20160419

Um golpe no coração do rock

Começou como uma possibilidade remota. Era tão acintosa, desprezível e absurda que ninguém botou fé em sua concretização. Eles não seriam capazes de emporcalhar suas biografias em nome de um projeto fadado a dar errado, se não pela ilegitimidade, pela falta de escrúpulos envolvida na decisão. Não teriam o descaramento de ignorar a vontade popular, impondo um substituto que, mais do que desagradar, causa asco à maioria. Não fariam pouco caso de décadas de conquistas – obtidas após muito empenho, muita luta, muito sacrifício – só para satisfazer aos seus interesses. Mas foram. Tiveram. Fizeram.



Na primeira vez que aconteceu, não havia outra alternativa. De forma inapelável, o então titular estava impedido de continuar exercendo a função. Mesmo assim, eles mostraram coragem ao bancar o sucessor, alvo de dúvidas logo que anunciado. A História acabou chancelando a escolha, e aquele que entrou cercado de todas as desconfianças saiu redimido por, no mínimo, ter mantido a roda girando para a frente. Agora, é totalmente diferente. Apesar de todos os sinais inequívocos de reprovação, eles indicam como solução alguém que representa a antítese dos ideais com os quais arregimentaram multidões de seguidores.

O rumor virou fato neste domingo infame: Axl Rose será o vocalista do AC/DC pelo restante da turnê Rock or Bust. Diz o comunicado oficial que, a princípio, o vocalista do Guns n’ Roses irá se juntar aos australianos para os shows na Europa e para as 10 apresentações adiadas nos Estados Unidos. O coração do fã, porém, não se engana. Brian Johnson, que chegou à banda depois da morte do inigualável Bon Scott em 1980 e está saindo devido ao risco de perder a audição, não voltará mais. Com mais de 40 anos de rock de verdade nas costas, bem que o grupo poderia se aposentar sem esse golpe.

Macaco de pelúcia
Quando estreou em 2008, o Last Shadow Puppets era só um projeto paralelo reunindo figurinhas do indie rock. O tempo passou e, hoje, pelo menos um de seus artífices viu sua banda principal tornar-se tão grande a ponto de o segundo disco da empreitada chegar com o carimbo de “o outro grupo de Alex Turner, dos Arctic Monkeys”. Com o ônus da comparação e bônus da exposição que essa pecha implica, Everything You’ve Come to Expect funciona para Turner como o The Arcs para Dan Auerbach, dos Black Keys: é ali que ele extravasa facetas que talvez não tivessem vez entre os macacos. Comece pela faixa-título, “Miracle Aligner” e “Dracula Teeth” e deixe o talento do moço fluir à vontade.




 ANÇAMENTOS



Fumaça Preta, Impuros Fanáticos – Aqui, o papo é loucura da pesada, fornecida por um trio radicado na Europa que não esconde sua predileção pelo lado mais sombrio da Tropicália. Distorção, ecos e gritaria (em português, cortesia do vocalista e baterista Alex Ferreira) dão o tom, anunciando uma viagem doentia pelos confins da mente.



Leo Mayer, Guitar in My Hand – Neste segundo EP, o guitarrista de Blumenau faz do rio Itajaí-Açu o seu Mississippi particular, esmerilhando blues regados à cerveja em vez de uísque. Como na estreia, Cristiano Ferreira (referência no estilo no Brasil) participa assinando três das seis faixas: “You’ve Been Goofing”, “Drivin’ with the Band” e “Jazzin’ the Blues”.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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