20151229

Tão boa que até o pateta copiou


Em 2015, não houve uma canção que unisse corações, mentes e quadris como Hey Ya (2003), Crazy (2006), Get Lucky (2013) ou Happy (2014). Mas quaisquer dúvidas sobre qual seria a música do ano se dissiparam com o lançamento do disco Adivinha, de Lucas Lucco (acima, no detalhe). Quando até um pateta como ele se rende e, no maior descaramento, copia a capa de Hotline Bling, é porque o negócio é forte. Como se não bastasse, o single de Drake ganhou versão de Erykah Badu e remix de Justin Bieber. Ou seja, não importa o formato, de alguma maneira a faixa vai pegar você. Conheça as outras nove:

10 | Michael Head & The StrandsPoor Jill


A gravação é de 1997. O lançamento é de 2015, na reedição do disco de estreia da banda. E a magia é de 1968, quando o sonho ainda vigorava.

| Noel Gallagher's High Flying BirdsRiverman



Solo de guitarra incomoda muita gente. Solo de guitarra e de saxofone incomodam muito mais. Não nessa balada linda do boquirroto inglês.

| EmicidaSalve Black (Estilo Livre)



O rapper paulistano não estava à procura da batida perfeita, mas a encontrou nas rimas inteligentes contra o ódio burro que fecham seu álbum.

| Tame ImpalaReality in Motion



Em sua viagem pelos anos 80, a maior loucura dos australianos foi emular o Rush do LP Hold Your Fire (1987) e, mesmo assim, conquistar os hipsters.

| The ArcsChains of Love



O blues de garagem pilotado por Dan Auerbach no Black Keys dá uma amaciada sem perder a aspereza neste projeto paralelo que confirma sua ótima fase.

| Mark Ronson, Daffodils (feat. Kevin Parker)



Tame Impala batendo ponto de novo – agora via Kevin Parker, que chega com um pote de ouro cheio de falsete para colorir o arco-íris setentista do produtor.

| Snoop DoggCalifornia Roll (feat. Stevie Wonder)



Stevie Wonder e Pharrell Williams se juntam ao rapper para celebrar o Estado onde as coisas acontecem, desde que se tenha os estímulos adequados.

| My Morning JacketOnly Memories Remain



Outra baladaça extemporânea, pungente e delicada o bastante para transformar a dor do que já foi na lembrança do que sempre será.

| The Chemical Brothers, I'll See You There



Psicodelia, quebradeira, distorção e calmaria em loop infinito, como uma espiral que vai atropelando tudo o que atravessa em sua frente.

| DrakeHotline Bling  | Erykah BaduCel U Lar Device



No original do rapper canadense ou na versão da cantora americana, a chamada piscando é o prenúncio de uma noite fervente.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

70 MÚSICAS DE 2015
11 | Duran Duran, Sunset Garage



Homenagem às madrugadas em que éramos todos imortais.

70 MÚSICAS DE 2015
12 | AM & Shawn Lee, Cold Tears



Suave na nave, tranquilo no mamilo.

70 MÚSICAS DE 2015
13 | Astronauts, etc., I Know



Gostoso como um sabor que só traz lembranças agradáveis.

70 MÚSICAS DE 2015
14 | New Order, Tutti Frutti



Veteranos no cozimento de corpos nunca erram o ponto do massa.

70 MÚSICAS DE 2015
15 | Aldo, Liquid Metal



Aldo é uma pessoa real. E é uma banda, que não tem nenhum Aldo. Em tempos líquidos, nada como metal no mesmo estado para dissolver a linearidade.

70 MÚSICAS DE 2015
16 | Boogarins, 6000 Dias (Ou Mantra dos 20 Anos)



Romance de formação assinalado por guitarras entorpecidas.

70 MÚSICAS DE 2015
17 | Unknown Mortal Orchestra, I Can't Keep Checking My Phone



Dilemas da modernidade tratados de acordo com os mais rígidos preceitos do deboísmo.

70 MÚSICAS DE 2015
18 | The Chemical Brothers, Born in the Echoes (feat. Cate le Bon)



Química orgânica.

70 MÚSICAS DE 2015
19 | Beck, Dreams



Oba, Beck se cansou das toadas de viola e resolveu desenferrujar o esqueleto.

70 MÚSICAS DE 2015
20 | Skylar Spence, I Can't Be Your Superman



O cara se chamava Saint Pepsi. Teve que trocar de nome por causa do refrigerante. Não foi ele que acabou tomando nessa história.

70 MÚSICAS DE 2015
21 | Mark Ronson, In Case of Fire (feat. Jeff Bhasker)



A influência benfazeja de Stevie Wonder faz mais uma vítima.

70 MÚSICAS DE 2015
22 | The Weeknd, Can't Feel My Face



Esteja onde estiver, Michael Jackson sorri, com invejinha saudável.

70 MÚSICAS DE 2015
23 | Chic, I'll Be There



Muitos se arriscam a imitá-lo, mas só Nile Rodgers tem a munheca dourada que tantos hits já assinou com sua guitarra. Se foi um ensaio para sentir a febre, pode mandar mais.

70 MÚSICAS DE 2015
24 | The Arcs, Everything You Do (You Do for You)



Trilha para strip-tease.

70 MÚSICAS DE 2015
25 | Courtney Barnett, Pedestrian at Best



#meuamigosecreto diz que sente um tesão danado por "essas minas guitarrudas que cantam com raivinha".

70 MÚSICAS DE 2015
26 | Protoje, Answer to Your Name



Conversinha mole que leva você no bico.

70 MÚSICAS DE 2015
27 | Blur, Go Out



Quem fala a língua do pop consegue experimentar com mais facilidade.

70 MÚSICAS DE 2015
28 | Escort, If You Say So



Movimento curvilíneo uniforme.

70 MÚSICAS DE 2015
29 | Miami Horror, Out of Sight



A música que o Duran Duran não fez porque buscava algo mais afinado com o presente.

70 MÚSICAS DE 2015
30 | Snoop Dogg, This City



Esta é a sua cidade, este é o seu hino e Snoop é seu prefeito.

70 MÚSICAS DE 2015
31 | Formation, Hangin



Promete.

70 MÚSICAS DE 2015
32 | Toro y Moi, Empty Nesters



Sessão de bronzeamento mental.

70 MÚSICAS DE 2015
33 | Tame Impala, 'Cause I'm a Man



Um homem que admite suas fraquezas tem tanto valor quanto o que sabe manejar uma furadeira.

70 MÚSICAS DE 2015
34 | Iron Maiden, Speed of Light



Lá vem o Eddie convidar a gente para jogar RPG. Bem que ele tentou, mas não se acertou com os videogames.

70 MÚSICAS DE 2015
35 | Eagles of Death Metal, Complexity



Complexidade mesmo foi os noticiários entenderem que, apesar do nome, a atração do Bataclan durante os atentados em Paris está mais para um cruzamento de Kiss com Franz Ferdinand do que para uma banda de metal.

70 MÚSICAS DE 2015
36 | Tulipa Ruiz, Físico



Empoderamento feminino em versão Olivia Newton-John.

70 MÚSICAS DE 2015
37 | Louis la Roche, Bright Future



Do luar à aurora.

70 MÚSICAS DE 2015
38 | Miami Horror, Love Like Mine (feat. Cleopold)



Reciclagem para as pistas.

70 MÚSICAS DE 2015
39 | The Chemical Brothers, Go (feat. Q-Tip)



Uma jamanta movida a rimas.

70 MÚSICAS DE 2015
40 | Kendrick Lamar, King Kunta



Um tanto de balanço em meio ao falatório do (e sobre) o rapper.

70 MÚSICAS DE 2015
41 | Trails and Ways, Jacaranda



Madeira de dar em indie.

70 MÚSICAS DE 2015
42 | Jaloo, Insight



Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante. (VELOSO, Caetano, 1977)

70 MÚSICAS DE 2015
43 | Art vs Science, Chosen One



O primeiro verso liquida a fatura.

70 MÚSICAS DE 2015
44 | New Order, People on the High Line



Envelhecer sem perder o traquejo.

