20231231

2023 EM 70 MÚSICAS
14 | Blur, Barbaric



NA HISTÓRIA
[2022] #38
 | Gorillaz, New Gold (ft Tame Impala, Bootie Brown)
[2021] #64
 | SuperState, Yoga Town (ft Graham Coxon & Valentina Pappalardo)
[2020] #53
 | Gorillaz, The Valley of the Pagans (ft Beck)
[2015] #27
 | Go Out
[2010] #04
 | Gorillaz, Plastic Beach

2023 EM 70 MÚSICAS
15 | Giovani Cidreira, Dois Lados (ft Russo Passapusso & Melly)



NA HISTÓRIA
[2022] #34
 | Russo Passapusso e Antonio Carlos & Jocafi, Ponta Pólen
[2021] #15
 | BaianaSystem, Monopólio
[2019] #30
 | BaianaSystem, Sonar (ft Curumin & Edgar)
[2019] #44
 | BaianaSystem, Fogo
[2019] #48
 | Pode me Odiar
[2016] #22
 | BaianaSystem, Bala na Agulha
[2016] #39
 | BaianaSystem, Playsom
[2014] #35
 | Russo Passapusso, Flor de Plástico

2023 EM 70 MÚSICAS
16 | Lee Fields, Waiting on the Sidelines



NA HISTÓRIA
[2016] #63
 | Special Night
[2014] #33
 | Standing by your Side

2023 EM 70 MÚSICAS
17 | The Jesus and Mary Chain, Jamcod



NA HISTÓRIA
[2017] #09
 
| Amputation
[2017] #53
 | All Things Pass

2023 EM 70 MÚSICAS
18 | Poolside, Back to Life (ft Panama)



NA HISTÓRIA
[2020] #11
 | Shakedown Street (ft Omar Velasco)
[2017] #60
 | We Can Work it Out

2023 EM 70 MÚSICAS
19 | Lewsberg, An Ear to the Chest

2023 EM 70 MÚSICAS
20 | Neil Frances, Head Straight (ft St. Panther)

20231230

2023 EM 70 MÚSICAS
21 | Mac DeMarco & Ryan Paris, Simply Paradise

2023 EM 70 MÚSICAS
22 | Planet Hemp, Pra Ver as Cores do Mundo



NA HISTÓRIA
[2022] #42
 | Jardineiro
[2021] #03
 | Marcelo D2, Sementes (ft Os Crias)
[2018] #16
 | Marcelo D2, Febre do Rato
[2013] #36
 | Marcelo D2, Na Veia
[2007] #08
 | Turbo Trio, Um Grau Acima

2023 EM 70 MÚSICAS
23 | Mayer Hawthorne, For All Time



NA HISTÓRIA
[2019] #03
 | Tuxedo, On a Good One
[2017] #24
 | Busy P, Genie (ft Mayer Hawthorne)
[2016] #21
 | Lingerie & Candlewax
[2016] #33
 | Cosmic Love
[2015] #60
 | Tuxedo, The Right Time
[2013] #06
 | Wine Glass Woman
[2011] #02
 | A Long Time
[2009] #08
 | Maybe So Maybe No
[2008] #08
 | Just ain’t Gonna Work Out

2023 EM 70 MÚSICAS
24 | Al Green, Perfect Day

2023 EM 70 MÚSICAS
25 | My Magical Glowing Lens, Sobrevoar



NA HISTÓRIA
[2017] #30
 | Raio de Sol

2023 EM 70 MÚSICAS
26 | Deeper, Build a Bridge

2023 EM 70 MÚSICAS
27 | Turnstile + Badbadnotgood, Alien Love Call (ft Blood Orange)

2023 EM 70 MÚSICAS
28 |The Clientele, Blue Over Blue

20231229

2023 EM 70 MÚSICAS
29 | Yasmin Lacey, Late Night People

2023 EM 70 MÚSICAS
30 | Courtney Barnett, Different Now



NA HISTÓRIA
[2018] #15
 | City Looks Pretty
[2017] #28
 | Courtney Barnett & Kurt Ville, Over Everything
[2015] #25
 | Pedestrian at Best
[2015] #62 | Depreston

2023 EM 70 MÚSICAS
31 | Alice Caymmi & Rachel Reis, Desfruta



NA HISTÓRIA
[2018] #68
 | Alice Caymmi, Spiritual

2023 EM 70 MÚSICAS
32 | Rahill, Fables (ft Beck)



NA HISTÓRIA
[2022] #33
 | Beck, Old Man
[2021] #59
 | Natalie Bergman & Beck, You Got a Woman
[2020] #53
 | Gorillaz, The Valley of the Pagans (ft Beck)
[2019] #09
 | Beck, Dark Places
[2019] #23
 | Beck, Stratosphere
[2019] #53
 | Beck, See Through
[2017] #31
 | Beck, Colors
[2017] #65
 | Beck, Can't Help Falling in Love
[2015] #19
 | Beck, Dreams
[2014] #03
 | Beck, Don’t Let it Go
[2014] #16
 | Beck, Morning
[2008] #09
 | Beck, Profanity Prayers

