20150327

A maior atração do Rock in Rio

No site do Rock in Rio, há uma seção para o público contar suas experiências com o festival. (Spoiler: vem aí um arrazoado em primeira pessoa.) Tenho algumas. No primeiro, assistido pela TV em Laguna (SC), comecei a me ligar em música. No segundo, saí de ônibus de Florianópolis para ver Guns N’ Roses, dormi na praia e voltei de carona em um caminhão. No terceiro, morava em São Paulo e fui às sete noites credenciado pela finada revista Bizz, com avião, hotel & demais facilidades. Novamente chamando a Ilha de lar, ignorei o quarto e o quinto.

Continuaria ignorando a sexta edição do festival no Brasil, a ser realizada em setembro, não tivesse me transformado em colunista musical. Confiro os 49 shows anunciados até agora. Grandes bandas, fenômenos das paradas, cadáveres insepultos, presenças inexplicáveis, encontros inusitados. Camerata Florianópolis com Steve Vai, massa. Resisto à tentação de cometer qualquer trocadilho com o sobrenome do guitarrista e vou rolando a página. No rodapé, surge a atração mais surpreendente: o selo da Lei de Incentivo à Cultura.

Tudo legal. Mas será que um evento com o apelo comercial do Rock in Rio precisa acenar com renúncia fiscal para se viabilizar? O banco, a distribuidora de combustível, o refrigerante, a montadora, a telefônica e a cerveja não associariam suas marcas ao festival se não pudessem abater quase R$ 18,5 milhões em impostos? Como é que o ministério aprova um negócio desses? Antes de ficar aborrecido com as respostas, prefiro me lembrar da música-tema de 30 anos atrás e não parar mais de cantar, de sonhar, de amar, de viver.

Hasta siempre
Enquanto o dia 18 de maio não chega de uma vez para a gente se emocionar com o show do Buena Vista Social Club em Florianópolis, a solução para conter a ansiedade é ouvir o disco novo. Lindo de doer, Lost and Found mescla gravações que não entraram no álbum de estreia, em 1997, canções inéditas e registros ao vivo. Entre rumbas, guajiras, boleros e outros ritmos dos magníficos cubanos, emerge a saudade daqueles que já se foram (Compay Segundo, Ibrahim Ferrer, Rubén González, Cachaíto Lopez) e do que ainda nem aconteceu: a despedida do grupo, com a dama Omara Portuondo representando as estrelas originais.



LOCAIS
////// Está na praça o DVD do Ária Cirrata, quinteto que conta na formação com os também Cassim & Barbária Eduardo Xuxu (baixo e vocais) e Gabriel Orlandi (vocais e guitarra). A banda segue a cartilha do rock progressivo clássico nas influências – Van Der Graaf Generator, Pink Floyd, Genesis e King Crimson – e na duração das músicas: de sete a 23 minutos cada (!). Com quatro canções filmadas ao vivo (sem público), a bolachinha foi bancada com recursos do edital Elisabete Anderle de Incentivo à Cultura e é distribuída gratuitamente nos shows do grupo.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150320

Procura-se a galinha

Os animais estavam indignados. Ninguém ligava para a arte que faziam. Sempre fora assim, mas antes pelo menos o Poder Real destinava alguns trocados a fundo perdido para a produção independente. Agora, nem isso. Depois que o Leão foi reeleito prometendo austeridade, os incentivos e equipamentos culturais da floresta minguaram. O pouco que havia restado era disputado com unhas e dentes pelos roedores do marketing, pelos répteis das corporações e pelos carrapatos aliados da administração.

Da revolta, nasceu um manifesto para unificar a selva em torno de um "projeto de política de Estado que absorva as manifestações culturais incompreendidas pelo consumidor". Lançado o mote, as hienas da organização começaram a agir. Em uma clareira abandonada, montaram a sede do movimento – um reduto para abrigar shows, oficinas, debates e coleta de assinaturas em prol da causa. A programação, "democrática, sem repetição de atrações ou predomínio de uma expressão apenas", estaria garantida pela vastidão de talentos injustiçados pela lógica fria do mercado.