70 MÚSICAS DE 2015
45 | Astronauts, etc., If I Run



Em câmera lenta pelos confins da galáxia.

70 MÚSICAS DE 2015
46 | Cidadão Instigado, Ficção Científica



Retrofuturismo do agreste.

70 MÚSICAS DE 2015
47 | Moving Panoramas, One



As garotas & seus problemas.

70 MÚSICAS DE 2015
48 | Blundetto, Last Broken Bones (feat. Marina P)



Na brisa tudo se dissipa.

70 MÚSICAS DE 2015
49 | My Morning Jacket, Thin Line



Épico de acender celular no show.

70 MÚSICAS DE 2015
50 | Belle and Sebastian, The Party Line



Isabel e Sebastião saem para conhecer gente nova.

70 MÚSICAS DE 2015
51 | Slaves, Cheer Up London



Desatinos compatíveis com a idade dos rapazes.

70 MÚSICAS DE 2015
52 | Foals, Snake Oil



Café da manhã dos campeões.

70 MÚSICAS DE 2015
53 | The Arcs, Stay in My Corner



Sofrência com categoria.

70 MÚSICAS DE 2015
54 | My Morning Jacket, Tropics (Erase Traces)



Toda a pompa e circunstância que um sonzão requer.

20151228

70 MÚSICAS DE 2015
55 | NX Zero, Breve Momento



Me julguem.

70 MÚSICAS DE 2015
56 | To Be Frank, Shot



Maturidade não é covardia.

70 MÚSICAS DE 2015
57 | Black Alien, Homem de Família



A redescoberta da felicidade nas pequenas coisas.

70 MÚSICAS DE 2015
58 | Danglo, Catch My Eye (feat. Ivan Franco)



Elegância blasé.

70 MÚSICAS DE 2015
59 | Snoop Dogg, Peaches n Cream (feat. Charlie Wilson)



Um cachorro under a groove.

70 MÚSICAS DE 2015
60 | Tuxedo, The Right Time



A hora certa para pensar menos e se divertir mais.

70 MÚSICAS DE 2015
61 | Jupiter, Sun, Gun, Gum



Quente, letal & grudento.

70 MÚSICAS DE 2015
62 | Courtney Barnett, Depreston



Tchubaruba de mulher.

70 MÚSICAS DE 2015
63 | Bike, Isso/Daquilo



A conquista do espaço em duas rodas.

70 MÚSICAS DE 2015
64 | Marian Hill, Got It



Sax biruta sexy delícia.

70 MÚSICAS DE 2015
65 | Passion Pit, Where the Sky Hangs



Sabe de tudo, inocente.

70 MÚSICAS DE 2015
66 | !!!, Freedom '15



Liberdade para botar o que quiser onde quiser.

70 MÚSICAS DE 2015
67 | Rascal Experience, Marauders Thoughts



Derivações que só são toleradas entre moleques.

70 MÚSICAS DE 2015
68 | Maglore, Dança Diferente



Assoviando & pegando uma praia como Los Hermanos.

70 MÚSICAS DE 2015
69 | Neil Young + Promise of the Real, A Rock Star Bucks a Coffee Shop



Assoviando & dando nome aos bois.

70 MÚSICAS DE 2015
70 | Breakbot, Back for More



O melhor jeito de começar uma retrospectiva das músicas do ano: com o mago francês dos sons vintage anunciando sua volta para mais.

20151222

Um ano cheio de discaços


O melhor disco de 2015 foi aquele que você montou sem dar a mínima para artista, estilo, época ou… disco. Em tempos de música via nuvem, talvez não faça muito sentido ficar arrotando que determinado álbum é mais “alguma coisa” do que outro. Mas até que o mundo – e isso inclui os artistas também – adote outra convenção para designar o lançamento de um punhado de músicas, é em discos que a gente vai se agarrar para guiar nossas preferências e frustrações. Para chegar à relação abaixo, foram ouvidos mais de 200 trabalhos, uns por meros segundos, outros sem parar durante meses. Eis os que sobreviveram para entrar em sua próxima playlist, nem que seja no modo randômico:

10 | NEW ORDER Music Complete
Em seu trabalho mais inspirado neste século, os veteranos ingleses matam a saudade das pistas. OUÇA “Tutti Frutti”, “People on the High Line”, “Plastic”.



9 | ALDO Giant Flea
Nenhuma banda gringa fez um disco na linha indie-dance como o grupo paulistano que canta em inglês. OUÇA “Liquid Metal”, “Good Morning Pumpkin”, “2nd Hand Chest”.



8 | ERYKAH BADU But You Caint Use My Phone
Uma mixtape sobre a relação com o telefone. Atenda ao ouvir o ronronar na linha. OUÇA “Cel U Lar Device”, “Phone Down”, “Mr. Telephone Man”.



7 | MY MORNING JACKET The Waterfall
A América profunda e empoeirada em baladas de despedaçar corações. OUÇA “Only Memories Remains”, Thin Line”, “Tropics (Erase Traces)”.



6 | BLUR The Magic Whip
Após 12 anos, o grupo volta com tintas asiáticas e africanas para diversificar o britpop natal. OUÇA “Go Out”, “Lonesome Street”, “There Are Too Many of Us”.



5 | MARK RONSON Uptown Special
Um “álbum de produtor” regido por um suíngue vintage que vai de Stevie Wonder a Tame Impala. OUÇA “Daffodils”, “In Case of Fire”, “Leaving Los Feliz”.



4 | SNOOP DOGG Bush
O infalível Pharrell Williams e uma certa erva ajudaram o cachorrão a lembrar como o rap era divertido. OUÇA “California Roll”, “Peaches n Cream”, “This City”.



3 | TAME IMPALA Currents
Acostumados a viajar, os australianos desceram na década de 80 e se sentiram bem por lá. OUÇA “Reality in Motion”, “Cause I’m Man”, “The Less I Know the Better”.



2 | THE ARCS Yours, Dreamily
Já está ficando chato esse negócio de Dan Auerbach (Black Keys) acertar sempre. OUÇA “Everything You Do”, “Chains of Love”, “Stay in My Corner”.



1 | THE CHEMICAL BROTHERS Born in the Echoes
Filtrado, recortado e traduzido para 2015, o pop de todos os tempos saúda o futuro. OUÇA “I’ll See You There”, “Born in the Echoes”, “Go”.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151215

5 shows inesquecíveis de 2015

Tão tradicional quanto o peru de Natal ou se vestir de branco no réveillon é aproveitar esta época para passar o ano em revista. Hoje e pelas próximas quatro terças, este espaço irá se dedicar ao que de melhor e/ou mais relevante rolou em música nos últimos 12 meses segundo a sempre peculiar, às vezes incompreendida e – ainda bem – nunca unânime opinião do acima assinado. Começamos pelas ocasiões em que valeu a pena ser achacado no estacionamento, pagar uma pequena fortuna por qualquer líquido, levar cotoveladas e não entender o que o vocalista está cantando: os grandes shows de 2015 (em ordem cronológica).

Sublime with Rome @ P12, FLORIANÓPOLIS (31/1) | A banda certa no lugar certo na hora certa. Um grupo nascido na Califórnia e crescido com uma maresia litorânea em que predominam ska e reggae, tocando no verão em um beach club de uma ilha famosa pelas suas praias. Para lembrar: a citação de “Legalize It” (Peter Tosh) no meio de “Scarlet Begonias”; o fumacê que tomou conta do ambiente em “Doin’ Time”; a sessão pula-pula provocada por “Wrong Way”. [+]

Kiss @ DEVASSA ON STAGE, FLORIANÓPOLIS (20/4) | Nada como quatro mascarados para colocar as coisas em sua devida dimensão histórica. Duas horas de clássico atrás de clássico, fazendo tiozinhos reviverem a melhor fase de suas vidas, filhos descobrirem de onde vem o jeitão esquisito de seus pais e todos erguerem os punhos nos refrãos. Para lembrar: “I Love it Loud”. Não, “War Machine”! Uau, “Calling Dr. Love”! Rock’n’roll a noite inteira, ponto. [+]

