20200416

Desabafo & desafio: só nos resta viver



Foi de um esculacho tamanho que simplesmente me travou. Mesmo os procrastinadores orgânicos, que não hesitam em retardar até a corda arrebentar, acusamos o golpe. Uma coisa é deixar para depois (ou nunca), outra é se sentir obrigado a não ter vontade de escrever nada. Não que eu tenha muita – ainda mais de graça. Mas impor um autobloqueio para tentar fugir da realidade, era a primeira vez.

O que gosto, não interessa ou é completamente desnecessário para o momento. O que me corrói, bastante gente com muito mais informação, propriedade e estilo dá palestrinha por aí – de graça, inclusive. Quanto mais eu me omitia, mais me orgulhava do meu livre arbítrio. A ilusão de que exercia algum controle sobre o processo crescia à medida que o tempo passava. A apatia havia chegado.

E não estava sozinha. Antes, eu não escrevia porque não queria. Quando quis, não consegui. A impotência evoluiu para uma culpa, herança da criação judaico-cristã que sempre aparece para colocar um pouco de solenidade nos nossos dramas mais comezinhos. Eu me encolhia de preguiça, não porque sofria. Depois de me odiar uns dias, veio a resignação: tudo o que eu poderia dizer já foi dito.

Hoje, nem minha vocação para adiar e protelar e postergar e transferir e cancelar e abortar serve para eu achar que me distingo entre a manada. Parei de perseguir a originalidade. Além da incapacidade de encontrá-la, não vai servir muito para mim neste momento. Vou viver este mundo porque não há outro mundo. E, para ter outro mundo, é preci-necessário viver. Besta é quem se entrega.