20090201

Luiz Henrique, 70

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(publicada no jornal O Catarina #67, da Fundação Catarinense de Cultura, em novembro de 2008)

Sua obra não consta dos inúmeros shows, exposições e produtos alusivos ao cinqüentenário da bossa nova, estilo ao qual é freqüentemente associada. Seus discos nunca foram relançados em edição nacional. Seu nome aparece uma única vez no livro
Chega de Saudade, a história definitiva do gênero escrita por Ruy Castro. Às vésperas de se completar 70 anos de seu nascimento, Luiz Henrique Rosa – ou só Luiz Henrique, como assinava – permanece um virtual desconhecido no Brasil.

Já foi pior. Iniciativas como o documentário Luiz Henrique – No Balanço do Mar (2007) da cineasta Ieda Back, e o disco-tributo A Bossa Sempre Moderna de Luiz Henrique (2003), idealizado por uma agência de publicidade com a participação de Ivan Lins, Elza Soares, Luiz Melodia e Martinho da Vila, entre outros, reavivaram o interesse pela sua música – em Florianópolis e olhe lá. Não vai aí nenhuma crítica, apenas uma constatação: o cantor e compositor catarinense conquistou mais do que esperava no exterior e menos do que poderia no país.

Os rumos que sua carreira tomou ajudam a explicar essa aparente contradição. Prestes a gravar um segundo LP no Rio e se consolidar entre os talentos da jovem música urbana que surgia, ele preferiu seguir para os Estados Unidos. Quando estava integrado à paisagem musical nova-iorquina, com uma penca de realizações profissionais no currículo, voltou. Apesar das oportunidades para se fixar no Sudeste, aterrissou na provinciana capital de Santa Catarina. Se a decisão desafiava a lógica e equivalia ao suicídio comercial, Luiz Henrique iria se reinventar. Longe da bossa nova.

Mas perto de sua gente. Nem que para isso tivesse de começar de novo na cidade pela qual se havia se mudado aos 11 anos e, desde então, era irremediavelmente apaixonado. Nascido em Tubarão e criado em Lages e em São José, o moleque descobriu no mar e nas garotas o estímulo que precisava para deslanchar no violão. Adolescente, passou a animar festas e clubes com suas seis cordas. No final da década de 1950, entrou na rádio Diário da Manhã, onde aprimorou sua arte com craques (e alguns de seus futuros parceiros) como o poeta Zininho e o pianista Aldo Gonzaga.

Em 1959, comandava um programa ao vivo na emissora, interpretando suas composições e sucessos da música norte-americana. No mesmo ano, saiu o LP Chega de Saudade, de João Gilberto. A “batida diferente” do baiano de fala suave arrebatou Luiz Henrique. Após excursionar pela região Sul a bordo do conjunto do maestro gaúcho Norberto Bandauf ao longo de 1960, resolveu arriscar – logo no reduto da bossa nova. No Rio, tocou nos night clubs do célebre Beco das Garrafas, e, em 1961, estreou com um compacto editado pela Philips contendo duas faixas próprias, “Garota da Rua da Praia” e “Se Amor É Isto” (esta última, com Zininho).

Em 1963, a gravadora lançou seu primeiro disco, A Bossa Moderna de Luiz Henrique (com o piano de Gonzaga), que emplacou as canções “Vou Andar por Aí” (de Newton Chaves), “Sambou, Sambou” (de João Mello e João Donato) e “No Balanço do Mar” (de Zil Rozendo) nas paradas. Em paralelo, seu autor protagonizou uma extensa temporada com Nara Leão no paulistano João Sebastião Bar, cuja clientela compunha-se de músicos, intelectuais, atores e badalados em geral. Tudo sugeria que o catarina cavaria seu espaço no rol dos nomes com os quais se habituara a cruzar em Copacabana, como Tom Jobim, Elis Regina, Jorge Ben ou Carlos Lyra.

O convite do saxofonista norte-americano Paul Winter para acompanhá-lo nos Estados Unidos abortou as negociações para um segundo disco, já programado pelo produtor Armando Pitigliani. A reboque da consagração da bossa nova naquele país, embarcou para Nova York com uma passagem de ida e volta pela Varig, 50 dólares (emprestados) no bolso, um violão na mão, uma promessa de 500 dólares do Itamarati e um vocabulário em inglês restrito à frase “I love you”. Entre idas e vindas, acabou ficando lá até 1971.

Nesse período, construiu uma discografia respeitável, seja solo (Barra Limpa, 1967) ou dividindo os créditos com o tecladista paulista Walter Wanderley (Popcorn, 1967) e com o cantor e compositor Oscar Brown Jr. (Finding a New Friend, 1968). Em parceria com o artista de Chicago, escreveu o musical Joy, indicado ao prêmio Tony (o “Oscar do teatro”). Trabalhou ainda com os conterrâneos Sivuca (com quem dividiu um quarto de hotel na Times Square), Hermeto Paschoal e Airto Moreira, com os gringos Stan Getz, Ron Carter e Chick Corea e teve suas músicas gravadas por Harry Belafonte, Liza Minelli e Bobby Hackett.

Pouco desse currículo foi considerado em seu retorno. Luiz Henrique estabeleceu-se – desta vez, para sempre – em Florianópolis disposto a desencavar as raízes do autêntico manezinho da ilha e a fundar uma gravadora. Em meados dos anos 1970, concebeu o show Bananeira Chorá, Chorá, aproveitando-se de cantigas folclóricas do boi-de-mamão. Para atender sua outra vontade, montou seu selo independente no bairro Itaguaçu, depois transferido para uma casa com vista para o mar na praia do Sonho, em Palhoça.

