indo para lá e para cá, como se estivessem perdidas sob a luz estroboscópica. Influenciada pelos musicais e pelo cinema noir, Ilma Godoy veio toda coquete, embalada por Frank Sinatra, Louis Armstrong e “Singin’ in the Rain”. Paule Valle ousou mais, botando homem de saia, cachecol, bota sete léguas e sem camisa. Acredite, há um conceito por trás. O chato é quando esse mesmo conceito começa a fungar no cangote e roçar o dedão no tornozelo.

|||°L°||| A Renner, copatrocinadora do evento, inviabilizou qualquer tentativa de trocadilho ao dividir seu desfile entra as trocentas marcas que possui. Um DJ e um trompetista faziam o som, mudando a cadência de acordo com a proposta de cada. O ator Rodrigo Veronese (“o Mateus de Beleza Pura”) desfilou em todas, salvo nas voltadas somente ao público feminino. Não consegui localizar as estamparias ikats, definidas como “étnica indonesiana [sic]”.

|||°L°||| Você sabe o que é jabô? Eu aprendi.

|||°L°||| O prometido “visual Jedi” da Kaloonga também ficou na ameaça-fantasma.

|||°L°||| Na Jimmy, a grande estrela foi Bárbara Evans Clark, “a filha da Monique Evans”. Era aquela menina de perna fina que entrou com a estilista no final. Pensei que fosse parente, mas o nariz é igual ao da mãe.

|||°L°||| Hits da noite: “Music: Response”, dos Chemical Brothers (Kaloonga), e “Kittin Is High”, de Miss Kittin (Jimmy).

|||°L°||| Conforme prometido, fiz a tatuagem de maquiagem no estande da Fatura. Submeti meu antebraço à caligrafia refinada de DaniMãos de Fada”, que escreveu os dois primeiros versos da música abaixo. Se descolar a foto, publico-a aqui para mostrar a obra.


20080316

3ª NOITE: Tão famosos quanto seus últimos papéis

Um evento de moda pode ser uma bela oportunidade para testar seus conhecimentos televisivos. Na chamada “noite dos globais”, por exemplo, descobri que sou um completo ignorante na matéria. Suas entrevistas coletivas lotam de fotógrafos, câmeras e repórteres. Seus fãs espremem-se na grade colocada entre a parede envidraçada da sala de imprensa e o saguão (lounge). São famosos, portanto. Ou melhor, estão famosos, tanto quanto seu último papel. Nunca tinha ouvido falar de nenhum dos atores e atrizes anunciados para desfilar. Minto: Rafael Calomeni eu sabia quem era (“aquele carinha que pegava a Suzana Vieira naquela novela, né?”). Foi aí que eu comecei a ficar realmente preocupado.

|||°L°||| Juliana Nascimento aos poucos vai substituindo o aposto de “ex-BBB” pelo de “a Gislaine de Duas Caras”. A negra linda atendeu à mídia com o mesmo vestido preto com que desfilara instantes antes pela N’Loser. Como não tinha microfone, tive de ler aqueles lábios carnudos que sorriam incessantemente. Tudo pela informação.

|||°L°||| A gritaria começa tão logo ele surge na passarela da Ditiei. Quem é? Marco Antônio Gimenez. Quem? Um dos vilões de Malhação. Quem? Está participando da Dança dos Famosos no Faustão. Quem? Irmão da Luciana Gimenez. Meu Deus, em que planeta eu vivo?

|||°L°||| Não foi menor o alvoroço que recepcionou o supracitado Calomeni, atração da Damulher. A coleção Futurismo Urbano da grife propunha “um inverno sensual que ultrapassa o desafio da superação e o recomeço”. “O Hércules da última novela das sete” entendeu direitinho. Vestia jeans, camiseta, tênis e jaqueta.

|||°L°||| Em vez de gastar com celebridades, a Mob Rules investiu no desfile-show. Projeção de vídeo com imagens do dia-a-dia corrido das metrópoloes misturadas a referências plácidas da cultura tibetana, apresentação de dançarinos de street e uma trilha sonora de arrebentar – a cargo da dupla Discobot – tornaram secundário o que viria a seguir. Quando entrou “A Cause des Garçons”, o jogo já estava ganho. Para a marca, que atraíra o maior público até então; e para a francesa Yelle, pela segunda vez lembrada em meio à insipidez reinante nas caixas de som.

|||°L°||| Retificação: houve, sim, um ator no desfile da Mob Rules. Então aquele frisson todo era por causa de Júlio Rocha, o João Batista, motorista de Marconi Ferraço em Duas Caras. Muito prazer.

|||°L°||| Tem tatuagem no estande da Fatura. Feita de maquiagem, dura um dia. Experimentarei.


