20230126

Não é o que não pode ser que não é



A busca aleatória por temas mais compatíveis com a buena onda que a maioria dos compatriotas esperamos surfar me levou até os Titãs. Desde que anunciaram uma turnê com sete componentes da formação clássica, só se fala em outra coisa. É o tipo de notícia que descontrola meu superego a ponto de me deixar confiante para expelir várias opiniões – todas com enormes chances de estarem equivocadas.

O grilo da maldade sopra no meu ouvido para comparar a empreitada da banda com o retorno de Sandy & Júnior para uma série de shows em 2019. Além do aspecto caça-níquel, a reunião da dupla provocou um oba-oba bem típico desses tempos gasosos: gente que não gostava dos filhos de Durval na época em que se justificava gostar subitamente se descobriu fã incondicional deles. O saudosismo (de algo que não viveu) explica.

Mas não quero enveredar por esse caminho. O clima atual pede um olhar mais indulgente e espirituoso sobre a trajetória titânica. Em 40 anos de estripulias no cenário musical brasileiro, o grupo foi contundente quando o momento requeria contundência, oportunista quando o oportunismo lhe convinha e acomodado quando a inspiração rimou com acomodação. Só não acabou quando alguém ainda sentiria sua falta se acabasse.

Esse timing quase certeiro rendeu pelo menos uma sequência de três discaços de 1986 a 1989 (Cabeça Dinossauro, Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas e Õ Blesq Blom), três simulacros grunge, um acústico e dois álbuns de covers. Depois disso, não restou mais nenhum segmento consumidor que não houvesse sido privilegiado pelo repertório da banda. “Somos uma estatal gigante”, diagnosticou Nando Reis em entrevista.

Alinhados com o receituário neoliberal de então, os Titãs entraram em um drástico processo de privatização. Como Arnaldo Antunes, que pulou fora antes mesmo de o enxugamento de pessoal se tornar recorrente, seus integrantes foram saindo até sobrar apenas um trio de sócios-fundadores. Nem assim, porém, o déficit contábil e criativo parou de crescer, fazendo com que a cotação da banda no mercado despencasse.

Coincidência ou não, o fato é que bastou Lula ser eleito para o sucateamento do grupo ter fim. “Nenhum titã a menos!”, exigiram os investidores. Se a volta do (por motivos óbvios) septeto possível será capaz de recuperar os ativos financeiros e afetivos de uma das marcas mais longevas do pop nacional, somente a procura por ingressos dirá. A História já disse: entre seus lucros artísticos e seus prejuízos à biografia, o saldo se mantém positivo.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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