Azymuth @ TEATRO PEDRO IVO, FLORIANÓPOLIS (29/4) | O trio carioca abriu a quinta edição do Jurerê Jazz Festival mostrando sua excelência em fundir estilos como bossa nova, samba e jazz para formar uma massa compacta de groove & leveza. Para lembrar: o respeito solene com o qual a plateia recebeu “Meditação” (Tom Jobim); o coro em “Linha do Horizonte”; a simpatia do baterista Mamão ao final do show, dando autógrafos e tirando fotos. [+]

Buena Vista Social Clube @ TEATRO ADEMIR ROSA, FLORIANÓPOLIS (18/5) | Ao contrário de uma certa melancolia que permeia seu único disco de estúdio (gravado em 1987), ao vivo a instituição cubana emanou uma vibração que acabou contagiando inclusive os momentos mais intimistas da apresentação. Para lembrar: Omara Portuondo botado para quebrar aos 85 anos; a homenagem no telão aos integrantes que já se foram. [+]

Legião Urbana @ HANGAR, TUBARÃO (21/11) | Finalmente o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá resolveram brindar os fãs com um show de verdade, sem papinho de tributo e com um vocalista – o ator André Frateschi – que evita a vergonha de querer imitar Renato Russo. Para lembrar: “A Dança”, somente uma das muitas joias do primeiro disco, executado na íntegra e na ordem das faixas no vinil. [+]

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151208

Erykah Badu tem uma ligação para você

Você pode achar que é implicância com Adele. O fato é que o colunista ainda se divertia com os impropérios merecidos na terça passada por ter dito que ela fez um disco mais chato do que hospedar parentes em casa em um final de semana com chuva – e ainda por cima com criança pequena –, quando pintou o novo trabalho de Erykah Badu, But You Caint Use My Phone. A comparação é inevitável: enquanto a inglesa murmura “alô, sou eu”, a texana dedica um disco inteiro à relação da sociedade atual com o telefone. E aí fica a critério do ouvinte escolher de quem preferiria receber uma chamada.

A rigor, nem se trata de um lançamento convencional. Em seu primeiro projeto desde New Amerykah Part Two, de 2010, Erykah Badu apresenta uma mixtape – apanhado de vinhetas e rascunhos de canções. O ponto de partida foi um remix para “Hotline Bling”, o single do rapper canadense Drake que se tornou uma das músicas emblemáticas de 2015 (tanto que até Justin Bieber a gravou). Pelas mãos da cantora, o sucesso virou “Cel U Lar Device”, um R&B no qual o ronronar dela se encarrega de conferir manha & malícia às rimas.



Daí a coisa evoluiu para a necessidade de se estar sempre conectado nos celulares. Citando obras de Usher, New Edition, Isley Brothers e Todd Rundgren sobre ligações telefônicas, a mulher compõe um mosaico que denominou de TRap&B (trap, rap, R&B). Rótulos à parte, destaca-se aquilo que Erykah Badu sempre soube fazer: ritos de acasalamento em que as letras, por mais conscientes que sejam, repousam em segundo plano diante dos instintos primitivos despertados pela música, como nas também insinuantes “Phone Down” e “Mr. Telephone Man”. Se ela ligar, é melhor você atender.

Ponto para o rock
Lançado originalmente em fevereiro, o quarto álbum dos ingleses do Foals ganha edição nacional para o fã brasileiro que acompanha o grupo desde o início se surprender. Se antes a banda soava mais “moderninha” (com os prós e contras que o termo implica), agora o rock aparece com mais vigor. Ainda que paire um certo ar indie-fofura, são as guitarras que movem What Went Down – e é difícil precisar até que ponto a produção de James Ford, conhecido por seu trabalho com Arctic Monkeys, tem influência nisso. Em vez de perder tempo com essas questiúnculas, bote “Snake Oil” no talo e volte a ter 15 anos. Ou suspire pelo que passou com “Mountain at My Gates”.