20080314

A moda não incomoda quem se acomoda

Pensei que era pelo fato de ser apenas a primeira noite. Mas veio a segunda e corroborou: o negócio da moda já está tão “inserido na paisagem” que – isto é um elogio – até os clichês inevitáveis de um evento ligado ao setor perderam seu apelo e, pior, sua graça. Nem para ilustrar o ridículo inato de todo ser humano serve mais, a menos que você faça parte da massa acrítica que se deslumbra por qualquer coisa. Assim sendo, nada mais resta que não recorrer à mordacidade forçada:

|||°L°||| A história mostra que, em qualquer atividade, o nome é decisivo para salvar ou arruinar carreiras. Ninguém temeria um rapper que se apresentasse como Pedro Paulo Soares Pereira ou prestaria atenção no talento de Isabel Mebarak Rippol. A regra não vale entre as grifes participantes desta oitava edição.

|||°L°||| As duas presenças mais esperadas na primeira noite, Rodrigo Hilbert e Maryeva, não deram as caras. Ou, como dizem os finos, “fizeram forfait”. Anunciado pelo locutor como “o Ronildo (ou algo que o valha) da novela Duas Caras”, ela desfilaria para a Retook (pronuncia-se – sério! – “Retoque”) se o avião funcionasse. Ela, conforme confidenciado por fonte fidedigna, pisaria na passarela vestindo Ronnie Von Dutch “pela camaradagem”. Deve ter mudado de idéia.

|||°L°||| Supla é um cara tão safo que, ao tropeçar logo no início do trajeto reservado aos modelos da Putamania, saiu cambaleando como se fosse uma performance. Em tempo: o figurino cotidiano do papito é muito mais istáile do que os três looks que ele apresentou.

|||°L°||| Stephany Britto (“a fulana da novela tal”) abriu o desfile da Kata Bagana toda de preto ao som de um remix de “A Cause des Garçons”. No entanto, nem o traje usado, nitidamente inspirado em Ivete-Sangalo-no-Maraca, nem a versão do hit da francesinha, pontuada pela repetição de uma palavra muito parecida com “buceta” (ouça ao final do post), foram capazes de conferir sex appeal à atriz. Ao vivo e a cores, é uma criança de 20 anos. Tudo bem, Pato tem 18.

|||°L°||| Aliás, sobre as trilhas sonoras, desnecessário dizer que imperou a mesmice. Tanto que qualquer som que não fosse o housezinho sem personalidade era suficiente para chamar a atenção. A Ronnie Von Dutch veio embalada pelos acordes iniciais de “The End” (The Doors) fundida com “Killing in a Arab” (The Cure) antes de descambar para a tecnêra habitual, interrompida apenas por “Rock the Casbah” (Clash). Tritão, Coach e Teenage também se destacaram, confirmando a tendência de que o rock voltou a ser in.

|||°L°||| Quando Gianne Albertoni e Mariana Weickert desfilaram para, respectivamente, Taturana e Teenage, ficou muito clara a diferença entre modelo e manequim. Enquanto as manecas locais passaram quase batidas, as duas irromperam toda poderosas. O porte, o andar, a postura, enfim, há alguma coisa nelas que as transforma em entidades na passarela. “Atitude”, diagnosticou uma colega. “E decotão”, suspirei.

Vamos ver o que a terceira noite nos reserva. Espero reparar mais nas roupas. [Como você pode notar, isto foi escrito para ser publicado ontem, o que não ocorreu devido a um problema de ordem monopólica: os terminais da sala de imprensa, mesmo vazios, estavam reservados ao jornal que realiza o evento.]

20080311

Por trás destas costelas também bate um coração

Teclo diretamente da cheirosa sala de imprensa do Floripa Fashion Donna DC. Fui escalado por uma revista para cobrir o evento, de onde pretendo postar nos próximos seis dias. O slogan desta quinta edição é "moda sem controle" — o que não quer dizer rigorosamente nada e ainda me lembrou a última vez que algum mago do marketing recorreu à apelo semelhante. Em uma temporada, a substituição de apenas três letras alterou todo o significado original. Marcos Mion (aquele) que o diga.

20080310

Coral no coração, comida na boca

(Quarta de quatro matérias escritas em 2005 para o Visit Florida. Versão do autor.)

