20150117

O playlist é sagrado; o volume, não

(publicado ontem no caderno Verão do Diário Catarinense)

Não vivo sem música, adoro verão. Mas basta pensar em “música” e “verão” que me vem à cabeça a lembrança de um som bombando em níveis condenáveis pela Convenção de Genebra em um carro parado em frente a praia ou em uma casa alugada. O pior, porém, não é nem ser forçado a ouvir o que não pedi a uma potência absurda nos meus momentos de lazer. O que mais me incomoda é a presunção de quem costuma praticar tal agressão: achar que “todo mundo gosta”.

O moleque que curte metal ou hardcore – para citar apenas alguns estilos extremos – não faz isso. Tampouco o fã de jazz, de MPB ou até de Madonna. Com certeza, eles eventualmente também apreciam música alta. Só que têm a noção básica de que o resto da humanidade pode não compartilhar de suas preferências musicais. O cara que escuta sertanejo, funk carioca, axé, pagode ou eletrônica no talo, não.

Ei, fera, não sou proctologista, mas aqui vai um toque: ao contrário do que você acredita, tem gente que abomina o que você chama de música. E, mesmo que não abominasse, não significa que desejaria ouvi-la o tempo todo em volume máximo. Ah, não é o seu caso? Você ouve o que quer na hora que quiser na altura que bem entender e azar do mundo? Então, estou diante de um legítimo jacu.

Não estou me referindo ao seu sagrado direito de escolher o que toca no seu player e não dar a mínima para a opinião alheia. Por sinal, até me identifico com essa postura. A diferença é que você obriga os outros a escutar a sua música; eu, não. Sem aporrinhar ninguém e independentemente de estilos, minha trilha sonora de verão segue somente um critério: tem que ser leve & refrescante.

De dia, a brisa comanda as ações, soprada principalmente pelo reggae, pelo groove e pelo pop suave. A levada jamaicana afasta o estresse provocado pelo con­ges­tionamento rumo ao litoral, combina que é uma beleza com a maresia e faz o relógio andar mais de­­vagar – exatamente o que procuro quando o programa en­volve praia. Enquanto isso, o balanço do funk (o verdadeiro) ajuda a renovar as ener­gias para encarar o trânsito na volta para casa.

À noite, é hora do rap de responsa, que passa o recado sem gritar na orelha, bota os hormônios em ebulição sem apelar para a vulgaridade e prega a diversão sem insultar a inteligência. Até um rock desce bem, desde que não venha fedendo a mofo, ou eletrônica, contanto que privilegie a fluidez da batida em vez da estridência dos timbres. Opa, já está amanhecendo de novo e não sei onde coloquei aquele reggaezinho que guardei justamente para a gente ver o sol nascer à beira-mar. Tudo bem: o melhor som do verão continua sendo o barulho das ondas.

10 artistas refrescantes

JACKIE MITTOO
O tecladista mais funky da Jamaica produz instrumentais capazes de transportar você para o paraíso.



SUBLIME
Hardcore para os ansiosos e reggae para os desencanados, tudo no estilo californiano.



AER
Imagine se Jack Johnson tivesse uma banda de rap. A astral é mais ou menos esse, sem os bocejos.



JORGE BEN
A pedida são os sambinhas em câmera lenta pré-Benjor, ideais para abrir o dia ou fechar a noite.



TEENAGE FANCLUB
A estação mais quente do ano pode ser também a mais bucólica. Basta adotar esses escoceses.



JACK JOHNSON
Muitos o imitam, mas ninguém alivia tanto a pressão quanto o melhor surfista da música.



NAÇÃO ZUMBI
Com ou sem Chico Science, o combo pernambucano ergue muralhas contra o frio.



MANU CHAO
A “infinita tristeza” do trovador é multicultural e dispensa maiores esclarecimentos para ser sentida.



TOMMY GUERRERO
Skatista, largou a pranchinha para forjar climas que levam da reflexão ao encantamento.



HOODOO GURUS
Entra na lista representando todos os grupos australianos que faziam pop rock com sotaque praiano.

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