2023 EM 70 MÚSICAS
33 | Jungle, Back on 74



NA HISTÓRIA
[2021] #10
 | All of the Time
[2018] #07
 | Beat 54 (All Good Now)
[2018] #19
 | Heavy, California
[2018] #28
 | Casio

2023 EM 70 MÚSICAS
34 | Mahmundi, Meu Amor Reprise



NA HISTÓRIA
[2021] #62
 | Mary Olivetti & Mahmundi, Black Coco
[2018] #08
 | Vibra
[2016] #15
 | Hit
[2016] #54
 | Eterno Verão (Boss In Drama Remix)

2023 EM 70 MÚSICAS
35 | Melenas, K2

20231228

2023 EM 70 MÚSICAS
36 | Bike, Santa Cabeça



NA HISTÓRIA
[2018] #49
 | Anhum
[2017] #13
 | O Enigma dos Doze Sapos
[2017] #54
 | A Divina Máquina Voadora
[2015] #63
 | Isso/Daquilo


2023 EM 70 MÚSICAS
37 | Nick Waterhouse, Late in the Garden

2023 EM 70 MÚSICAS
38 | Ben Folds, Exhausting Lover

2023 EM 70 MÚSICAS
39 | The Coral, Faraway Worlds



NA HISTÓRIA
[2021] #34
 | Mist on the River

2023 EM 70 MÚSICAS
40 | Ian Brown, Rules

2023 EM 70 MÚSICAS
41 | Night Beats, Hot Ghee

2023 EM 70 MÚSICAS
42 | Fcukers, Mothers

2023 EM 70 MÚSICAS
43 | The Chemical Brothers, Skipping like a Stone (ft Beck)



NA HISTÓRIA
[2022] #33
 | Beck, Old Man
[2021
#59 | Natalie Bergman & Beck, You Got a Woman
[2020
#53 | Gorillaz, The Valley of the Pagans (ft Beck)
[2019
#09 | Beck, Dark Places
[2019
] #10 | Got to Keep on
[2019
] #23 | Beck, Stratosphere
[2019
] #53 | Beck, See Through
[2017
#31 | Beck, Colors
[2017
] #65 | Beck, Can't Help Falling in Love
[2015
#02 | I’ll See You There
[2015
] #18 | Born in the Echoes (ft Cate Le Bon)
[2015
] #19 | Beck, Dreams
[2015
] #39 | Go (ft Q-Tip)
[2014
#03 | Beck, Don’t Let it Go
[2014
] #16 | Beck, Morning
[2008
#09 | Beck, Profanity Prayers

2023 EM 70 MÚSICAS
44 | Oruã, Me Acontece



NA HISTÓRIA
[2021] #42
 | Obrei Orei

2023 EM 70 MÚSICAS
45 | Sleaford Mods, So Trendy (ft Perry Farrell)



NA HISTÓRIA
[2021] #50
 | Mork n Mindy (ft Billy Nomates)
[2017] #21
 | B.H.S.

2023 EM 70 MÚSICAS
46 | Captain Planet & Tagua Tagua, Destello



NA HISTÓRIA
[2022] #36
 | Tagua Tagua, Tanto
[2020] #14
 | Tagua Tagua, Inteiro Metade
[2020] #38
 | Tagua Tagua, Só pra Ver

2023 EM 70 MÚSICAS
47 | Bombay Bicycle Club, Tekken 2 (ft Chaka Khan)



NA HISTÓRIA
[2020] 
#17 | Everything Else Has Gone Wrong
[2018] 
#02 | Chaka Khan, Like Sugar

2023 EM 70 MÚSICAS
48 | Dope Lemon, Miami Baby

2023 EM 70 MÚSICAS
49 | Teenage Fanclub, Foreign Land



NA HISTÓRIA
[2020] 
#09 | Home
[2016] 
#16 | I Have Nothing More to Say
[2016] 
#37 | I Was Beautiful When I Was Alive
[2010] 
#05 | The Fall

2023 EM 70 MÚSICAS
50 | Anelis Assumpção, Rasta

20231226

2023 EM 70 MÚSICAS
61 | 77:78, Love Said (Wallace & Morris ‘North Street’ Vocal Rework)



NA HISTÓRIA
[2018] 
#37 | Love Said (Let's Go)
[2018] 
#53 | Chilli

2023 EM 70 MÚSICAS
62 | Men I Trust, Ring of Past

2023 EM 70 MÚSICAS
63 | Julia Mestre, Meu Paraíso



NA HISTÓRIA
[2022] #68
 | Bala Desejo, Lambe Lambe

2023 EM 70 MÚSICAS
64 | King Tuff, Tell me



NA HISTÓRIA
[2018] #42 | Neverending Sunshine

2023 EM 70 MÚSICAS
65 | Ladytron, City of Angels

2023 EM 70 MÚSICAS
66 | Karen Jonz, Coocoocrazy (ft CSS)



NA HISTÓRIA
[2011] #18
 | CSS, City Grrrl (Men meets Grrrl Remix)
[2010] #07
 | Kavinsky, Nightcall (ft Lovefoxx) (Breakbot Remix)