A segunda-feira mais original da minha vida começou de um jeito bem comum. Olhando para a cara amarrotada no espelho, fiz as mesmas promessas que todo mundo faz no primeiro dia útil da semana. Minha vantagem em relação à maioria da humanidade era estar em South Miami Beach, me preparando para viajar até Key West. Dirigir pela mítica US 1 fazia uma diferença e tanto para eu acreditar que conseguiria parar de fumar, de comer fritura e de deixar tudo para amanhã. Ou para não pensar nisso; não enquanto estivesse percorrendo os 260 quilômetros que separavam meu hotel na Ocean Drive do ponto mais ao Sul dos Estados Unidos em busca do peculiar, do insólito, do pitoresco deste pedaço da Flórida.

Já havia visto inúmeras imagens do asfalto rasgando o mar azul-turquesa, mas minha excitação devia-se ao número da rodovia. Afinal, nada é chamado de “Um” sem motivo. Com 3.846 quilômetros de extensão, a estrada passa pelas maiores cidades de 15 Estados da Costa Leste norte-americana indo até o Maine, na fronteira com o Canadá. Alguns antigos percursos duplicados pela US 1 conservam seus nomes de época, como a South Dixie Highway. É nesse trecho que cruza Homestead, em uma esquina à esquerda de quem está descendo o mapa, que se localiza uma das atrações mais inusitadas da Flórida. As formas que se erguem sobre seus muros bastam para aguçar minha curiosidade. A história que envolve sua construção torna Coral Castle ainda mais extraordinário.

Conhece a expressão “louco de pedra”? Pois Ed Leedskalnin era um louco de outro material. Seria apenas mais um imigrante europeu que aportou na América sonhando com melhores oportunidades, não tivesse partido de sua Letônia natal com o coração dilacerado por uma garota de 16 anos: às vésperas do casamento, ela o abandonou. Assim que descolou uma grana no Novo Mundo, Ed comprou um terreno e resolveu homenagear sua Sweet Sixteen. Com as mãos e usando ferramentas que ele próprio desenvolveu, de 1920 a 1940 esculpiu portões, camas, lounge, churrasqueira, sala de estar, refeitório, relógio de sol, sofás; enfim, tudo o que se espera de um lar. Que ele tenha modelado blocos de cerca de 30 toneladas sem ajuda, é louvável. Que tenha sido por amor, é comovente. Que tudo seja de coral, é de cair o queixo.

Coral Castle já ficou para trás à medida que a paisagem pantanosa de Everglades vai ocupando as margens da US 1. A placa avisa que crocodilos costumam atravessar a pista. Não vi nenhum. Tenho certeza porque crocodilos não fazem “crac” ao serem atropelados. Confiro pelo retrovisor que, sem querer, acabo de acrescentar a panqueca de caranguejo ao rico cardápio de frutos do mar das Keys – inglês para “cayo”, como os pioneiros espanhóis referiam-se às ilhas estreitas que compõem a região. Apropriadamente, o trecho da US 1 que liga essas tripas de terra, composto por 42 pontes, chama-se Overseas Highway. Daqui a 126 milhas (201 quilômetros), os Estados Unidos terminam. Ou começam, dependendo do ponto de vista.

De Key Largo, a mais larga das cinco grandes Keys, ao ponto extremo Sul do país, em Key West, é quase obrigatório parar em Islamorada. Na “capital mundial da pesca esportiva”, os turistas são recepcionados por uma lagosta de dez metros. Mesmo sem ter sido pescado por ninguém, o crustáceo gigante enfeita nove em cada dez fotografias tiradas em Treasure Village (milha 86,7). O fato de ser uma réplica não importa, até porque espécimes vivíssimos me aguardavam dez milhas adiante. Passando a ponte Lignunvitae, dobrei à direita e parei em frente a uma simples cabana de madeira. Mas eu não estava ali para avaliar a arquitetura. Nem para alugar um barco, a especialidade do Robbie’s.

O responsável pela fama do estabelecimento encontra-se dentro do mar. Ou melhor, os responsáveis: dezenas de tarpons (peixes da família do dourado brasileiro), que ficam rodeando o píer rudimentar nos fundos da cabana. O cardume só faz crescer desde que o dono do negócio salvou um deles - e lá se vão 18 anos! Com a mandíbula direita devidamente costurada (daí o apelido), “Scarface” foi devolvido ao oceano. Por condicionamento, interesse ou qualquer outro nome que se dê para instinto, ele sempre retornava para ganhar comida. Apesar de ter morrido na última década, os peixes que costumavam acompanhá-lo continuaram freqüentando o lugar à procura de alimento.