 L ANÇAMENTOS


Tom Custódio, Confronto – O segundo disco do blumenauense elogiado por Mallu Magalhães é fruto do Prêmio da Música Catarinense, que o elegeu o artista revelação de 2013. “Pânico” abre com um pop rock, uma das duas vertentes dominantes do álbum, presente também em “Você Você Você”. Mas a linha dominante é a suavidade de “Verão” e “Conflito”, trazendo uma leveza que invade o sambinha “Pro Amor Que Doía”.



Marrero – O trio paulistano faz rock feio, sujo & malvado com amplificadores valvulados e tecnologia analógica. Isso significa que a banda está pouco se lixando para o próximo hype, investindo em riffs pesados, que se arrastam com a desenvoltura de uma bigorna. O lançamento integra a plataforma musical de uma marca de cerveja e, caso petardos como “Quem Será?” ou “Rei” não decolem, não faltará bebida para consolar.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20151201

Só os números justificam Adele

Enquanto você lê estas mal-batucadas, é provável que o disco 25, de Adele, já tenha vendido mais algumas milhares de cópias. Lançado no dia 20, o terceiro álbum da cantora inglesa vem colecionando estatísticas superlativas. Na primeira semana, 3 milhões de exemplares foram comercializados nos Estados Unidos (o triplo da expectativa) e 737 mil na Inglaterra (superando o recorde de Be Here Now, do Oasis). Nos dois primeiros dias, o clipe de Hello foi assistido 1 milhão de vezes por hora e a música está em primeiro lugar nas paradas de 106 países.



Os resultados coroam o talento da moça e justificam o investimento na produção do trabalho, mas, sobretudo, mostram como o mundo anda careta & carente. O tal do 25 é mais chato do que hospedar parentes em casa durante um final de semana com chuva – e com criança pequena, ainda por cima. Tirando “Send My Love (To Your New Lover)”, que com muita boa vontade poderia ser uma sobra de estúdio de Amy Winehouse, as demais músicas não passam de baladas assépticas nas quais Adele se reafirma com sua voz de contralto. Na fossa ou numa boa, a deprê é a mesma.

Para satisfação do mercado, do empresário e dos outros elos da cadeia produtiva em torno da artista, até o nome do disco segue o padrão dos anteriores 19 e 21 – a idade dela quando escreveu as letras. Que eles se assanhem com os números, tudo bem; esse é o propósito. O que não dá para entender é o público embarcando nessa. Parece coisa de torcedor que, à falta de vitórias em campo, comemora verba de TV, média de público e pacotes do pay-per-view como gols do seu time. Assim é o fã de Adele: brande os resultados de 25 porque da música não há muito o que falar. E viva o efeito manada.

Legado grunge
Há 20 anos, o Silverchair surgiu com o disco Frogstomp e foi rapidamente assimilado como uma cópia de Pearl Jam. Com o devido distanciamento histórico, ficou evidente que ninguém defendeu o grunge com o empenho do trio. As bandas tradicionalmente associadas ao estilo – Nirvana, o próprio Pearl Jam e quejandos – partiram para outras direções, deixando de cheirar como espírito juvenil (pegou?). O Silverchair, não. Até hoje, marmanjos de todas as idades venderiam a alma ao diabo para emular o “som de Seattle” tão bem quanto os moleques australianos em sua estreia. A edição comemorativa da data vem com o CD original, outro com raridades e um DVD ao vivo. Para lembrar da época em que a gente acreditava que as camisas de flanela salvariam o mundo.



 L ANÇAMENTOS


Antonio Rossa, O Próximo Passo – O catarinense Rossa é daqueles artistas que tentam dar dignidade ao pop. A despeito do baixo orçamento e do pouco reconhecimento, seu trabalho sempre trata bem a inteligência, apresentando capricho acima da média e acabamento profissional. Este single mantém o padrão, com um belo clipe gravado no Chile, Argentina e Brasil.



Silva, Júpiter – O capixaba Silva já tinha dado mostras de onde seria capaz de chegar com o single Noite, que nem a participação de Lulu Santos conseguiu estragar. Agora chega o disco inteiro e as notícias são cada vez melhores. A promessa dos dois álbuns anteriores se confirmou e, com batidas discretas, R&B de leve e letras espertas, ele está pronto para conquistar o lugar que merece.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)