2023 EM 70 MÚSICAS
67 | The Dip, Beautiful Stranger

2023 EM 70 MÚSICAS
68 | The Arcs, Sunshine



NA HISTÓRIA
[2022] #24 | The Black Keys, It ain’t Over
[2019] #13 | The Black Keys, Under the Gun
[2017] #03 | Dan Auerbach, King of a One Horse Town
[2017] #26 | Dan Auerbach, Cherry Bomb
[2017] #55 | Dan Auerbach, Never in My Wildest Dreams
[2015] #06 | Chains of Love
[2015] #24 | Everything You Do (You Do for You)
[2015] #53 | Stay in My Corner
[2014] #02 | The Black Keys, Turn Blue
[2014] #44 | The Black Keys, Waiting on Words
[2011] #11 | The Black Keys, Lonely Boy
[2010] #02 | The Black Keys, The Only One

2023 EM 70 MÚSICAS
69 | Everything But the Girl, Nothing Left to Lose


2023 EM 70 MÚSICAS
70 | Underworld, Denver Luna



Merecia estar à frente de muita música desta lista, mas fica na abertura em respeito ao que já pode ser chamado de tradição. 

NA HISTÓRIA
[2018] #70 
| Underworld & Iggy Pop, Bells & Circles

20231206

Manifesto da obsolescência voluntária



Cansado de procurar algum tema pop para cá que me anime a vestir minha melhor versão. Uma notícia, um assunto, uma efeméride, um reles pretexto para eu desfilar uma opinião equilibrada entre a experiência de veterano e o tesão de iniciante. Mas o que acho das pautas que por um breve instante mobilizam a atenção geral me deixa parecendo um tiozinho falando do que não conhece com base no que conheceu, seja lá o que for.

O fato é que mal conheço os sucessos do momento. Não consigo identificar a maioria dos nomes que está no top 10. De alguns nunca ouvi falar. Outros nunca ouvi, só de falar. Acontece o festival tal e não me ligo nem em quando vão tocar as raras atrações escaladas que eu gostaria de ver, que dirá as demais. Nada contra, somente um desinteresse natural, acentuado por não precisar saber disso para pagar os boletos.

Daí a me desqualificar pelas referências que uso para analisar o que rompe a blindagem da minha ignorância já é sacanagem. Se eu não recorrer ao que conheci para desenvolver um senso crítico sobre o que estou conhecendo, vai sobrar muito pouco. Meu parâmetro mais confiável para avaliar o presente contínuo é a bagagem que trago do passado, com todos os vícios e vieses. Por isso, tento relativizar.

Em vez de defender que os artistas que admirei e os refrãos que cantei junto e os shows que me marcaram eram mais verdadeiros, prefiro aceitar que atualmente é apenas diferente. Não é sobre legitimidade, é sobre como a música importa menos do que todo o resto para que certos ídolos contemporâneos recebam dos fãs um elogio corporativo como o produto genuíno que vendem: “Fulano entregou tudo”.

Até entendo a urgência desta geração em estabelecer e respaldar seus próprios cânones, principalmente em uma época de cometas tão fugazes. Sempre rolou isso, assim como essas escolhas sempre foram ridicularizadas pela geração anterior. Hoje, porém, o pessoal é muito autocentrado e deslumbrado, chega a ser meio caricato. Qualquer novidade faz história, quebra paradigmas, é considerada [argh] icônica.

Se você acha que o mundo começou quando o tiraram da barriga de sua mãe, vai fundo. Daqui das minhas limitações etárias, só consigo achar quase tudo falso, ruim e chato demais. Não é por má vontade ou para romantizar o meu tempo – mesmo porque meu tempo vai durar enquanto eu estiver vivo & chutando. É que já ouvi, vi e li tanta coisa que fiquei mais seletivo. Alguma vantagem a velhice tinha que ter.

(Extraído da newsletter Extrato)

APARELHO | A criação de um Brasil jovem



Seu programa cada vez mais bissexto mergulha nas profundezas do inconsciente coletivo nacional para desvendar o surgimento da juventude como força de consumo e propulsora de modas e manias na década de 1980. Entre meninos do Rildy e garotas douradas, transas e caretas, armações ilimitadas e cidades ocultas, resgatamos a inocência e a picardia daqueles anos risonhos e francos, quando a eternidade era uma possibilidade e o futuro sorria com uma boca banguela. De quebra, ainda tiramos todo um elenco do limbo e sugerimos um final épico de carreira para nunca mais ninguém voltar a falar disso.