Agora, era a minha vez de honrar a coexistência pacífica entre Robbie Reckwerdt e Scarface. Comprei dois baldes de manjubinhas a dois dólares cada e caminhei até a beira do trapiche. O reflexo de minha sombra na água funcionou como um sinal para que os dourados se agitassem, antevendo a hora do almoço. Atirei uma na água. Como cachorros atrás de um osso, uma porção deles saiu em disparada atrás do quitute. Da prática, surgiu a confiança. Em pouco tempo, eu não estava jogando mais as manjubinhas, e sim as segurando para que os peixes pulassem para pegá-las na minha mão. Com os baldes vazios e cheio de orgulho por minha ousadia, voltei para a cabana.

Sobre o balcão, reportagens caprichosamente encadernadas mostravam gente – inclusive crianças – muito mais corajosa do que eu. “Arranha um pouquinho, mas não tem perigo”, garantiu a atendente ao perceber minha apreensão ao ver pessoas enfiando o braço inteiro na boca do peixe para alimentá-lo. Aleguei que precisava seguir viagem e, gentilmente, recusei sua oferta de mais um balde. “Além disso, eles têm de ter espaço no estômago para alegrar os próximos visitantes”, brinquei. Minha mão ainda cheirava a peixe quando anoiteceu e as primeiras luzes de Key West acenderam no horizonte. No rádio, a 99.5 Classic Rock rolava “We Are The Champions”. Depois de um dia inteiro descendo a US 1 (para um percurso que, em circunstâncias normais, levaria três horas e meia) sem lembrar do cigarro, achei que tinha todo o direito de cantar com Freddie Mercury.

20080309

Presente para gregos de todas as idades

(Terceira de quatro matérias escritas em 2005 para o Visit Florida. Versão do autor.)

Nos mastros e postes, tremulam bandeiras com listras azuis e brancas, a cruz nos mesmos tons marcando o canto superior direito. As ruas têm nomes como Athens e Dodecanese. Em vez de hambúrguer, gyro. Já estava quase acreditando que havia chegado em alguma vila perdida no Mediterrâneo quando avistei o cartaz improvisado escrito com pincel atômico, a mesa meio torta, a jarra suando. Duas menininhas vendiam limonada na esquina de casa em prol das vítimas do Katrina [fazia uma semana que o furacão havia devastado o Sul dos Estados Unidos].

Apesar da cena tipicamente norte-americana – só faltava as comerciantes mirins aceitarem cartão de crédito –, Tarpon Springs foi adotada como lar por uma expressiva colônia grega. Eu passeava pelas Sponge Docks, onde a herança helênica se faz mais presente nesta cidadezinha litorânea a menos de 15 milhas de Tampa. Sobrenomes como Cocoris, Sovlakis e Konstantinopoulos começaram a desembarcar na vila a partir de 1905 para viver da captura de esponja. Hoje, a cidade intitula-se a “capital mundial” do, digamos, produto. Centenas, milhares delas, intactas ou moldadas conforme a criatividade do artesão, enfeitam as lojas de lembranças, ao lado de conchas em formatos que desafiam a lógica.

Nos restaurantes, a culinária imigrante reina absoluta, mesmo na categoria refeição rápida. Há até uma lanchonete que promove sua especialidade (no Brasil, o popular “churrasco grego”) como “a resposta grega para o McDonald’s”. As estratégias de marketing variam, mas são sempre incisivas. Da porta de um restaurante, um garoto berra no ouvido dos transeuntes: “É minha própria mãe que faz a comida, se não gostar pode reclamar com ela”. Prometi que experimentaria o tempero da senhora na volta. Primeiro, eu iria me molhar.

Deixei as docas em direção a Howard Park, um “T” avançando pelo Golfo do México com uma praia em cada lado da letra. Na haste vertical, jovens torravam no asfalto que vai até a beirinha (!). Na perpendicular, famílias faziam a festa. Na condição de animal doméstico, escolhi essa para me banhar. Prevenido pela placa na areia, entrei na água ensaiando o “passo da arraia”. É que, nos meses de verão, esses achatados bichinhos também resolvem desfrutar das praias do Golfo, aproximando-se da costa. Como se alojam no fundo do mar, é recomendável andar arrastando o pé para espantá-los e evitar eventuais ferroadas. Apesar da ameaça, só eu estava pagando esse mico.

