20160510

O lado claro da (piscina em forma de) lua

Existe uma expressão em inglês – acquired taste – usada para descrever a capacidade de se aprender a apreciar algo que, à primeira impressão, não desce bem. Tipo aquela iguaria com aspecto repugnante que você sentiu nojo quando viu, estranhou ao provar e, depois de insistir algumas vezes, passou a adorar. O novo disco do Radiohead precisa desse (literalmente) gosto adquirido para ser fruído na plenitude. Lançado neste domingo, A Moon Shaped Pool exige toda uma bagagem prévia do jeito que a banda encara a carreira para não soçobrar como apenas mais um trabalho difícil de um grupo que não se esforça para agradar.

Das 11 faixas dispostas em ordem alfabética, a rigor somente quatro podem ser consideradas inéditas. Destas, “Deck’s Dark“ e sua melodia doce por trás da suposta cabecice reforça a sensação de placidez que permeia o álbum – a ponto de soar quase acessível a ouvidos pouco afeitos à obra do Radiohead, principalmente diante dos experimentos anteriores. Mas são as músicas já apresentadas há anos em shows ou registradas em projetos paralelos ou colaborações, porém até então ausentes na discografia do grupo, que tornam irresistível o mergulho na “piscina em forma de lua”.



Executada ao vivo desde 2012, “Identikit” ameça explodir, levando essa expectativa em banho-maria até esvanecer. “Present Tense” (da safra 2008), “The Numbers” (conhecida pelos fãs como “Silent Spring”) e “True Love Waits” (de 1995, gravada no EP I Might Be Wrong, em 2001) partem do folk para construir uma paisagem tão bela quanto devastadora. “Ful Stop”, por sua vez, traz pontuação eletrônica na medida para trafegar entre o trip hop e algum rótulo ainda a ser inventado. Acostumado a surpreender sempre, o Radiohead nem assusta muito neste nono disco. Daí vem seu maior encanto.

Marisa aos montes
Mas é uma coletânea?! É essa reação – que não esconde um pouco de decepção – que provoca o “novo” disco de Marisa Monte, Coleção. Para sorte da cantora, porém, o baú que ela se propõe a resgatar guarda alguns tesouros. “Nu com a Minha Música” é de Caetano, mas poderia ser dos Los Hermanos – e você acharia isso mesmo se Rodrigo Amarante não dividisse os vocais. “É Doce Morrer no Mar”, de Dorival Caymmi, ganha em dramaticidade com o sotaque delicioso da cabo-verdiana Cesaria Evora – o fado também abençoa “Chuva no Mar”, acompanhada pela portuguesa Carminho. As demais faixas preenchem a fissura dos fãs da diva, incluindo aí uma versão moderninha de “Águas de Março” (com David Byrne) e “Alta Noite”, dueto com Arnaldo Antunes emulando um Tribalistas redux.




 ANÇAMENTOS



Santana, IV – O terceiro disco do guitarrista, III, saiu em 1971. Agora, parece que ele retoma justalmente de onde parou nesta época, esmerilhando nas seis cordas como se entre um e outro não tivesse flertado com o pop mais deslavado. Aqui, a onda é rock cucaracha, movido a delírios latinos como em “Fillmore East” e “Freedom in Your Mind”.



Victor Rice e Bixiga 70, The Copan Connection – O maestro do dub radicado em São Paulo encontra a banda de afrobeat paulistana e o resultado não poderia ser outro: o ritmo puro do grupo tem sua espinha dorsal dissecada no estúdio, realçando graves, cadências e efeitos prontos para entortar ainda mais a coluna.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Nenhum comentário: