20230809

Nunca duvide da magia do balão



Faltava um artista que unisse todas as tribos como o Norvana. Não falta mais: A Turma do Balão Mágico conseguiu a proeza de mobilizar esquerdopatas e bolsoafetivos, legalistas e garantistas, heteronormativos e pansexuais. A ampla coalizão formada para julgar o documentário sobre o grupo acomoda os mais discrepantes & abalizados vereditos. Uns acharam bom. Outros, ruim. Como não sou tão profundo assim nem assisti à série por não ter login e senha, só posso renovar minha gratidão.

[Spoiler: vem aí mais um papo-furado em primeira pessoa.]

Pela manhã, me defendia na diagramação de uma revista de uma raça de cavalo. À tarde, respondia pela edição de música em uma revista de cultura pop. Os dois empregos eram inspiradores e em 1995 pagavam o aluguel de um apartamento de dois quartos no Alto de Pinheiros, mas não representavam o que havia me impelido a trocar Florianópolis por São Paulo no ano anterior. A tara sempre foi escrever para um grande veículo impresso, que eu não precisasse explicar o que era, por onde circulava e qual a tiragem.

Então Simony apareceu. Em mais uma tentativa de reviver os dias de glória, ela anunciou que lançaria um disco solo. A reboque, a gravadora convidava a imprensa especializada para entrevistá-la. Na mesma semana, calhou de outra gravadora (bons tempos) pagar passagem aérea (ótimos tempos) para jornalistas irem a um show dos Mamonas Assassinas em Curitiba (tempos estranhos). No voo, sentei ao lado do colega Ricardo Alexandre, de O Estado de S. Paulo. Azar o dele.

O avião ainda rodava pela pista de Congonhas e eu já estava sugerindo um frila com ex-menina-prodígio do Balão Mágico. Com extremo tato, Ricardo argumentou que, se fosse para falar com ela, ele próprio falaria. Fui persistente – ou xarope, dependendo do ponto de vista: e se nós (cumplicidade é tudo) produzíssemos uma reportagem histórica com que fim levaram aquelas crianças que encantaram o Brasil na década de 1980? Ricardo se encarregaria de Simony e Jairzinho, eu de Mike e Tob.

O problema era que eu não fazia a menor ideia de como encontrá-los. Liguei para a assessora topando a entrevista oferecida com Simony, talvez ela mantivesse contato com eles. Conversamos quase duas horas sobre seu repertório e os planos para divulgar a obra. Pura enrolação. Meu único interesse era, entre perguntas protocolares, descobrir se ela tinha o telefone de seus antigos parceiros. O “sim” me deixou mais excitado que sua transformação em mulher, exibida pela Playboy meses atrás.

Mike estava mexendo com produção musical e superdisposto. Com Tob, foi o oposto. Disse que não era a fim de falar, que era tímido, que tinha vergonha, que sei lá o quê. “Bicho, sou repórter, vim de Santa Catarina e tô na batalha que nem tu, quebra essa pra mim”, implorei. O apelo o sensibilizou. No dia seguinte, eu estava batendo na porta da casa de classe média em que ele morava com os pais em uma cidade do ABC paulista.

Antes tão reticente, Tob abriu o coração. Contou que se chamava Vimerson, estava cursando Jornalismo e planejava trabalhar com rádio e TV. Que compunha e sonhava em voltar ao meio artístico assim que o tratamento contra as perebas do rosto surtisse efeito. Cercado por discos de ouro (do Balão Mágico) pendurados na parede, pegou o violão e me mostrou suas músicas. Gostei mais do café com bolo servido por sua amável mãe. Saí de lá antevendo meu nome em um dos maiores diários do país.

Quando bati os olhos na matéria publicada, custei a acreditar. Assinada por mim, trazia o título “Tob promete voltar quando acabar com as espinhas”. À tarde, a recepcionista da revista em que eu cumpria minha segunda jornada avisou que uma senhora se identificando como mãe de um tal de Vimerson esperava na linha para falar comigo. Respirei fundo e fui enfrentá-la, imaginando a mijada que tomaria até esclarecer que não tinha nada a ver com aquela sacanagem que fizeram com seu filho.

Para minha surpresa, ela informou que havia pedido meu número no jornal para me agradecer. Alguém de uma emissora de televisão lera a reportagem e chamou Tob para um estágio. Aí eu desab(afe)i. Confessei que esperava um esporro, que a gente capricha no texto e vem um editor e estraga tudo e que jornalista é tudo mau caráter mesmo. A mulher riu do meu desespero. “Não se preocupe, Deus escreve certo por linhas tortas”, despediu-se. (Parece que Tob não ficou tão satisfeito.)

Pouco depois, eu seria contratado pelo Estadão, dando início a uma trajetória de conquistas que minha modéstia impressionante me impede de listar.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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