Ostras com sabor de tradição e história
Bandeiras diferentes da star & stripes oficial também se destacam nos arred
ores de Apalachicola. Quem já assistiu ao ...E O Vento Levou vai reconhecer o estandarte vermelho, com um “x” azul cravejado de estrelas brancas dos Estados Confederados. A cidade delimita a área da Flórida conhecida por “The Big Bend” (A Grande Curva) em razão de seu litoral côncavo. Por acaso, foi depois de uma (outra) curva que registrei minha primeira impressão do lugar: um casarão do início do século passado, em excelente estado de conservação. Lembra um saloon do velho oeste, mas é um hotel – e dos mais charmosos, com suítes aconchegantes, decoradas com almofadas, colchas bordadas e móveis de época prontos para aninhar scarlet o’haras e rett butlers hesitantes e instigar o cleptomaníaco que repousa no âmago de cada um.

Abri mão (momentaneamente) da comodidade do Gibson Inn para percorrer as ruas do centro histórico. Tomei a US 98 – convertida na Market Street –, dobrei para a esquerda no cruzamento – depois de parar no, salvo engano, único semáforo da cidade - e... saí do perímetro urbano. O que eu procurava concentra-se no quadrilátero cercado pelas avenidas C e G, pela Water Street e pela 5th Street. Doze quadras que percorri em zigue-zague, sem destino certo. Fundada em 1831, a cidade mantém um punhado de residências projetadas no inconfundível estilo vitoriano.

À beira do rio, o fluxo intenso de barcos pesqueiros reflete a vocação econômica inata à cidade. O turismo pode correr junto da tradição e, inclusive, enriquecê-la; eliminá-la ou descaracterizá-la, jamais. Prova disso é a ausência total dos logos de redes de fast food ou de cadeias de hotéis ou de franquias de qualquer coisa, corriqueiros na paisagem norte-americana. Não aqui.

Um Burger King solitário brotou na saída da cidade, perto de um igualmente isolado hotel da Best Western. Ainda resiste um espírito de “Old Florida”, uma vibração que dispensa parques temáticos, condomínios fechados ou shopping centers para se manifestar e que identifica o prazer nas coisas simples da vida, como pescar e apreciar o pôr-do-sol. De preferência, saboreando o mais famoso produto local. Apalachicola é sinônimo de ostra suculenta, fornecendo 90% do molusco consumido na Flórida e 10% nos Estados Unidos. Para mim, uma dúzia foi pouco.

A inesquecível cor de esmeralda da costa Noroeste

(Segunda de quatro matérias escritas em 2005 para o Visit Florida. Versão do autor.)

Parti de Orlando com 700 dólares na carteira, um mapa da Flórida no console e o tanque cheio. Minha rota consistia em seguir para o Norte pela I 75, dobrar para Oeste na US 27 e continuar em frente até estar na US 98 rumo a Panama City Beach, a 380 milhas (608 quilômetros) de distância. Simplificando: assim que a estrada virasse uma avenida à beira-mar, reduzir a velocidade, colocar um reggae para rolar e curtir a brisa. Nessa parte do litoral regida pelo fuso do centro dos Estados Unidos – uma hora a menos do que o restante da Flórida –, o difícil é não relaxar. Praias com areias brancas e águas tranqüilas dominam a paisagem tanto da Forgotten Coast (Costa Esquecida) quanto da Emerald Coast (Costa Esmeralda).

A primeira compreende Apalachicola, Eastpoint e St. George Island, onde andar de caiaque, pescar ou pedalar são as atividades mais populares. Na seqüência, continua o desfile da generosa orla banhada pelo Golfo do México. Em Cape San Blas, chamou minha atenção uma coisa que, depois eu perceberia, é comum na região. As casas são construídas sobre pilotis fincados diretamente na areia da praia. Com varandas na cara do gol, embaladas pelo barulho das ondas e defumadas pela maresia, constituem-se nos refúgios ideais para um homem realizar sua grande obra, seja um romance ou o cultivo de hidropônicos.

Depois de Port St. Joe e Mexico Beach, a US 98 desvia-se um pouco da costa e passa por Parker, Callaway, Springfield e Cedar Grove. Ganhei a escolta de aviões voando baixo ao atravessar a base aérea de Tyndall, mas fingi que não era comigo. Em Panama City (que não é a Beach), o trânsito intensificou-se. Aproveitei o pretexto e fui visitar o distrito histórico de St. Andrews. As boutiques, galerias, antiquários, igrejas, lojas e restaurantes que o integram são uma excelente opção para os dias em que o calor está suportável. Porque quando a temperatura sobe para valer, não tem jeito: carros e mais carros entopem a ponte Hathaway, via de acesso a Panama City Beach e também da Emerald Coast, composta por Destin, Fort Walton Beach e Okaloosa Island.