PLAYLIST | num mundo estranho e demodê



Nenhuma doutrina mais me satisfaz, mas algumas não me satisfazem mais do que outras.

[YOUTUBE] [DEEZER]

20230905

Este golpe vai roubar só o seu tempo



Já não se fazem mais assessores como antigamente. Mostrei esta página em branco para o meu ajudante de ordens com uma determinação expressa: “Resolve isso aí”. Esperava que ele, sempre solícito para cumprir as missões que eu lhe confiava, me devolvesse um arrazoado prontinho para ser publicado.

Pois o danado foi além. Com uma proatividade que superou as mais exageradas expectativas sobre sua competência, vendeu os direitos dos conteúdos que produzo a um trouxa colecionador excêntrico. E, como se não bastasse o apurado tino comercial, ainda tomou o cuidado de receber o pagamento em espécie.

Docemente constrangido, embolsei o dinheiro e agora há cédulas escondidas até atrás do quadro de Lucy Born que enfeita a parede do meu escritório. Mas já me queixei ao pai dele porque, por melhores que tenham sido suas intenções, meu problema continua: preciso desovar esta edição até as 23h59 de hoje.

À medida que o prazo se aproxima, diminui minha resistência à tentação de enrolar. Penso em recorrer ao ChatGPT e logo desisto. Se for para me apropriar de algo escrito por outrem, que seja de gente de verdade, não de uma engenhoca que nunca sentiu nada, quanto mais deixar a alma em uma frase. A elas, então:

Anotações de leitura

De Chuva de Papel, de Martha Batalha:

Meu filho, as pessoas resistem enquanto o poço não tem fundo. Quando tem, elas se entregam. No fundo do poço nem a dor importa. Do chão nada cai. Esse vazio era uma forma de ser feliz.
De Quando os Pássaros Voltarem, de Fernando Aramburu:
É nisso que consiste a maturidade, em resignar-se a fazer – dia após dia, até se aposentar e mesmo depois – coisas que você não tem vontade de fazer. Por conveniência, necessidade, diplomacia, mas acima de tudo por uma covardia que vai se tornando um hábito. Se não tomar cuidado, você acaba até votando naquele partido que tanto detestava.

Muitas coisas que cansam, principalmente o contato diário com gente que não me interessa.
De Rastejando até Belém, de Joan Didion:
Acho que é aconselhável continuarmos aceitando as pessoas que um dia fomos, quer as consideremos companhias atraentes, quer não. Caso contrário, elas vão aparecer sem avisar e vão nos pegar de surpresa, batendo sem parar na porta da mente às quatro da manhã de uma noite maldormida, e exigindo saber quem as abandonou, quem as traiu, quem vai fazer as pazes. Nos esquecemos muito cedo das coisas que pensávamos que nunca esqueceríamos. Esquecemos os amores e as traições, esquecemos o que sussurramos e o que gritamos, esquecemos quem já fomos.

Ter tino do valor intrínseco que constitui o amor-próprio é, potencialmente, ter tudo: a capacidade de discernir, de amar e de ficar indiferente. Carecer desse tino é ficar trancado dentro de si, paradoxalmente inapto tanto para o amor quanto para a indiferença.

Porque quando começamos a nos iludir com o pensamento não de que queremos algo ou precisamos de algo, não de que seja uma necessidade pragmática ter tal coisa, mas de que tê-la é um imperativo moral, aí é que nos juntamos aos loucos da moda, aí é que o fraco gemido da histeria é ouvido na terra, e é aí que estamos em maus lençóis. Desconfio de que já estamos.
De Em Tudo Havia Beleza, de Manuel Vilas:
Por pior que seja nossa vida, sempre há alguém que nos inveja. É uma espécie de sarcasmo cósmico.

Não me interessa julgar o que aconteceu, e sim narrar ou dizer ou celebrar. A moralidade dos fatos é sempre uma construção da cultura. Os fatos em si são seguros. Os fatos são sua natureza, sua interpretação é política.
De Sede, de Amélie Nothomb:
O problema do mal não é nada se comparado ao da mediocridade.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

PLAYLIST | lembrar do mar e mergulhar



Três da manhã, ela é só suor.

[SPOTIFY] [DEEZER]

20230821

...Até a última ponta



A turma que manda e desmanda em Florianópolis tem uma ideia de desenvolvimento urbano muito peculiar. Nove em cada dez obras públicas priorizam o transporte individual. A outra ameaça alguma área verde. É o que está acontecendo na Ponta do Pitoco. Parte dela começou a ser cercada por tapumes para receber os ranchos dos pescadores desalojados pela construção da nova ponte da Lagoa da Conceição, ali perto. O espaço restante vai sofrer uma revitalização completa.

O contrato, assinado em julho, é de R$ 1,87 milhão, com prazo de 12 meses para conclusão. A empresa vencedora da licitação não tem site. De acordo com o endereço listado nos serviços de identificação de CNPJs, funciona em uma rua sem saída no bairro Forquilhas, em São José. Nos canais de transparência da prefeitura, não foi possível encontrar o edital na íntegra para mais detalhes. Talvez esteja escondido sob algum link, mas é para ir atrás disso que jornalistas ganham mal.

Até porque o ponto aqui não é investigar o processo, e sim lançar um olhar mais amplo para tentar entender o contexto. Há uma necessidade urgente: instalar os pescadores. E uma urgência desnecessária: mexer na Ponta do Pitoco. Erguer meia dúzia de barracos em uma extremidade para guardar canoas e redes não deve incomodar quase ninguém. O mesmo não dá para dizer de descaracterizar o lugar com intervenções que tecnocratas gostam de chamar de melhorias.

O projeto divulgado pela prefeitura prevê quadra de beach tennis, pet place e playground. O que a computação gráfica não mostra é que a Ponta do Pitoco tem o encanto que tem justamente por ser como é. Apenas uns 300 metros de gramado arborizado à beira da lagoa com uma rampa para jet ski e pequenas embarcações, onde crianças já brincam, jovens já se divertem, cachorros já correm e adultos já encontram variadas maneiras de passar o tempo, sobretudo sem raquetes.

O conselho de Desenvolvimento do Leste da Ilha (Codeli) aprovou tudo em assembleia geral no dia 4 de julho. Como a entidade em tese representa os interesses das comunidades envolvidas, qualquer reclamação posterior vira papo de haole que não conhece os anseios locais. Ainda assim, não deixa de ser triste ver que nenhum cantinho de Florianópolis está a salvo daqueles que, em nome de um progresso cada vez mais excludente, querem revitalizar o que já é cheio de vida.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

Millôr, 100



Suas ações ou palavras abalam inteiramente minhas convicções mais arraigadas, provocando uma sensação profunda de desalento que afeta aspectos tanto racionais quanto psicológicos do que eu julgava ser parte indissociável da minha personalidade.
(Expressões manezinhas prolixizadas: “Aí tu me arrombas todo”.)

Homenagem ao gênio Millôr Fernandes (1923-2012), que completaria 100 anos neste 16 de agosto. Meu primeiro contato com sua obra foi ainda criança, pela revista Veja, muitas vezes sem entender direito seus textos ou traços. Mais tarde, descobri que, além de escritor e desenhista, o autor daquelas duas páginas semanais era dramaturgo, roteirista, tradutor, artista plástico e – ele fazia questão de ressaltar – inventor do frescobol.

Tão talentoso em tantas áreas, era também um frasista inspirado, conforme demonstra o livro A Bíblia do Caos, que compila mais de 5 mil pensamentos dele sobre tudo quanto é assunto. Embora diversas máximas tenham caducado ou sejam simplesmente sem graça, é uma boa porta de entrada para o universo de Millôr. Poderia citar alguma, mas preferi parodiar uma das minhas seções prediletas, os provérbios prolixizados. Afinal, como diria o próprio:

Todo homem nasce original e morre plágio.

PLAYLIST | fã de livros de histórias de amor



Um candidato a artista popular que enfia Baudelaire (gravou com quem?), Machado de Assis (tocou onde?) e Geovani Martins (não é um que faz trap?) na letra de uma música destinada às Novas Gerações merece consideração.

[YOUTUBE] [DEEZER]

20230810

Um recomeço para ser feliz e colorido de novo



Aos poucos, a normalidade manda sinais. Ainda se ouve falar de muitas aberrações contra a vontade, mas pelo menos a pauta deu uma mudada. À medida que as trevas se dissipam, fica mais evidente o tanto de coisa que é preciso recuperar, reconstruir, reformar. O que ninguém imaginava era que o recomeço seria tão literal: o Restart anunciou que está voltando. Depois de oito anos desativado, o grupo vai se reunir para uma série de shows de despedida. O retorno da banda é a esperança de um Brasil feliz – e colorido – de novo.

O renascimento ocorre em momento propício. O mercado da nostalgia cresceu durante a pandemia. Trancadas em casa, as pessoas recorreram ao que já conheciam para atenuar o confinamento forçado. Mesmo após a vacina, o interesse pelo passado permaneceu em alta. Todo mundo sai ganhando. Quem vende, por reciclar um produto com demanda garantida. Quem compra, por confirmar o conforto idealizado pela memória afetiva da época de juventude. Sem surpresas, sem riscos.

Não por acaso, a turnê do Restart se chama Pra Você Lembrar. Como aconteceu nas recentes reuniões de Sandy & Júnior e dos Titãs e na última eleição, basta o apelo da saudade. Até a molecada que não tinha idade quando o artista estava no auge se mobiliza para experimentar o tempo bom a que ele remete. Nem os antigos detratores resistem. Gente que jamais gostou da banda revê seus ranços e passa a julgá-la com a condescendência reservada às coisas que não incomodam mais.