Para a inauguração, convidaram a Raposa. O auditório silvestre lotou para ouvir a ex-produtora e ex-diretora de estatal que largou tudo para criar uma ONG dedicada à preservação dos direitos autorais esmiuçar como as coisas funcionam no sistema. Além do cheiro indisfarçável dos gambás (que também almejavam o sucesso), a expectativa pairava no ar. "Mais do que acreditar, é preciso estar preparado", começou a palestrante. E, sentindo a responsabilidade invadir suas narinas, contou-lhes a seguinte fábula:

Certa feita, o verão alongou-se demais, as chuvas não vieram e a seca tomou conta da floresta. Desesperados, bichos de todas as espécies resolveram invocar o Criador com uma trezena. Todo final de tarde, reuniam-se para rezar. No 13º e último dia, trovões interromperam o clamor das orações. Chovia. Muito. Tanto que eles não conseguiam voltar para casa, impedidos pelo temporal. Então uma galinha, já avançada em anos, roupa escura denunciando a viuvez, pegou o seu guarda-chuva e retornou ao lar. Só ela trouxera sua sombrinha.

Triunfante, a raposa encarou a audiência."Quem é a galinha aqui?", perguntou. Aqueles que entenderam a metáfora ficaram perplexos. A maioria estava ali para reivindicar mais espaço, mais verba e mais boa vontade para a sua arte – para sempre. Não havia nenhum projeto para um futuro autossuficiente. Poucos botavam fé na capacidade de se sustentar sem amparo. Excluída a hipótese do repasse de dinheiro público, o movimento não parava em pé.

O choque foi demais para os animais, que imediatamente deixaram de falar e assumiram sua condição irracional. Por causa disso, até hoje têm dificuldade de conceber outras maneiras – sem edital, sem indicação, sem favor – de salvar a floresta.

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150313

Wander Wildner para presidente



O gaúcho Wander Wildner já foi boy do subterrâneo, já teve uma camiseta escrita “eu te amo”, já acreditou em milagres. Hoje, pergunta no título de seu oitavo disco Existe Alguém Aí?. Diz ele que é um álbum conceitual, com sua visão crítica da sociedade. Mas não espere panfletagem. O ex-replicante, ex-punk-brega e ex-trovador folk está calejado demais para dividir o mundo entre destros e canhotos ou achar que tem a solução para os problemas urbanos. Aos 55 anos, encara a política em seu sentido mais amplo, priorizando pessoas a ideologias.

A inclinação estadista de Wander vem em boa hora. Em tempos de posições extremadas, de indignação seletiva e de apostas no quanto pior, melhor, o bardo comporta-se como um Pepe Mujica do rock. Com a simplicidade e a clareza do ex-presidente uruguaio, fala de solidão (“Sua Própria Companhia”), da metrópole caótica (“Réquiem para uma Cidade”), de levar uma vida saudável (“Plantar, Colher e Depois Dançar”). Ainda que aborde questões pontuais, como em Naquela Noite Ela Chorou”, importa-se mais com a frustração do que com o resultado das urnas.

Antes que o trecho “todos viram a democracia acontecer, mas com um resultado devastador” preste-se a interpretações oportunistas, ele explica que refere-se à eleição de Lasier Martins (PDT-RS) ao senado, em 2014. Ao perceber que “a maioria queria o que ela não queria”, a moça da canção lamenta e vai em frente. Um futuro cheio de esperança a recebe em “Numa Ilha Qualquer” e em “Saudade”, porque Wander pode até mudar o som para mais pesado ou a temática para menos romântica, nunca o tom. No fundo, é o mesmo querido de sempre.

Dias de ovelha negra
 Outra cantora que junta-se à lista das dez brasileiras para ficar ligado publicada aqui na semana passada é Andreia Dias. Em seu quarto disco, Prisioneira do Amor, ela desencava dez músicas gravadas por Rita Lee de 1968 a 1978 – das quais apenas uma, “Ovelha Negra”, foi hit. Entre as versões dirigidas por Tim Bernardes, do trio O Terno, estão curiosidades como os versos censurados em 1972 (“Beije-me a boca / Com tua boca vermelha / Para que eu sinta a saliva / E o gosto de cuspe / Escorrendo entre os dentes meus”) de “Beija-me Amor”.



