20230808

O pecado original ainda balança a memória



Se Beatles tem o Sgt. Peppers, Beach Boys tem o Pet Sounds e Pink Floyd tem o Dark Side of the Moon, o INXS tem The Swing.

Não, não, aí já é forçar a barra demais, até para padrões de fã.

Como Televisão para os Titãs e Freaky Styley para os Red Hot Chili Peppers, The Swing ensaia o que o INXS se tornaria.

Hmmm, também não é bem isso.

Parei de forjar alguma comparação histórica (e talvez estapafúrdia) para justificar uma predileção puramente pessoal: gosto tanto de The Swing porque vivia o meu verão do amor, morava a uma quadra da praia e ainda tinha muito mais futuro do que passado.

Descobri o disco em 1988, quando um amigo gravou em vídeo-cassete um especial da Rede Manchete sobre o INXS, então emplacando um sucesso atrás do outro com Kick. O programa, apresentado pela jovem Milena Ciribelli, mostrava trechos de shows e clipes, dando uma geral na trajetória dos australianos até o megaestrelato. Aquela temporada foi deles – e logo alguém da capital apareceria com um vinil importado de The Swing para a gente copiar.

Hoje com meia dúzia de cliques é moleza relacionar uma série de fatos que o destacam na discografia da banda. Lançado em 1984, o quarto álbum do INXS foi o primeiro gravado nos Estados Unidos e o primeiro com uma foto do grupo na capa. O single “Original Sin”, produzido por Nile Rodgers (o dono do groove da guitarra do Chic), escancarou o mercado do hemisfério Norte para eles, apesar do boicote promovido por rádios retrógradas por causa do teor multirracial da sua letra.

Na época, porém, a única informação que eu precisava me chegava pelos ouvidos. E o que eu ouvia logo na abertura era a levada irresistível da já citada “Original Sin”, não por acaso o grande hit do disco. Dali em diante, tudo soava muito diferente da ideia que eu tinha formado com o pouco que conhecia do INXS. Por mais que cada refrão grudasse na cabeça, parecia que sempre havia alguma camada – inclusive de melancolia – que se revelava somente após sucessivas audições.

Essa impressão nunca impediu The Swing de ser uma das trilhas sonoras de uma fase em que meu mundo era tão pequeno que ficava fácil ser bem-sucedido em quase tudo. Pelo contrário: o apelo pop de músicas como “I Send a Message”, “Dancing on the Jetty”, “Johnson’s Aeroplane”, “Love Is (What I Say) ou da faixa-título embalavam o momento com a certeza de que o tempo de escassas responsabilidades estava perto de acabar. Mas, enquanto não acabasse, eu curtiria sem pensar no amanhã.

Neste veranico extemporâneo do meio do ano, aproveitei um passeio à beira-mar para revisitar o disco como quem revê um amigo há muito distante. Bastou começar a rolar para me lembrar da beleza da apresentadora na imagem borrada do VHS, da invejinha que sentia do vocalista Michael Hutchence e de como eu acreditava que nada era impossível para mim. Passados esses anos todos, só The Swing conservou o frescor.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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