Por incrível que pareça, ali pela virada da década de 2010 o consumidor de rock & outras vertentes embaladas com guitarra, baixo e bateria levava uma vida tão suave que o Restart e seu emo diluído eram o inimigo a ser combatido. A popularidade do grupo despertava ódio em igual proporção. As roupas apertadas em tons berrantes, os penteados, o estilo musical; tudo se transformava pretexto para detestar os caras e, o insulto supremo de então, questionar a masculinidade deles.

Para mim, sempre foram apenas quatro rapazes realizando o sonho de se tornarem ricos e famosos com sua música antes dos 30. Com exceção do nome de dois integrantes (Pe Lanza e Pe Lu, como esquecer?), o resto eu ignorei. Nunca soube o título de nenhum disco, de nenhum hit e, desconfio, nunca ouvi também – se ouvi, não gravei. A maior referência que tenho da banda é o desabafo da fã decepcionada por não conseguir ver seus ídolos: “Puta falta de sacanagem”.

O sucesso do Restart me fez perceber pela primeira vez que eu estava envelhecendo rápido demais para acompanhar as metamorfoses do pop. Mas, se a energia e a alegria do quarteto inspirarem o governo (e vice-versa), prometo deixar o etarismo para trás e madrugar para pegar lugar na frente do palco. Não vejo a hora de me deliciar com a versão de “Levo Comigo” para enaltecer o Desenrola Brasil ou com a autoexplicativa “Minha Estrela”. A calça skinny laranja já está separada.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

APARELHO | Tabu Conânico



A assinante esperta já deve ter topado com a sigla FOMO por aí. Significa fear of missing out, o medo de perder alguma coisa, de estar por fora – uma patologia muito comum no reinado das redes sociais, em que a exigência por uma opinião imediata sobre o que está bombando provoca ansiedade e frustração. Nesta edição, celebramos exatamente o oposto disso: o contentamento, a satisfação de não ter nada a dizer a respeito dos temas que movimentam a cacofonia digital. Adeptos ferrenhos do que podemos chamar de JOMO (de joy), cometemos o disparate de invocar as façanhas de Arnold Schwarzenegger na tentativa de arejar um pouco o debate. Nem sempre (ou quase nunca) acertamos, mas a linha tênue entre a originalidade e a idiotice é onde nos sentimos à vontade. O filtro fica por sua conta.

PLAYLIST | olhos se perdendo sem lugar



A seleta semanal de músicas é a parte deste negócio que mais aprecio fazer. Na verdade, a ladainha que vem antes serve só para justificar a meticulosa trilha sonora do final e reter a audiência mais tempo por aqui. Minha ambição é ser reconhecido pelo meu bom gosto e virar um requisitado personal playlister.

Apesar do empenho, são os links menos acessados. A você que me dignifica com o seu clique voluntário e ouve nem que seja um pedacinho de cada faixa, meu muito obrigado. Chega a me dar um quentinho no coração pensar que continuo do seu lado depois que a leitura acaba.

[SPOTIFY] [DEEZER]

20230809

Nunca duvide da magia do balão



Faltava um artista que unisse todas as tribos como o Norvana. Não falta mais: A Turma do Balão Mágico conseguiu a proeza de mobilizar esquerdopatas e bolsoafetivos, legalistas e garantistas, heteronormativos e pansexuais. A ampla coalizão formada para julgar o documentário sobre o grupo acomoda os mais discrepantes & abalizados vereditos. Uns acharam bom. Outros, ruim. Como não sou tão profundo assim nem assisti à série por não ter login e senha, só posso renovar minha gratidão.

[Spoiler: vem aí mais um papo-furado em primeira pessoa.]

Pela manhã, me defendia na diagramação de uma revista de uma raça de cavalo. À tarde, respondia pela edição de música em uma revista de cultura pop. Os dois empregos eram inspiradores e em 1995 pagavam o aluguel de um apartamento de dois quartos no Alto de Pinheiros, mas não representavam o que havia me impelido a trocar Florianópolis por São Paulo no ano anterior. A tara sempre foi escrever para um grande veículo impresso, que eu não precisasse explicar o que era, por onde circulava e qual a tiragem.

Então Simony apareceu. Em mais uma tentativa de reviver os dias de glória, ela anunciou que lançaria um disco solo. A reboque, a gravadora convidava a imprensa especializada para entrevistá-la. Na mesma semana, calhou de outra gravadora (bons tempos) pagar passagem aérea (ótimos tempos) para jornalistas irem a um show dos Mamonas Assassinas em Curitiba (tempos estranhos). No voo, sentei ao lado do colega Ricardo Alexandre, de O Estado de S. Paulo. Azar o dele.

