20250116

Nem tudo é dinheiro, mas sempre é dinheiro



Muita gente [ninguém] me pergunta por que fiquei tanto tempo sem aparecer por aqui. A resposta oscila conforme minha disposição para falar sozinho. Já aleguei que me afastei para poupar a leitora do meu azedume. Depois, admiti que era apenas preguiça. Entretanto, a verdadeira justificativa para eu interromper este monólogo semanal foi uma só: dinheiro. Ou, para ser mais exato, a falta dele.

As pessoas escrevem pelos mais variados motivos. Para se comunicar. Para contar uma história. Para registrar. Para encontrar um propósito. E para tirar onda também. “Escrevo exclusivamente para descobrir o que estou pensando, o que estou observando, o que eu vejo e o que isso significa. O que eu quero e o que eu temo”, como mente Joan Didion no livro Vou te Dizer o que Penso.

Escrevo porque é a única qualificação pela qual consigo fazer com que me paguem – até me viro no fogão, mas se eu cozinho, eu como [tio do pavê manda lembranças]. A musa inspiradora é o prazo, o estímulo é a notificação no celular avisando que caiu o pix, a recompensa é poder bancar pequenos vícios. Em vez de paixão, praticidade: trabalho é ganha-pão, realização é bônus incerto & não esperado.

De modo que a combinação da necessidade de sobrevivência com a miragem da mobilidade social me forçou a tirar um ano black sabático – ou seja, contra a minha vontade – de distrações gratuitas para me dedicar a atividades remuneradas. Além disso, esta plataforma adotou uma série de inovações em nome da tal da monetização que me deu um bode danado de continuar nela.

Agora tem aplicativo, chat, seguidores e uma barra de rolagem de postagens que a tornam muito parecida com qualquer brinquedinho online de bilionário reaça, quando o encanto era justamente o fato de distribuir conteúdo [argh] somente por email. Assinou, recebeu, ponto. Como tudo na internet, começou bacana e se rendeu ao mercantilismo. Se nem almoço existe grátis, que dirá newsletter.

A mesma gente do primeiro parágrafo [ninguém] me pergunta então por que, se dinheiro é prioridade e a ferramenta mudou para pior, voltei a publicar. Já aleguei que me organizei para conciliar o sustento com o lazer. Depois, admiti que era apenas saudade. Entretanto, a verdadeira justificativa para eu retomar este monólogo semanal foi uma só: há duas coisas que eu faço bem, baby. E escrever é a segunda.

(Publicado originalmente na newsletter Extrato)

20241231

As 70 músicas preferidas de 2024



Desde sei lá quando, faço uma lista das minhas músicas do ano. Em 2024, resolvi trapacear inovar: pedi para a inteligência artificial se basear em textos de retrospectivas anteriores e produzir uma abertura crocante, que a leitora não largasse enquanto não a devorasse inteira e, principalmente, que provocasse nela uma vontade incontrolável de ouvir as canções que escolhi.

Não rolou. A tecnologia pode servir para muita coisa e já está tirando o emprego de muita gente, mas nunca sentiu nada ouvindo música nenhuma. Portanto, jamais conseguiria traduzir essa emoção em algo com o qual alguém se identifique, além de lhe faltar picardia para salvar qualquer banalidade que já escrevi achando que tinha estilo. Pena, porque eu gostaria de ter uma desculpa por estas linhas mal-tecladas.

Preciso também reconhecer que o material com o qual alimentei a ferramenta não era lá grande coisa. Basicamente, variações de como me fecho cada vez mais na minha redoma sonora, formada pela onipresença de xodós e uma ou outra novidade que consegue furar a bolha. Não por falta de curiosidade, e sim pelos sucessivos fracassos em procurar êxtase onde somente o que importa são métricas objetivas.

Sorte que, como o mistério da velha toada, música boa sempre há de pintar por aí.

PLAYLIST | a história não tem pressa

2024 EM 70 MÚSICAS
01 | Isobel Campbell, 4316



Com projetos paralelos, duetos ao lado do saudoso Mark Lanegan ou simplesmente sob sua assinatura, bastou ela se emancipar do Sebastião para a magia acontecer. O truque da vez se apresenta como uma fofura retrô sem maiores pretensões que não sejam enternecer enquanto sugere diversos significados para o número cabalístico do título. Mas não é necessário decifrar o enigma para se encantar.

NA HISTÓRIA
2023 | #54 Belle and Sebastian, When You’re Not with me
2019
 | #14 Ant Life
2015
 | #50 Belle and Sebastian, The Party Line

2024 EM 70 MÚSICAS
02 | Automatic, New Sensations



Um artista que você gosta fazendo uma versão de uma música que você gosta de outro artista que você gosta. E de um jeito que, depois de pronta, revela que tinha tudo a ver, embora ninguém desconfiasse que pudesse funcionar tão bem.

NA HISTÓRIA
2022
 | #12 Venus Hour

2024 EM 70 MÚSICAS
03| Manu Chao, Tantas Tierras



Entre admitir que sonhou o sonho errado ou continuar acreditando em um futuro melhor, o menestrel crava fácil a segunda opção. A diferença é que agora prefere cultivar seu próprio jardim a salvar o mundo, ainda que com a mesma infinita tristeza.

NA HISTÓRIA
2017
 | #22 Ti.Po.Ta., Moonlight Avenue

2024 EM 70 MÚSICAS
04 | Norah Jones, Staring at the Wall



Ao adicionar um vago clima indie à elegância que traz de berço, a cantora lembra os melhores momentos do álbum Little Broken Hearts (2012), um trabalho atípico em sua discografia movida a jazz. Até a franjinha daquela época ela ressuscitou.

NA HISTÓRIA
2020
 | #67 Heartbroken, Day After
2012
 | #02 4 Broken Hearts

2024 EM 70 MÚSICAS
05 | Samuel Rosa, Tudo Agora



Se me perguntassem como é a estreia solo do ex-Skank, eu responderia: pop. Sem lacração nem oportunismo, apenas um artista adulto que continua oferecendo biscoitos finos à massa empanturrada pelas engronhas que engole sem mastigar.