20180210

G.R.E.S. Unidos da Fancaria

Sexta-feira, final do expediente, colombinas, pierrôs, cabrochas & arlequins preparados para cair na folia: o Carnaval já é uma realidade. Você não vai exigir que uma coluna de música seja parida nessas condições, né? Mas isso não significa ficar sem nada para ouvir durante um período de tanta licenciosidade, quando a transgressão é consentida até nos redutos mais conservadores. A ocasião pede uma playlist na qual impera a tradição (sempre), a família (às vezes) e a propriedade (nunca) em todo o seu esplendor. Mesmo sabendo que é tudo fantasia, o que vale é a ideia. Evoé!



(coluna publicada ontem no
Diário Catarinense)

20180202

Desesperada canção de desilusão

Não há nada acontecendo. As instituições estão funcionando. Está tudo normal. Entendido, ponto, parágrafo. Depois de dias de comoção instantânea e derrota anunciada em Porto Alegre, voltamos para mais uma sessão de alienação-cidadã. É deste recôndito onde a esperança foi trocada pela resistência que surge a pergunta inadiável:

O que leva você a clicar em uma coluna de música?

(A) O título
(B) Um artista que você conhece e gosta
(C) Um artista que você não conhece
(D) O colunista
(E) Nada, você chegou aqui por engano

Se entre suas respostas está a alternativa C, parabéns. É você que fomenta o novo ou, no mínimo, tem personalidade, curiosidade e, principalmente, senso crítico para não limitar seu menu sônico a recomendações feitas por algum algoritmo que jamais se emocionou com um acorde, um refrão, um verso qualquer.

Todo esse trelelê é para dizer que urge descobrir Curtis Harding. Não, não se martirize por (também) nunca ter ouvido falar do dito cujo. Quase ninguém ouviu, mesmo com a edição americana da revista coxinha Rolling Stone tê-lo saudado como “artista que você precisa conhecer” após se encantar com a estreia, Soul Power (2014).



Então: é dele o melhor disco do ano passado que você não ouviu, Face Your Fear. A página de Harding no Bandcamp informa que o álbum reflete as muitas “vidas musicais” pelas quais o autor passou. Quando criança acompanhava a mãe, cantora gospel, em turnês pelo estado de Michigan (EUA). Crescido, foi tentar a sorte em Atlanta e acabou gravando vocais de apoio para o Outkast e para Cee-Lo Green.

Até resolver mudar e fazer tudo o que queria fazer. Podia ser abrir um food truck, virar motorista de Uber, especular com bitcoin. Para sorte do mundo, foi soltar o falsete liberal em um punhado de canções em que o soul ora se apresenta como ritos de acasalamento, ora como pequenos libelos psicodélicos – duas saídas altamente passíveis (e não excludentes) em tempos tão disparatados.

A faixa-título e “Need My Baby” já deram o ar da graça aqui entre as 70 músicas que farão 2017 ser lembrado por situações mais agradáveis do que o 7 a 1 nosso de cada dia. Questão de preferência, porque “Welcome to My World”, “Ghost of You” e “As I Am” não ficam atrás quando tudo o que se precisa é de uma voz que diga para se manter numa boa e não desistir. Mesmo naquelas horas em que o medo parece imbatível.

***

A trilha sonora adotada pelos movimentos aliados ao líder sobranceiro das intenções de voto para a presidência da República (significa?) requer uma repaginada o quanto antes – sob risco de não conquistar corações & mentes e ainda provocar uma desmobilização danada. No Acampamento pela Democracia montado na capital gaúcha, os alto-falantes foram dominados por “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores” e “Que País é Este?”, mais enfadonhas do que desembargador falando o que já era esperado. Cônscia do seu dever, esta coluna toma a liberdade de sugerir novos hinos (pinçados de várias fases do cancioneiro nacional, para espelhar a diversidade geracional da militância) à revolução na playlist abaixo.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)