O avião ainda rodava pela pista de Congonhas e eu já estava sugerindo um frila com ex-menina-prodígio do Balão Mágico. Com extremo tato, Ricardo argumentou que, se fosse para falar com ela, ele próprio falaria. Fui persistente – ou xarope, dependendo do ponto de vista: e se nós (cumplicidade é tudo) produzíssemos uma reportagem histórica com que fim levaram aquelas crianças que encantaram o Brasil na década de 1980? Ricardo se encarregaria de Simony e Jairzinho, eu de Mike e Tob.

O problema era que eu não fazia a menor ideia de como encontrá-los. Liguei para a assessora topando a entrevista oferecida com Simony, talvez ela mantivesse contato com eles. Conversamos quase duas horas sobre seu repertório e os planos para divulgar a obra. Pura enrolação. Meu único interesse era, entre perguntas protocolares, descobrir se ela tinha o telefone de seus antigos parceiros. O “sim” me deixou mais excitado que sua transformação em mulher, exibida pela Playboy meses atrás.

Mike estava mexendo com produção musical e superdisposto. Com Tob, foi o oposto. Disse que não era a fim de falar, que era tímido, que tinha vergonha, que sei lá o quê. “Bicho, sou repórter, vim de Santa Catarina e tô na batalha que nem tu, quebra essa pra mim”, implorei. O apelo o sensibilizou. No dia seguinte, eu estava batendo na porta da casa de classe média em que ele morava com os pais em uma cidade do ABC paulista.

Antes tão reticente, Tob abriu o coração. Contou que se chamava Vimerson, estava cursando Jornalismo e planejava trabalhar com rádio e TV. Que compunha e sonhava em voltar ao meio artístico assim que o tratamento contra as perebas do rosto surtisse efeito. Cercado por discos de ouro (do Balão Mágico) pendurados na parede, pegou o violão e me mostrou suas músicas. Gostei mais do café com bolo servido por sua amável mãe. Saí de lá antevendo meu nome em um dos maiores diários do país.

Quando bati os olhos na matéria publicada, custei a acreditar. Assinada por mim, trazia o título “Tob promete voltar quando acabar com as espinhas”. À tarde, a recepcionista da revista em que eu cumpria minha segunda jornada avisou que uma senhora se identificando como mãe de um tal de Vimerson esperava na linha para falar comigo. Respirei fundo e fui enfrentá-la, imaginando a mijada que tomaria até esclarecer que não tinha nada a ver com aquela sacanagem que fizeram com seu filho.

Para minha surpresa, ela informou que havia pedido meu número no jornal para me agradecer. Alguém de uma emissora de televisão lera a reportagem e chamou Tob para um estágio. Aí eu desab(afe)i. Confessei que esperava um esporro, que a gente capricha no texto e vem um editor e estraga tudo e que jornalista é tudo mau caráter mesmo. A mulher riu do meu desespero. “Não se preocupe, Deus escreve certo por linhas tortas”, despediu-se. (Parece que Tob não ficou tão satisfeito.)

Pouco depois, eu seria contratado pelo Estadão, dando início a uma trajetória de conquistas que minha modéstia impressionante me impede de listar.

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Quem avisa amigo é



Demorei para reparar que ao final de determinados conteúdos do portal daquela empresa que vende maquininha de cartão há um dos dois avisos acima. A que ponto o conluio da infantilização com a maldade chegou: agora é necessário alertar quando é uma reportagem ou uma opinião.

Desconheço o porquê da precaução. Deve ser para que o tiozão do zap compartilhe links sabendo diferenciar uma coisa de outra – como se estivesse preocupado com o rigor factual das babaquices que espalha. Pode até funcionar para furar a bolha, mas me lembrou a placa com a inscrição “antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”.

PLAYLIST | sorriso amarelo, a gente resiste



Pare de andar correndo por aí sem direção.

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20230808

O pecado original ainda balança a memória



Se Beatles tem o Sgt. Peppers, Beach Boys tem o Pet Sounds e Pink Floyd tem o Dark Side of the Moon, o INXS tem The Swing.

Não, não, aí já é forçar a barra demais, até para padrões de fã.

Como Televisão para os Titãs e Freaky Styley para os Red Hot Chili Peppers, The Swing ensaia o que o INXS se tornaria.

Hmmm, também não é bem isso.

Parei de forjar alguma comparação histórica (e talvez estapafúrdia) para justificar uma predileção puramente pessoal: gosto tanto de The Swing porque vivia o meu verão do amor, morava a uma quadra da praia e ainda tinha muito mais futuro do que passado.

Descobri o disco em 1988, quando um amigo gravou em vídeo-cassete um especial da Rede Manchete sobre o INXS, então emplacando um sucesso atrás do outro com Kick. O programa, apresentado pela jovem Milena Ciribelli, mostrava trechos de shows e clipes, dando uma geral na trajetória dos australianos até o megaestrelato. Aquela temporada foi deles – e logo alguém da capital apareceria com um vinil importado de The Swing para a gente copiar.

