Minha vontade era montar um set só de trash 90s, composto por músicas infalíveis como “All That She Wants”, do Ace of Base, ou “I’m Too Sexy”, do Right Said Fred. Mas, como não pretendo passar (muita) vergonha diante de tão radiosa companhia nas pick-ups, vou tentar não apelar para truques sujos, salvo um ou outro one-hit wonder. Tirando a implicância com o erro no final do meu sobrenome, não tenho dogmas: se não funcionar, saco um Will Smith da algibeira e corro para os quadris do povo. O que importa é promover uma discotecagem de resultados.
Não é a primeira vez que me confundem com um DJ, conforme relatado abaixo.
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(coluna publicada no jornal Correio Popular, de Campinas/SP, em 30 de outubro de 2001)
Porque Plutão estava com a lua em Peixes, Aquário, Capricórnio & Jones Ltd., o horóscopo recomendava: ouça a intuição, que dela emanarão as luzes que você procura para nortear sua carreira. Assim, com o firmamento conspirando em prol de minha inexorável ascensão profissional, preparei-me para mais uma edição do Free Jazz. Não imaginava de que forma um festival cuja atração mais esperada era o grupo escocês Belle & Sebastian poderia contribuir para eliminar o ócio nas tardes do colunista, mas o zodíaco não costuma falhar. Contatos? Lembranças? Revelações? Os astros elucidariam a questão.
Então, vesti minha melhor pose e cunhei criativos trocadilhos para que, quando a resposta chegasse, encontrasse em mim um veículo apto a desfrutar da sabedoria em sua plenitude. Deixei em casa qualquer preconceito acerca da já citada banda. Tentei escutar seus discos, para não ser ludibriado pelo set list distribuído à imprensa, invariavelmente com os nomes das músicas errados e fora de ordem. Ignorei os lugares comuns da mídia, que martelavam tristeza, depressão e baixa-estima. Esqueci a diferença de gerações, desculpa preferida para não considerar tudo frouxo, mal-tocado e desafinado.
Enfim, um turista estrangeiro que, por acidente, caísse no palco principal na sexta à noite e me visse, teria a absoluta convicção de que se encontrava diante de um legítimo indie – apesar da barriga saliente e dos vincos que querem transformar a face em um mapa da bacia hidrográfica amazônica. Porém, bastou a “dupla francesa” (não me canso de reproduzir essa mancada de um jornalão brasileiro) entrar no palco para que o condicionamento caísse por terra. De repente, a alegria com que o Belle & Sebastian fulminava os clichês a seu respeito passou para o segundo plano.
Olhei em volta. Identifiquei jovens poliglotas ou no último ano da Cultura Inglesa, a maioria universitários e bem-nascidos, em muito parecidos com os artistas que reverenciavam. Um exame mais apurado, à base de enquetes instantâneas, detectou uma imensa legião de wannabes, uma gente que quer ser algo ligado à comunicação, música, moda ou design. Acessam a internet, carregam razoável bagagem no cérebro, não fumam nem tomam café e tiraram o título de eleitor com 16 anos. E, no entanto, nada fazem. Vão vivendo um dia após o outro, aguardando a próxima festa do London Burning e expondo suas idiossincrasias em listas de discussão por e-mail.
Ainda pensava em como batizar essa nova tendência sem usar palavras inadequadas para não macular seu poder consumidor até ficar ciente de que essa tribo já existe e já foi rotulada. Na França, eles são milhares e receberam a pecha de “intelectuais precários”: pessoas altamente qualificadas, que dispõem da mais avançada tecnologia possível, mas que não têm “nenhuma perspectiva estável de emprego e renda”, como dizia o jornal. Daí para a associação com o que dizia o horóscopo foi um pulo, embora não ficasse esclarecido de que jeito a descoberta iria alavancar minha carreira.
Entretanto, a ansiedade por desvendar as mensagens cifradas dos astros me pregou uma peça. A verdadeira solução do enigma proposto pelo zodíaco só aconteceu no domingo, nos estertores do Free Jazz. Em frente ao palco Club, eu e o jornalista Pedro Só falávamos (!) para a TVE de Minas Gerais (quem surpreendeu, quem decepcionou etc e tal). Finalizada a entrevista, uma fotógrafa se aproximou de mim, pediu licença e perguntou: “Você é DJ, não é?”. Meu cinismo foi inútil. Quando vi, ela estava disparando o flash em minha direção, pedindo para eu sentar no degrau e fazer uma “cara de descontraído”. Ao seu lado, mais dois fotógrafos aguardavam pacientemente a vez para me clicar.
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