20230805

Um homem chamado cavalo



Já escrevi muito sobre muita coisa para manter acesa a ilusão de que tenho uma carreira. Música, economia, política, esporte, tecnologia… Vou listando os temas e, talvez influenciado pelo número desta edição, percebo uma lacuna gritante: sexo. Entre as parcas exceções está uma reportagem para uma revista masculina em 1997. Basicamente, acompanhar a rotina um cavalo reprodutor para entender por que chamar um homem de “garanhão” era elogio.

Sugestão aceita, valor e prazo acertados, lá fui eu para um haras a 137 quilômetros de São Paulo. O casal estava no ponto. Ela, Funny Command, no dia e hora exatos para a ovulação. Ele, Xupeta, condicionado a ficar excitado toda vez que alguém perturbava seu sossego vespertino. O macho viu o traseiro da fêmea, sentiu o cheiro forte de urina e enlouqueceu. Dois homens tiveram que contê-lo e guiá-lo até um rolo de lona sustentado por duas vigas de madeira. A égua permanecia intocada.

Possuído pelo tesão, Xupeta avançou sobre o clone mal-feito e macetou com vontade. Vai, vem, vai, vem, vai, vem, acabou. Menos de 20 segundos, tempo suficiente para a dupla de peões encaixar uma ampola no membro dele e recolher o fruto de seu prazer, para frustração de Funny Command. Por inseminação artificial, dali a onze meses ela iria parir um filho do campeão do Congresso Americano de 1993 e campeão brasileiro de 1996. Um potro fadado a ser vencedor.

Resumindo, o garanhão era criado, tratado e alimentado como um banco de sêmen ambulante. A fêmea era mera figurante no ato. O veterinário explicou que o método impedia a propagação de doenças e evitava que a ejaculação do animal fosse desperdiçada em apenas uma cobertura. Resfriado a cinco graus centígrados, o esperma guardado durava até um dia e meio. Cada gozada rendia de 100 a 150 mililitros, o necessário para cinco fecundações.

Por preços de US$ 800 a US$ 2,4 mil, o haras hospedava outros 14 cavalos das raças quarto de milha e apalooza, com vários títulos e de boa linhagem, prontos para dar lucro aos seus donos e aos das éguas encaminhadas para o cruzamento. Não importava se havia penetração ou orgasmo da parceira, desde que ela fosse fertilizada. O máximo de envolvimento permitido consistia em algumas cheiradas e mordidinhas nas ancas da fêmea, prolongando o ato por dois a três minutos.

Toda vez que o garanhão era retirado da cocheira à tarde, ele sabia que acasalaria. Por isso, a euforia de Xupeta diante de Funny Command. O contato visual bastou para deixá-lo em ponto de bala: ela lavada e presa com o travão (cordas que passam pelo pescoço e imobilizam suas patas traseiras), para não ameaçar os testículos preciosos dele. Concluído o serviço, mais um banho e tchau. Tudo controlado nos mínimos detalhes, sem espaço para preliminares ou cumplicidade.

Para nunca falhar, os cavalos levavam uma vida de bacana. Despertar às 6h30 com ração e alfafa, duas pessoas para escová-los às 8h, 40 minutos de solzinho (o calor estimula a produção de espermatozoides) e exercícios, limpeza às 11h e mais ração ao meio-dia. A partir das 14h, estavam disponíveis para coleta de sêmen e cobertura. Às 16h, eram escovados e limpos de novo e ganhavam outra porção de ração e alfafa. Dormiam às 22h em baias de quatro metros quadrados, forradas com serragem.

Tanta mordomia para se resignar com transar dia sim, dia não, limitados a 10 éguas diárias, com meia hora de intervalo para os guerreiros se recomporem. Um garanhão firmeza começava na função com três anos – em geral com parceiras mais experientes, acostumadas ao furor e à falta de tato dos machos – e se aposentava aos 20. Sempre no esquema de bater o olho na fêmea, excitar-se, dar três ou quatro estocadas nela ou no simulacro, tomar um banho e se retirar.

Ou seja, sua performance era uma fraude, longe de justificá-lo como sinônimo de excelente desempenho. O editor captou o veneno e, com precisão, tascou na capa da revista: “Homem x cavalo – o garanhão é você”. Na comparação entre como as duas espécies faziam sexo, a única vantagem do equino sobre o humano estava no tamanho do membro. O do bicho atingia quase 80 centímetros. O homem que passar de 20 já pode ser considerado um cavalo.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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