Hoje com meia dúzia de cliques é moleza relacionar uma série de fatos que o destacam na discografia da banda. Lançado em 1984, o quarto álbum do INXS foi o primeiro gravado nos Estados Unidos e o primeiro com uma foto do grupo na capa. O single “Original Sin”, produzido por Nile Rodgers (o dono do groove da guitarra do Chic), escancarou o mercado do hemisfério Norte para eles, apesar do boicote promovido por rádios retrógradas por causa do teor multirracial da sua letra.

Na época, porém, a única informação que eu precisava me chegava pelos ouvidos. E o que eu ouvia logo na abertura era a levada irresistível da já citada “Original Sin”, não por acaso o grande hit do disco. Dali em diante, tudo soava muito diferente da ideia que eu tinha formado com o pouco que conhecia do INXS. Por mais que cada refrão grudasse na cabeça, parecia que sempre havia alguma camada – inclusive de melancolia – que se revelava somente após sucessivas audições.

Essa impressão nunca impediu The Swing de ser uma das trilhas sonoras de uma fase em que meu mundo era tão pequeno que ficava fácil ser bem-sucedido em quase tudo. Pelo contrário: o apelo pop de músicas como “I Send a Message”, “Dancing on the Jetty”, “Johnson’s Aeroplane”, “Love Is (What I Say) ou da faixa-título embalavam o momento com a certeza de que o tempo de escassas responsabilidades estava perto de acabar. Mas, enquanto não acabasse, eu curtiria sem pensar no amanhã.

Neste veranico extemporâneo do meio do ano, aproveitei um passeio à beira-mar para revisitar o disco como quem revê um amigo há muito distante. Bastou começar a rolar para me lembrar da beleza da apresentadora na imagem borrada do VHS, da invejinha que sentia do vocalista Michael Hutchence e de como eu acreditava que nada era impossível para mim. Passados esses anos todos, só The Swing conservou o frescor.

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SC no coração do Brasil



Esbarro com o Amigo Ativista no corre. Mesmo com a situação insinuando uma volta à normalidade, sua mente cidadã se mantém inquieta. Agora, o alvo das preocupações dele é a imagem de Santa Catarina. Com ar grave, afirma que o estado só não passa vergonha sozinho porque existe São Paulo. Não se conforma com os conterrâneos sendo dia sim, outro também, motivo de chacota e escárnio no noticiário nacional. Está pensando seriamente em lançar uma campanha de financiamento virtual para instalar outdoors por todo o país com a seguinte inscrição: “Faça como Gugu: ame um catarinense”.

PLAYLIST | é tão difícil encontrar outro você



São muitas razões que me desanimam.

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20230807

A fé se manifesta até onde menos se espera



O incauto transeunte que na sexta à noite vagasse por uma determinada praça no Centro de Florianópolis ficaria intrigado. Entre tantas casas ao redor transformadas em imobiliária, clínica, escritório de advocacia e até emissora de rádio, da única fachada ainda com as luzes acesas e portas abertas ecoava uma algazarra difícil de distinguir. Pelos aplausos, parecia comemoração. Pelo berreiro, uma sessão de exorcismo.

Era a cerimônia de conclusão de um curso de coaching.

No local, funciona uma franquia do autointitulado “maior treinamento de inteligência emocional do mundo”, com 36 unidades em três continentes. O método desenvolvido pela instituição promove “o despertar de gigantes”, seja qual for o aspecto da vida que o aluno queira transformar – como faturar dez vezes mais, criar um negócio de sucesso, ter alta performance, sair do endividamento ou salvar o casamento e a família.

Dezenas de pessoas, muitas com uniforme ou crachá denunciando que tinham vindo direto do trabalho, lotavam a garagem convertida em auditório. Cada uma delas pegava o microfone, gritava o que considerava o propósito de sua “jornada extraordinária”, recebia aplausos entusiasmados e chamava o seguinte para repetir o processo. “Eu sou capaz”, bradou um. “Eu venci”, urrou outra. “Eu estou pronto para liderar”, clamou um terceiro.

Tudo lembrava um culto. Havia um emissário (instrutor), os fiéis (formandos), a catarse (testemunhos) e a indispensável fé incondicional na eficácia do sistema. A diferença era que mesmo a mais mercantilista das religiões promete o sobrenatural, uma recompensa intangível a ser desfrutada pela eternidade. Ali, não: na ausência de qualquer transcendência, salvação e paraíso poderiam ser apenas outros nomes para dinheiro e lucro.

Depois de presenciar um pouco do ritual, o transeunte continuaria sua caminhada com mais dúvidas sobre cobiça e desespero que certezas quanto a aperfeiçoamento pessoal. Não julgaria ninguém, mas não conseguiria entender por que a expertise anunciada no cartaz colado em um poste em frente à casa – “trago seu amor amarrado e apaixonado” – era ridicularizada como se fosse uma crendice sem fundamento.

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