Estava em algum ponto da I 75, perto do condado de Hendry, quando o sono começou a bater. Bem que o frentista do posto de gasolina em Fort Lauderdale tinha avisado: cuidado para não dormir ao volante. Descobri o que ele queria dizer ao bocejar pela primeira vez. Dali a Naples, já na costa Oeste da Flórida, a estrada é um retão só. O trecho carrega o apelido de “Alligator Alley” (Beco dos Crocodilos) por causa dos ilustres freqüentadores das vias aquáticas paralelas à estrada. São 96 milhas (154 quilômetros) sem uma curva sequer. A sensação de tédio durou até aparecer a saída 49, caminho para a Big Cypress Seminole Reservation. Parei para me certificar em um posto chamado Miccosukee Service Plaza. Impresso no jornal local, o slogan bradava “the voice of unconquered” (a voz dos indomados). Não havia dúvida: eu estava em território indígena.
Faltavam apenas 19 milhas para meu destino, o Billie Swamp Safari. O parque preserva e reproduz o meio ambiente, a cultura e os costumes dos descendentes dos 300 seminoles que conseguiram escapar da dominação branca no século 19. Lá chegando, fui recebido por um cubano que há 15 anos vive na reserva. Ray Bezerra é um anfitrião por natureza, literalmente falando. Sempre com um sorriso de quem gosta do que faz no rosto, ele conduz o papo sobre a história e as belezas da área até sua maior paixão: os bichos que participam de suas apresentações no Fort Critter. Modesto a respeito de seu próprio show, Bezerra recomendou o passeio de barco como a melhor forma de iniciar a exploração pelos nove quilômetros quadrados da área.
Sugestão aceita, fui ao deck atrás do serpentário, à direita da recepção. Sentado em um banco à espera da embarcação, flagrei dois montinhos ameaçadores surgindo sobre a superfície da água. Eram os olhos de um crocodilo, que evitei encarar por alguma superstição boba. O réptil submergiu assim que o barco atracou – na verdade, uma chata propelida por uma hélice do tamanho de um homem. Descolei uma vaga na primeira das três fileiras de assentos, chequei a câmera fotográfica e acordei meu anjo da guarda. Pegamos o canal que margeia as cabanas para os hóspedes e não paramos mais de derrapar no pântano. Várias curvas depois, o motor foi desligado.
Escolado, o piloto esvaziou dois baldes de snacks para crocodilos. Eles se aproximaram da ração flutuante, viraram a cabeça para o lado e atacaram. Com a bocarra escancarada para garantir o máximo possível (do que for), pareciam sorrir para mim. De repente, o tempo fechou, decretando o final do passeio. Em terra firme, Bezerra me contou que os nativos têm muito medo dos raios trazidos pela tempestade. E que uma daquelas viria por aí, melhor que eu me protegesse. Com a barriga cheia, pensei, eu poderia hibernar durante a intempérie. Comi um combo de pernas de rã, filezinhos de bagre e rabo de crocodilo, tudo à dorê, acompanhado por salada e batata frita no Swamp Water Café.
Bisões, porcos-do-mato, búfalos e pavões mais tarde, o estranho veículo de 16 lugares afundou no terreno e rodou por quase uma hora pelo charco. Sacode daqui, sacode dali, o guia ia apontando para os ciprestes e para vestígios da presença indígena. Saltei do buggy direto para o show no qual Bezerra explica as características dos animais que cria. A alegria com que esse fã de Roberto Carlos e Nelson Ned trata a tartaruga, o gavião, a águia, o gambá, o guaxinim, a pantera – e, claro, sua bela mulher e assistente, também cubana - contagiam a platéia. Ao final, o casal permite que os visitantes interajam com as suas “mascotes”. Achei o filhote de jacaré (“um pouco menor e com o focinho mais largo do que o de crocodilo”) que segurei no colo muito mais simpático do que o rabo cortado em cubos que havia jantado. Principalmente porque sua boca estava amarrada. A fera media mais de 30 centímetros.
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