20141114

O rock como ele deveria ser



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Em tempos de roqueiros reacionários promovendo sua concepção estúpida de mundo, nada mais salutar do que o recém-lançado disco de Thiago Pethit. Terceiro álbum do cantor e compositor paulistano, Rock’n’Roll Sugar Darling chega para lembrar como o gênero musical que lhe dá nome conseguia representar os anseios da juventude não conservadora: com rebeldia em vez de respeito, sexo em vez de moralismo, transgressão em vez de reverência, deboche em vez de rancor, liberdade em vez de preconceito. Resumindo, com atitude.

Após flertar com o folk e o glam, o músico mostra que estudou direitinho os preceitos essenciais do estilo a que se propõe agora. Para abrir o trabalho, convocou um dos ícones underground da década de 1960, Joe Dallesandro. “As pessoas precisam de um ídolo com os pés no chão, de um rockstar que batalhe nas mesmas ruas que elas, precisam de um anjo com uma boca suja”, rumina o veterano ator, o “Little Joe” mencionado por Lou Reed em “Walk on the Wild Side”. A partir daí, Pethit encarna esse papel nas mais diversas abordagens.

É Rita Lee com Black Keys na faixa-título, Nick Cave com Chris Isaak em “Romeo”, Iggy Pop com Bo Didley em “Quero Ser Seu Cão”, Elvis com Strokes em “Honey Bi”, Caetano com Nick Drake em “Perdedor”, David Lynch com Radiohead em “Story Blue”. É jaqueta de couro e sensibilidade, selvageria e peito depilado, má companhia e ombro amigo. Mesmo se tudo não passar de pose, já está valendo apenas pela pretensão. Por mais urgente que seja a realidade, um pouco de fantasia – ou cinismo – é fundamental. Nós só queremos ser bem enganados.

Camaleão às avessas
Misto de crítica musical, painel biográfico e análise cultural, O Homem que Vendeu o Mundo – David Bowie e os Anos 70 prega que nenhum outro artista naquela década foi tão criativo, assumiu tantos riscos ou levou a si mesmo e ao público a extremos tão distantes. Para isso, o cartapácio de 570 páginas escrito pelo inglês Peter Doggett (do espetacular A Alma Perdida dos Beatles), explica, música a música, as mutações de um camaleão às avessas: enquanto o réptil muda de cor para se adaptar ao ambiente, o cantor se transformava justamente para destoar.



Só faltava enterrar
Antes de qualquer veredito, a despedida do Pink Floyd, The Endless River, suscita duas dúvidas. A banda ainda existia? Qual o valor das sobras de um disco que já não era lá essas coisas? Feito pelo guitarrista David Gilmour e pelo baterista Nick Mason em cima das mais de 20 horas de jams sessions não aproveitadas em The Division Bell (1993), o álbum é proclamado como um tributo ao tecladista Rick Wright, morto em 2008. Do alto de seu ego, o baixista Roger Waters, o único a não participar da farsa, ri, satisfeito.

Nenhum comentário: