20231206

Manifesto da obsolescência voluntária



Cansado de procurar algum tema pop para cá que me anime a vestir minha melhor versão. Uma notícia, um assunto, uma efeméride, um reles pretexto para eu desfilar uma opinião equilibrada entre a experiência de veterano e o tesão de iniciante. Mas o que acho das pautas que por um breve instante mobilizam a atenção geral me deixa parecendo um tiozinho falando do que não conhece com base no que conheceu, seja lá o que for.

O fato é que mal conheço os sucessos do momento. Não consigo identificar a maioria dos nomes que está no top 10. De alguns nunca ouvi falar. Outros nunca ouvi, só de falar. Acontece o festival tal e não me ligo nem em quando vão tocar as raras atrações escaladas que eu gostaria de ver, que dirá as demais. Nada contra, somente um desinteresse natural, acentuado por não precisar saber disso para pagar os boletos.

Daí a me desqualificar pelas referências que uso para analisar o que rompe a blindagem da minha ignorância já é sacanagem. Se eu não recorrer ao que conheci para desenvolver um senso crítico sobre o que estou conhecendo, vai sobrar muito pouco. Meu parâmetro mais confiável para avaliar o presente contínuo é a bagagem que trago do passado, com todos os vícios e vieses. Por isso, tento relativizar.

Em vez de defender que os artistas que admirei e os refrãos que cantei junto e os shows que me marcaram eram mais verdadeiros, prefiro aceitar que atualmente é apenas diferente. Não é sobre legitimidade, é sobre como a música importa menos do que todo o resto para que certos ídolos contemporâneos recebam dos fãs um elogio corporativo como o produto genuíno que vendem: “Fulano entregou tudo”.

Até entendo a urgência desta geração em estabelecer e respaldar seus próprios cânones, principalmente em uma época de cometas tão fugazes. Sempre rolou isso, assim como essas escolhas sempre foram ridicularizadas pela geração anterior. Hoje, porém, o pessoal é muito autocentrado e deslumbrado, chega a ser meio caricato. Qualquer novidade faz história, quebra paradigmas, é considerada [argh] icônica.

Se você acha que o mundo começou quando o tiraram da barriga de sua mãe, vai fundo. Daqui das minhas limitações etárias, só consigo achar quase tudo falso, ruim e chato demais. Não é por má vontade ou para romantizar o meu tempo – mesmo porque meu tempo vai durar enquanto eu estiver vivo & chutando. É que já ouvi, vi e li tanta coisa que fiquei mais seletivo. Alguma vantagem a velhice tinha que ter.

(Extraído da newsletter Extrato)

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