Não sou exceção. Cruzei a ponte e apostei na primeira seta que vi apontando para a praia. Desemboquei na Oceanfront Drive – sim, a beira-mar da cidade. Percorri suas mais de 20 milhas para constatar que Panama City Beach guarda muitas semelhanças com Balneário Camboriú (SC), Guarujá (SP) ou Barra da Tijuca (RJ). Em nome da infra-estrutura para receber o turista, levantam-se hotéis, alargam-se ruas, erguem-se viadutos. Até o comércio tipicamente sazonal – um monte de lojas populares, que vendem de óculos escuros a tatuagens de rena, de moda praia a roupas de cama, mesa e banho, de brinquedos a artigos para cozinha – encontra similares no Brasil. A diferença é a ausência total de calçadas para pedestres.

Afora isso, o paredão de prédios de Panama City Beach acaba diretamente na areia da praia, sem nenhuma rua entre eles e o mar. Driblando as propriedades particulares defronte ao mar, finalmente encontrei uma entrada para a areia no Richard Seltzer Park. Para direita ou para a esquerda, é praia até onde a vista alcança. A sensação térmica, de uns 50 graus à sombra, apressou minha decisão. Guardei a câmera fotográfica e o bloco de notas, tirei as sandálias e a camisa. Doravante, eu seria apenas turista. Ainda a trabalho, mas coletando informações de um jeito, digamos, mais ativo. O mergulho mostrou-se providencial para arejar as idéias.

Do refresco veio a disposição para explorar outros recantos de Panama City Beach. Na ponta esquerda, o St. Andrew State Park espraia-se por uma área que engloba trilhas naturais, espaço para acampamentos e para piqueniques, passeios para Shell Island e uma praia radiante. Não é força de expressão: a luz refletida na areia turva a visão e não deixa outra alternativa se não ir para o mar. Um apito soou para que as pequenas embarcações e os praticantes de esportes náuticos abrissem passagem no canal para o navio que chegava à Baía de St. Andrew. O alarme me lembrou que eu ainda não tinha arrumado lugar para me hospedar.

Já confortavelmente instalado em um hotel na Oceanfront Drive, repassei o que havia por fazer no dia seguinte. De acordo com minha programação, eu tinha mais praias da cidade a visitar – na verdade, uma praia só desde St. Andrew State Park, o que muda é o nome de cada trecho (Open Sands, Edgewater, Laguna, Santa Monica, Sunnyside, Hollywood), com o County Pier no meio. À direita da sacada do meu quarto, o sol caía por trás de outro píer, o Dan Russel. Era nele que eu mirava para clicar todos os matizes pintados pelo poente. Cerca de 200 dólares mais pobre, sem gasolina no carro e com um mapa inútil na mão, porque tão cedo eu não iria embora.

O dia depois da Noite Internacional da Mulher

Uma singela homenagem representada pela música de Júpiter Maçã, escolhida por conter um dos versos mais cândidos de todos os tempos (senão o mais) do pop nacional, composto por um raro caso (senão o único) de utilização do estrangeirismo "spa" no cancioneiro silvícola. Cante com a gente:


Orgasmo legal (5x)
É isso que ela me dá
Orgasmo legal (5x)
É isso que ela me dá
Ela me dá orgasmos legais
E deixa meus dias sensacionais
Ela me traz paz e amor
Ela é um spa pra mim
Nuvens carregadas não me assustam, não, não mais
Crises de mau humor não me incomodam e nem irão
Orgasmo legal (5x)
É isso que ela me dá
Eu me dedico de coração
Pra dar pra ela orgasmos e tesão
Tenho deixado ela feliz
Ela não faria simulação
Nuvens carregadas não me assustam, não, não mais
Crises de mau humor não me incomodam e nem irão
Ela me dá o orgasmo legal
E sempre me deixa de alto astral
Por isso é horrível se a gente discute
E vai pra cama sem gozar
Orgasmo legal (5x)
É isso que ela me dá

(Extraída da coletânea Segunda Sem Ley, Banguela Records, 1995)

20080307

Tédio e destemor na reserva Seminole

(Primeira de quatro matérias escritas em 2005 para o Visit Florida. Versão do autor.)