TEM QUE CONHECER ||||||| 
SHUGGIE OTIS
Em 1974, quando lançou Inspiration Information, no qual cantou e tocou guitarra, piano, órgão, baixo e bateria, Shuggie Otis tinha apenas 22 anos. Apesar da pouca idade, a fluidez com que ele costurava soul, R&B e funk despertou comparações com Marvin Gaye, Curtis Mayfield e Sly Stone. Os Rolling Stones também piraram e o convidaram para substituir Mick Taylor. Como bom torto, o californiano recusou. Pouco depois, devido ao fraco desempenho do disco, foi dispensado da gravadora e se retirou da cena (rumores apontam para complicações com drogas). Reapareceu com a edição do álbum em CD, em 2001, mostrando o gigante que poderia ter se tornado.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20150306

Dez brasileiras para se ligar



O dia é internacional; a seleção, não. Porque “agora chegou a vez, vou cantar, mulher brasileira em primeiro lugar”. Entre revelações e confirmações, confira dez artistas nacionais que, independentemente de estilo, merecem a sua atenção em 2015:

1 | ALICE CAYMMI Não fosse o sobrenome, ninguém diria que é neta de Dorival, filha de Danilo e sobrinha de Nana e Dori. Sua voz grave confere drama a versões de Caetano a MC Marcinho no segundo disco, Rainha dos Raios (2014). OUÇA “Homem”, “Princesa”, “Meu Mundo Caiu”.



2 | ALZIRA E Com oito discos na mala e 28 anos de carreira, a sul-matogrossense bate forte com O Que Vim Fazer Aqui (2014). Sem percussão ou bateria, o álbum traz a poesia do falecido Itamar Assumpção realçada por uma de suas mais viscerais intérpretes. OUÇA “Norte”, “Itamar É”, “Já Sei”.



3 | ANELIS ASSUMPÇÃO Como Alice, tem parente ilustre. Como Alzira, é ligada a Itamar. Como as duas, está com um belo trabalho na praça. Como o pai, canta e compõe. Ao contrário dos três, vai do samba ao reggae com naturalidade pop. OUÇA “Mau Juízo”, “Inconcluso”, “Declaração”.



4 | BLUBELL Em quatro discos, a paulista construiu uma pose de artista sofisticada, trilíngue e influenciada por jazz antigo. No último deles, Diva É a Mãe (2014), ela finge brincar com essa imagem e torna-se ainda mais charmosa. OUÇA “Bandido”, “A Mulher Solteira e o Homem Pavão”, “Regret”.



5 | CLAUDIA DOREI Cantora, compositora, trompetista e produtora carioca. No ano passado, lançou Inspire, segundo disco de uma trilogia iniciada em 2009 com Respire. No cardápio, climas com texturas de dub e cumbia, samba e jazz. OUÇA “Nada Além”, “Já Deu”, “Contato”.



6 | JULIANA SINIMBÚ É do colega do Anexo Giuliano Bianco a melhor definição para o som da paraense: “arrocha gourmet”. De fato, em Una (2014) a moça valoriza os ritmos regionais com suavidade, no limite da diluição. OUÇA “Para Um Tal Amor”, “Clarão da Lua”, “Não me Provoca”.



7 | KAROL CONKÁ Desde Batuk Freak (2013), a rapper curitibana não parou de ampliar horizontes, como atestam suas recentes tabelas com o Tropkillaz – projeto de trap (estilo que mistura rap com eletrônica) de Zegon, ex-DJ do Planet Hemp. OUÇA “Boa Noite”, “Tombei”, “Que Delícia”.



8 | MARCIA CASTRO No terceiro disco, Das Coisas Que Surgem (2014), a baiana estreia como compositora, solo ou com Arnaldo Antunes ou Lucas Santtana. O resultado é mais urbano, quase indie perto da MPB dos anteriores. OUÇA “Beijos de Ar”, “O Amor Tem Dessas”, “Esculacho”.



9 | MARIANA VOLKER Um skazinho introduz o EP Palafita (2014), o cartão de visitas da carioca para conquistar um lugar ao sol. Quem avaliza o potencial da ruiva é o experiente Liminha, produtor que já fez de tudo no rock nacional. OUÇA “Eterno Verão”, “Someblue”, “Palafita”.



10 | TULIPA RUIZ Lança o terceiro disco (ainda sem nome) em maio, novamente bancado pela Natura. Os músicos também são os mesmos. E mais não se sabe – nem se o recente single Megalomania serve como pista de onde a flor vai brotar. OUÇA “É”, “Quando Eu Achar”, “Sushi”.



(Coluna publicada hoje no Diário Catarinense)