Pela Itagra (daí a denominação), lançou Mestiço, um LP com padrão muito superior às produções locais de 1975. De suas sete faixas, “Jandira”, “Sonhar” (ambas dividindo a autoria com Raul Caldas Filho), “Pra Não Deixar de Sambar”, “Sempre Amor” e a música-título foram gravadas no estúdio carioca Haway, com uma banda que incluía instrumentistas do quilate do arranjador e saxofonista J. T. Meirelles, do pianista Tenório Jr. e do baterista Edson Machado. As restantes, “Saiandeira” e “Dianne”, ganharam forma no Sound City, em Los Angeles, durante estada com Liza Minelli. A amiga retribuiria a visita passando o carnaval na ilha em 1979.

A despeito de tanto esmero, a distribuição precária comprometeu o desempenho do disco, marcando o final da carreira fonográfica de Luiz Henrique. Azar do mercado, porque ele continuaria registrando sua música em fitas caseiras ou à frente do programa Estamos Aí, exibido em 1978 na TV Cultura da capital. Dedicou-se ainda à produção de espetáculos, como a Sinfonia de Santa Catarina, concretizada em 1984 com Hermeto Paschoal; à coluna que mantinha no jornal O Estado e ao tablóide alternativo Galera da Ilha, que publicou suas aventuras no estrangeiro sob o título “Um Catarina na Broadway”.

Ex-sócio e contumaz freqüentador de bares, Luiz Henrique sossegou na gerência do recém-inaugurado Armazém Vieira em 1985. Ali, o marido de Patrícia e pai de Raulino e Manuel recepcionava os boêmios, promovia noitadas históricas e, claro, dedilhava seu violão. Para celebrar seus 25 anos de carreira, planejava reunir suas principais composições em um álbum duplo. Só não contava com a Kombi que, dirigida por um motorista embriagado, bateria violentamente em sua Variant na saída do serviço.

Na madrugada do dia 9 de julho, uma terça-feira, morria o catarinense que mais longe levou a música do Estado, deixando inédita a maioria do material composto nos últimos dez anos. De lá para cá, talvez o maior reconhecimento que recebeu tenha vindo do outro lado do mundo – e, ironicamente, por meio do estilo que abandonou. Em 1998, para comemorar os 40 anos da bossa nova, a subsidiária japonesa da Verve, gravadora responsável por seus discos no exterior, relançou em CD as obras-primas do gênero que detinha em catálogo. Entre elas, Barra Limpa e Popcorn. Mais recentemente, a memória do artista ganhou um site oficial, com biografia, fotos e discografia. A página de projetos, no entanto, está em branco.

3 comentários:

Anônimo disse...

EMERSONG:

VOCÊ É CAPAZ DE ELUCIDAR AONDE FOI PARAR A "SINFONIA DE SANTA CATARINA", COMPOSTA EM PARCERIA PELO INESQUECÍVEL LUIZ HENRIQUE ROSA E HERMETO PASCHOAL? ME LEMBRO QUE HOUVE UM ESPECIAL DA RBS SC, CONTUDO, SUMIU... NO GOVERNO AMIM, FOI DIVULGADO EM LP (NÃO ERA EM CD!), PRODUZIDO PELO GOV. EST., CONTUDO, TAMBÉM SUMIU... NO MIS (MUSEU DA IMAGEM E DO SOM), NO RIO, NÃO EXISTE ESSE ARQUIVO, UMA LACUNA...NA FCC (FUNDAÇÃO CULTURAL CATARINENSE), PASME-SE, ESCAFEDEU--SE... SE PERGUNTAR PRA QUALQUER FUNCIONÁRIO, NÃO SABERÃO RESPONDER?! OU O LP DEVE ESTAR PERDIDO, POIS OS VÁRIOS SUPERINTENDENTES E FUNCIONÁRIOS DA FCC QUE SE ALTERNARAM DESDE 1984, NÃO TIVERAM COMPETÊNCIA DE CATALOGAR,OU AINDA, A FCC FOI ACOMETIDA DE UMA CRISE DE AMNÉSIA HISTÓRICA, CONTAMINANDO AQUILO QUE POSSUA DE ACERVO(?), DE IMAGENS, SONS E ESCRITOS, TALVEZ ACOMETIDA PELO VIRUS DA INCAPACIDADE INTELECTUAL DE SEUS INTEGRANTES... SOMENTE ESSA INÉPCIA EXPLIQUE A DESFAÇATEZ DESSES SICOFANTAS DE NÃO SE PRESERVAR E RESPEITAR A HISTÓRIA CULTURAL (RECENTE) DO ESTADO DE SANTA CATARINA...É UMA LÁSTIMA, UMA PENA, ATÉ DE CAUSAR PERPLEXIDADE, QUE A FIGURA DO LUIZ HENRIQUE ROSA TENHA ESSE LIMBO DE ESQUECIMENTO...VOCÊ É UMA VOZ NO DESERTO...

raulino rosa disse...

Anônimo,
No dia 13 de abril deste ano foi lançada a Fan Page oficial de Luiz Henrique: https://www.facebook.com/musicoluizhenrique
Ainda neste ano será lançado o site oficial: http://luizhenriquerosa.com/
A biografia deve sair este ano também, e para o ano que vem o Memorial.
Existe uma cópia em VHS da Sinfonia em poder da família, esse material estará no Memorial.

Um abraço!
Raulino Rosa

raulino rosa disse...

Anônimo,
No dia 13 de abril deste ano foi lançada a Fan Page oficial de Luiz Henrique: https://www.facebook.com/musicoluizhenrique
Ainda neste ano será lançado o site oficial: http://luizhenriquerosa.com/
A biografia deve sair este ano também, e para o ano que vem o Memorial.
Existe uma cópia em VHS da Sinfonia em poder da família, esse material estará no Memorial.

Um abraço!
Raulino Rosa