Estava em algum ponto da I 75, perto do condado de Hendry, quando o sono começou a bater. Bem que o frentista do posto de gasolina em Fort Lauderdale tinha avisado: cuidado para não dormir ao volante. Descobri o que ele queria dizer ao bocejar pela primeira vez. Dali a Naples, já na costa Oeste da Flórida, a estrada é um retão só. O trecho carrega o apelido de “Alligator Alley” (Beco dos Crocodilos) por causa dos ilustres freqüentadores das vias aquáticas paralelas à estrada. São 96 milhas (154 quilômetros) sem uma curva sequer. A sensação de tédio durou até aparecer a saída 49, caminho para a Big Cypress Seminole Reservation. Parei para me
certificar em um posto chamado Miccosukee Service Plaza. Impresso no jornal local, o slogan bradava “the voice of unconquered” (a voz dos indomados). Não havia dúvida: eu estava em território indígena.

Faltavam apenas 19 milhas para meu destino, o Billie Swamp Safari. O parque preserva e reproduz o meio ambiente, a cultura e os costumes dos descendentes dos 300 seminoles que conseguiram escapar da dominação branca no século 19. Lá chegando, fui recebido por um cubano que há 15 anos vive na reserva. Ray Bezerra é um anfitrião por natureza, literalmente falando. Sempre com um sorriso de quem gosta do que faz no rosto, ele conduz o papo sobre a história e as belezas da área até sua maior paixão: os bichos que participam de suas apresentações no Fort Critter. Modesto a respeito de seu próprio show, Bezerra recomendou o passeio de barco como a melhor forma de iniciar a exploração pelos nove quilômetros quadrados da área.

Sugestão aceita, fui ao deck atrás do serpentário, à direita da recepção. Sentado em um banco à espera da embarcação, flagrei dois montinhos ameaçadores surgindo sobre a superfície da água. Eram os olhos de um crocodilo, que evitei encarar por alguma superstição boba. O réptil submergiu assim que o barco atracou – na verdade, uma chata propelida por uma hélice do tamanho de um homem. Descolei uma vaga na primeira das três fileiras de assentos, chequei a câmera fotográfica e acordei meu anjo da guarda. Pegamos o canal que margeia as cabanas para os hóspedes e não paramos mais de derrapar no pântano. Várias curvas depois, o motor foi desligado.

Escolado, o piloto esvaziou dois baldes de snacks para crocodilos. Eles se aproximaram da ração flutuante, viraram a cabeça para o lado e atacaram. Com a bocarra escancarada para garantir o máximo possível (do que for), pareciam sorrir para mim. De repente, o tempo fechou, decretando o final do passeio. Em terra firme, Bezerra me contou que os nativos têm muito medo dos raios trazidos pela tempestade. E que uma daquelas viria por aí, melhor que eu me protegesse. Com a barriga cheia, pensei, eu poderia hibernar durante a intempérie. Comi um combo de pernas de rã, filezinhos de bagre e rabo de crocodilo, tudo à dorê, acompanhado por salada e batata frita no Swamp Water Café.

Como previsto, a chuva engrossou. Nessa hora, eu já estava abrigado em um chalé no RV Swamp Safari, a três milhas do lar do cubano. Me enfiei debaixo do cobertor antes que os mosquitos me farejassem e deixei que a digestão fizesse seu papel. Sonhei com um jacaré com a cauda amputada me perseguindo. Despertei com um gosto de frango misturado com peixe na boca e voltei para o Billie Swamp. Eu não iria embora sem andar de “buggy” – uma gaiola ambulante com rodas de trator. O embarque é feito através de uma plataforma acessada por uma passarela pênsil que cruza um fosso cheio de crocodilos. Chão seco apenas no início da travessia, repleto de avestruzes curiosas.

Bisões, porcos-do-mato, búfalos e pavões mais tarde, o estranho veículo de 16 lugares afundou no terreno e rodou por quase uma hora pelo charco. Sacode daqui, sacode dali, o guia ia apontando para os ciprestes e para vestígios da presença indígena. Saltei do buggy direto para o show no qual Bezerra explica as características dos animais que cria. A alegria com que esse fã de Roberto Carlos e Nelson Ned trata a tartaruga, o gavião, a águia, o gambá, o guaxinim, a pantera – e, claro, sua bela mulher e assistente, também cubana - contagiam a platéia. Ao final, o casal permite que os visitantes interajam com as suas “mascotes”. Achei o filhote de jacaré (“um pouco menor e com o focinho mais largo do que o de crocodilo”) que segurei no colo muito mais simpático do que o rabo cortado em cubos que havia jantado. Principalmente porque sua boca estava amarrada. A fera media mais de 30 centímetros.

