Isto não é uma resenha. Não é uma reportagem, nem uma crônica. É uma tentativa de capturar um momento, de escrever em primeira pessoa sem submeter cada frase a uma rígida autocensura, de se entregar às sensações despertadas por um disco – logo comigo, que havia apregoado que não ligava mais para o formato. Mas essa é a menor das certezas dissolvidas depois que Eating Us, do Black Moth Super Rainbow, revolveu minha alma.
Era para ser só mais um disco apropriado de forma indébita, como tantos outros de que nada se espera além de dois ou três arquivos salvos para posse & gozo não perecíveis. Ainda mais sendo de uma banda da qual eu tinha apenas duas referências. Uma, o fato de vir da Pensilvânia, de onde brota mais da metade da produção de cogumelos dos Estados Unidos. Outra, o álbum anterior (Dandelion Gun, de 2007), uma longa e densa jornada que dá a impressão de que na conta acima entraram também os fungos com propriedades alucinógenas.
Tais credenciais tornavam o Black Moth Super Rainbow sempre elogiado, embora raramente ouvido. Ainda que a distância, eu nutria uma vontade de gostar mais, de entender melhor o quinteto. Principalmente após saber que Iffernaut, a criatura que pilota a bateria, chama-se Donna Kyler (e, Meg White à parte, mulher baterista é um baita fetiche). Aí Eating Us chegou e, sem avisar, transformou a predisposição em paixão. Faz quase três semanas que não consigo escutar outra coisa.
A lisergia que rege a sonoridade do grupo permanece impávida, inclusive no farto uso de vocoders e demais brinquedinhos que acentuam o caráter viajante do negócio. A diferença está nos seus efeitos. Apesar da surpresa, não há estranhamento. Tudo agora soa leve, bucólico, melancolicamente belo. Até que ponto a produção de David Fridmann (Flaming Lips, MGMT) contribuiu para forjar essa atmosfera é irrelevante. Vencido o impacto inicial, a percepção tem o caminho livre para se aguçar – reafirmando convicções, aceitando a nova realidade que se insinua.
Pois, por mais pop-entre-aspas que se apresente, o disco emana uma não-adequação, como se sussurrasse “não sou como vocês” (abrazzz, Frank Jorge) à guisa da falta de refrãos pontuando as curtas estrofes de suas doze músicas. Durante pouco mais de meia hora, sucedem-se desespero e alívio, danação e conforto, revolta e resignação. Não é para concluir nada, nem escolher o que sentir. E, sim, para se convencer de que CONSEQUÊNCIAS conflitantes não pedem permissão para coexistir. Eis a graça.
BLACK MOTH SUPER RAINBOW, Twin of Myself
2 comentários:
CONSEQUÊNCIAS conflitantes não pedem permissão para coexistir... sensacional! Depois desta vou ouvir já o som.
Baita papo furado.
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