20201231

2020 EM 70 MÚSICAS
66 | Tricky, Fall Please (feat Marta)



Mesmo nos momentos menos inspirados, Tricky é chique. Mais do que uma rima, um antídoto para a cafonice dominante. Vamos definhar com classe, ao menos.

NA HISTÓRIA
2016 | #47 Hero

2020 EM 70 MÚSICAS
67 | Norah Jones, Heartbroken, Day After



Uma pessoa que sofre com Norah Jones não quer briga com ninguém.

NA HISTÓRIA
2012 | #2 4 Broken Hearts

2020 EM 70 MÚSICAS
68 | Cornershop, Slingshot



A primeira vez que precisei de um passaporte e de um visto para os Estados Unidos foi para cobrir a primeira escala do Lollapalooza 1996, no final de junho, em Kansas City. Sem credencial para me aproximar das atrações principais e louco para mostrar serviço em minha estreia internacional, saí em busca do próximo Kurt Cobain nos palcos secundários de Longview Lake. Encontrei o Cornershop. Em um line-up onde brilhavam Metallica, Soundgarden e Ramones, a conexão Índia-Londres da banda era o que havia de alternativo no festival que consagrou o termo.

Terminado o show, abordei o vocalista e guitarrista Tjinder Singh, que estava de rolê pela plateia. O sotaque dele e o meu broken english não se entenderam. Pedi para ele responder por escrito. No problem. Desde então, caio facinho em qualquer som mais ou menos do Cornershop. Por via das dúvidas, comprei também uma camiseta azul com Capsize 7 estampado em amarelo diretamente das mãos do próprio líder do grupo, vai que estoura. Nunca mais ouvi falar.

NA HISTÓRIA
2012 |
#11 What Did The Hippie Have In His Bag
2009 | #11 Who Fingered Rock ‘n’ Roll

2020 EM 70 MÚSICAS
69 | Chromeo, Clorox Wipe



A bolha ainda estava bem deslumbrada com a quarentena no começo de abril. Tinha livros grátis para baixar, acesso liberado a canais por assinatura, bônus, cupons, promoções para animar o confinamento. A temporada doméstica seria mais uma pastinha a ser reaberta em dezembro para a retrospectiva de 2020, praticamente uma experiência registrada no stories de algum influencer sensato com a certeza de que sairíamos todos melhores. 

Foi nesse contexto que o Chromeo chegou transformando a higienização protocolar em diversão safada. Mas, assim como a solidariedade de editoras, operadoras de tv a cabo, aplicativos e demais mercadores de ansiolíticos, a ironia não resistiu. A expectativa de passar mais de um ano esfregando álcool 70º em tudo enquanto agradece pelos seus problemas de gente privilegiada acabou com a possibilidade de conferir leveza à situação – pega aqui no meu “novo normal” e balança.

Fica o registro como legado do impacto da pandemia no discurso pop: um recorte que se torna inconveniente antes de se referir a uma época distante. Para nossa desgraça.  

NA HISTÓRIA
2014 | #15 Come Alive (ft Toro y Moi)
2010 | #1 When The Night Falls 
2009 | #6 Night By Night
2008 | #3 Treasure Fingers, Cross The Dancefloor (Chromeo Remix)  
2007 | #5 Fancy Footwork 

2020 EM 70 MÚSICAS
70 | Sonorado, Mentira



Versão de um dos clássicos de Marcos Valle assinada pelo projeto de Pupillo (Nação Zumbi) que recria instrumentais de temas de novelas. É a única mentira que esta lista suporta. E mais não falo para não dar gatilho.

NA HISTÓRIA
2017 
| #49 Nação Zumbi, Do Nothing
2013 | #24 Nação Zumbi, Girando em Torno do Sol
2007 | #6 Nação Zumbi, 
Originais do Sonho 

20201112

Graça como inspiração

Não caluniemos o nosso pequenino fascismo tupinambá: se o fizermos, perderemos qualquer vestígio de autoridade e, quando formos verazes, ninguém nos dará crédito. De fato ele não nos impediu de escrever. Apenas suprimiu o desejo de entregar-nos a esse exercício.

(Graciliano Ramos, em Memórias do Cárcere)

20200416

Desabafo & desafio: só nos resta viver



Foi de um esculacho tamanho que simplesmente me travou. Mesmo os procrastinadores orgânicos, que não hesitam em retardar até a corda arrebentar, acusamos o golpe. Uma coisa é deixar para depois (ou nunca), outra é se sentir obrigado a não ter vontade de escrever nada. Não que eu tenha muita – ainda mais de graça. Mas impor um autobloqueio para tentar fugir da realidade, era a primeira vez.

O que gosto, não interessa ou é completamente desnecessário para o momento. O que me corrói, bastante gente com muito mais informação, propriedade e estilo dá palestrinha por aí – de graça, inclusive. Quanto mais eu me omitia, mais me orgulhava do meu livre arbítrio. A ilusão de que exercia algum controle sobre o processo crescia à medida que o tempo passava. A apatia havia chegado.

E não estava sozinha. Antes, eu não escrevia porque não queria. Quando quis, não consegui. A impotência evoluiu para uma culpa, herança da criação judaico-cristã que sempre aparece para colocar um pouco de solenidade nos nossos dramas mais comezinhos. Eu me encolhia de preguiça, não porque sofria. Depois de me odiar uns dias, veio a resignação: tudo o que eu poderia dizer já foi dito.

Hoje, nem minha vocação para adiar e protelar e postergar e transferir e cancelar e abortar serve para eu achar que me distingo entre a manada. Parei de perseguir a originalidade. Além da incapacidade de encontrá-la, não vai servir muito para mim neste momento. Vou viver este mundo porque não há outro mundo. E, para ter outro mundo, é preci-necessário viver. Besta é quem se entrega.

20200227

Palavras que só a literatura sabe que existem

“Ele devolveu o troco, em notas de vinte, aquelas verdes, impressas com o rosto de Páez, o general díscolo da Guerra Federal, o homem que aprendeu sozinho a escutar Wagner.”
(Noite em Caracas, de Karina Sainz Borgo)

díscolo
dís.co.lo
adj s.m
1 Desordeiro. 2 Insubordinado. 3 Dissidente. 4 Que tem mau gênio. 5 Brigão.

No atual estado das coisas, ser chamado de díscolo é elogio.