20080306

Obrigado a fazer o que não tinha imaginado

Wado e De Leve novos na rede. Baixo os dois e reflito: quem diria. Acompanho a trajetória de ambos desde que surgiram. Muito já falei de sua música, sempre com a empolgação desmedida e sincera de quem acreditava que ia acontecer. O que ninguém imaginava era o que aconteceria – e a cota de estoici(ni)smo correspondente.

Com o acesso gratuito autorizado por Wado, Terceiro Mundo Festivo também está disponível em SMD a cincão. Se esbarrar com um, compro no ato. Em 2001, descrevi o autor de Manifesto da Arte Periférica como “um florianopolitano que migrou para Maceió ainda pequeno e agora quer descer o mapa com sua música rica em criatividade, em suingue brasileiro, em pop tão diferente quanto arrebatador”. Em 2002, Cinema Auditivo inspirou o seguinte apanágio: “Assimilá-lo é (...) uma questão de compreensão de mundo, do jeito de ver as coisas se desdobrar e dar a leitura correta que elas necessitam”. Em 2004, calejado, recebi A Farsa do Samba Nublado defendendo que “Wado não baliza sua carreira pelo desempenho comercial de seus discos. Ainda bem”.

Daí que reafirmo tudo sobre Terceiro Mundo Festivo. Wado chega delicado, bate ponto no sambinha e brinca com os rótulos sob seu nome na capa. Não é nada de “brazilian eletro, funk, disco, reggaeton, afoxé”. Mas têm – espalhados, disfarçados, diluídos na sonoridade cultivada pelo ex-moleque durante todos estes anos. Uma onda que prima pelo conforto, despertando com a brejeirice de “Teta” e botando para deitar e dormir embalado pela terna “Lucrécia”. Volto a repetir: Wado é fato.



Como de hábito, De Leve é mais despachado. Colocou dois EPs na Trama Virtual e ganha 10 centavos –pagos pelos patrocinadores – por download. Fiz minha parte, espero que os anunciantes façam a deles (e que você faça a sua). Em 2003, tasquei que o responsável por Introduzindo... e O Estilo Foda-se “pega o lado mais relax do rap e, ‘chapado na realidade’, manda um monte de rimas automaticamente associáveis a qualquer típico playboy branco morador da zona sul, classe média falida”. Em 2006, o Manifesto ½ 171 exigiu um histórico: “O rapper de Niterói apareceu nos cadernos de cultura dos jornais, cantou na Globo, teve música em seriado da emissora, participou de coletâneas nacionais e estrangeiras, apresentou-se em festivais descolados, conheceu Paris. ‘Mas durou pouco, a grana não veio’, lamenta em ‘Caô Fudido’”.

Em um dos trabalhos, De Leve encarna De Love, o bigode coroando o cafa-style em cinco músicas. Diz a ficha que o niteroiense tocou/programou tudo. Tem até dueto com o controverso Totonho. Não adianta, o cara não vai mudar.



Não assinando como De Leve. Sim na pele de Freitas de Freitas, vocalista da Banda Leme. Tremendo papo furado de um bando de cobras malcriadas, não fosse a) o custo zero e b) “Nadadora”, gaiatice pop na tradição que consagrou Lulu Santos e Buchecha.



Lançar – eu ia teclar “discos” – pacotes de músicas na internet. Publicar em um blog. Era isso, então? Quanto desprendimento.

20080304

A arma do negócio é você

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Que o viral virou carne-de-vaca, até os trouxas que usam a internet só para repassar correntes já sabem. Esta cartilha produzida pela agência GoViral (disponível mediante cadastro rápido e gratuito) mostra que os vídeos engraçadinhos e/ou curiosos que hoje caracterizam este tipo de ação são apenas o lado mais primário de uma nova era na comunicação, na qual o consumidor ocupa o centro do processo. Trata-se da “youcracy”, fundamentada nos conceitos da web 2.0 em substituição às abordagens feudais de mídia de massa vigentes no século passado. Nesse sistema não-linear com baixo controle central, os influenciadores são co-autores e retransmissores da mensagem comercial que está em constante mutação, adaptando-se às peculiaridades dos segmentos de mercado e às pessoas que o compõe.

O negócio é mais complexo do que a retórica colaborativa sugere. Em vez de estarem roubando, os publicitários mudam os meios, mas o fim permanece o mesmo: vender.