20080309

Presente para gregos de todas as idades

(Terceira de quatro matérias escritas em 2005 para o Visit Florida. Versão do autor.)

Nos mastros e postes, tremulam bandeiras com listras azuis e brancas, a cruz nos mesmos tons marcando o canto superior direito. As ruas têm nomes como Athens e Dodecanese. Em vez de hambúrguer, gyro. Já estava quase acreditando que havia chegado em alguma vila perdida no Mediterrâneo quando avistei o cartaz improvisado escrito com pincel atômico, a mesa meio torta, a jarra suando. Duas menininhas vendiam limonada na esquina de casa em prol das vítimas do Katrina [fazia uma semana que o furacão havia devastado o Sul dos Estados Unidos].

Apesar da cena tipicamente norte-americana – só faltava as comerciantes mirins aceitarem cartão de crédito –, Tarpon Springs foi adotada como lar por uma expressiva colônia grega. Eu passeava pelas Sponge Docks, onde a herança helênica se faz mais presente nesta cidadezinha litorânea a menos de 15 milhas de Tampa. Sobrenomes como Cocoris, Sovlakis e Konstantinopoulos começaram a desembarcar na vila a partir de 1905 para viver da captura de esponja. Hoje, a cidade intitula-se a “capital mundial” do, digamos, produto. Centenas, milhares delas, intactas ou moldadas conforme a criatividade do artesão, enfeitam as lojas de lembranças, ao lado de conchas em formatos que desafiam a lógica.

Nos restaurantes, a culinária imigrante reina absoluta, mesmo na categoria refeição rápida. Há até uma lanchonete que promove sua especialidade (no Brasil, o popular “churrasco grego”) como “a resposta grega para o McDonald’s”. As estratégias de marketing variam, mas são sempre incisivas. Da porta de um restaurante, um garoto berra no ouvido dos transeuntes: “É minha própria mãe que faz a comida, se não gostar pode reclamar com ela”. Prometi que experimentaria o tempero da senhora na volta. Primeiro, eu iria me molhar.

Deixei as docas em direção a Howard Park, um “T” avançando pelo Golfo do México com uma praia em cada lado da letra. Na haste vertical, jovens torravam no asfalto que vai até a beirinha (!). Na perpendicular, famílias faziam a festa. Na condição de animal doméstico, escolhi essa para me banhar. Prevenido pela placa na areia, entrei na água ensaiando o “passo da arraia”. É que, nos meses de verão, esses achatados bichinhos também resolvem desfrutar das praias do Golfo, aproximando-se da costa. Como se alojam no fundo do mar, é recomendável andar arrastando o pé para espantá-los e evitar eventuais ferroadas. Apesar da ameaça, só eu estava pagando esse mico.

Ostras com sabor de tradição e história
Bandeiras diferentes da star & stripes oficial também se destacam nos arred
ores de Apalachicola. Quem já assistiu ao ...E O Vento Levou vai reconhecer o estandarte vermelho, com um “x” azul cravejado de estrelas brancas dos Estados Confederados. A cidade delimita a área da Flórida conhecida por “The Big Bend” (A Grande Curva) em razão de seu litoral côncavo. Por acaso, foi depois de uma (outra) curva que registrei minha primeira impressão do lugar: um casarão do início do século passado, em excelente estado de conservação. Lembra um saloon do velho oeste, mas é um hotel – e dos mais charmosos, com suítes aconchegantes, decoradas com almofadas, colchas bordadas e móveis de época prontos para aninhar scarlet o’haras e rett butlers hesitantes e instigar o cleptomaníaco que repousa no âmago de cada um.

Abri mão (momentaneamente) da comodidade do Gibson Inn para percorrer as ruas do centro histórico. Tomei a US 98 – convertida na Market Street –, dobrei para a esquerda no cruzamento – depois de parar no, salvo engano, único semáforo da cidade - e... saí do perímetro urbano. O que eu procurava concentra-se no quadrilátero cercado pelas avenidas C e G, pela Water Street e pela 5th Street. Doze quadras que percorri em zigue-zague, sem destino certo. Fundada em 1831, a cidade mantém um punhado de residências projetadas no inconfundível estilo vitoriano.

À beira do rio, o fluxo intenso de barcos pesqueiros reflete a vocação econômica inata à cidade. O turismo pode correr junto da tradição e, inclusive, enriquecê-la; eliminá-la ou descaracterizá-la, jamais. Prova disso é a ausência total dos logos de redes de fast food ou de cadeias de hotéis ou de franquias de qualquer coisa, corriqueiros na paisagem norte-americana. Não aqui.

Um Burger King solitário brotou na saída da cidade, perto de um igualmente isolado hotel da Best Western. Ainda resiste um espírito de “Old Florida”, uma vibração que dispensa parques temáticos, condomínios fechados ou shopping centers para se manifestar e que identifica o prazer nas coisas simples da vida, como pescar e apreciar o pôr-do-sol. De preferência, saboreando o mais famoso produto local. Apalachicola é sinônimo de ostra suculenta, fornecendo 90% do molusco consumido na Flórida e 10% nos Estados Unidos. Para mim, uma dúzia foi pouco.

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