20160705

Dupla renasce das cinzas para derreter o gelo

Primeiramente (pigarro), o pressuposto é que quem chega para ler estas mal-tecladas está mais interessada em música do que em ídolos e fofocas. Estabelecida essa premissa, o destaque desta semana é uma dupla que andava sumida – e ninguém sentiu falta porque ela nunca foi popular, exceto por amostras perdidas em playlists indie: The Kills. Cinco anos depois de seu último lançamento, quando nem o indie mais engajado esperava algo digno de nota produzido pelo par, Alison Mosshart e Jamie Hince se atrevem a voltar com o melhor disco de sua irregular carreira, Ash & Ice.

Dois fatos ocorridos durante o período em hibernação foram preponderantes e complementares para formatar o quinto álbum do duo. Um, o rock garageiro que norteou os trabalhos anteriores perdeu força como tendência para a juventude urbana disposta a fazer e a curtir um som. O outro foi que Hince fraturou a mão e teve que reaprender a tocar guitarra. Juntas, a conveniência e a necessidade resultaram em uma direção diferente, escancarada logo na abertura com a arrastada “Doing It to Death”.



A faixa não reflete o resto do trabalho, que se equilibra entre paredões de melodia, refrãos com potencial aderente e levadas quentes. Esse pop envenenado encontra a fórmula perfeita em “Bitter Fruit”, “Whirling Eye” ou “Impossible Tracks”, mas “Hard Habit to Break” e “Siberian Nights” também valem a pena ser ouvidas de novo. Fugindo da regra, “Hum for your Buzz” evoca um gospel profano, com a interpretação de Alison sepultando as comparações que ela tinha que aguentar por ter cantado no Dead Wheater de Jack White. Cinzas e gelo, aqui, só no título.



Avalanche dos anos 2000
A estreia dos Avalanches, Since I Left You, embutia a brincadeira de tentar identificar alguns dos mais de 3,5 mil samples usados no disco. Passados 16 anos, o trio australiano retorna com Wildflower e um novo desafio, muito mais complicado do que a trívia musical proposta no primeiro: mostrar-se relevante em uma época na qual um álbum feito inteiramente de trechos de canções de outros artistas passa longe de ser novidade. Aí é que a porca torce o rabo, porque tudo o que a cornucópia sonora do grupo consegue é soar como uma colcha de retalhos tecida por deslumbrados com as possibilidades de uma tecnologia já consolidada. Nem as presenças de dândis como Toro Y Moi (“It Was a Folkstar”) ou Father John Misty (“Saturday Night Inside Out”) livram o álbum de parecer datadão, tão anos 2000.




 ANÇAMENTOS



Snoop Doog, Coolaid – Os cartuchos do magistral Bush (2015) ainda estão queimando e o cachorrão já volta a latir, rosnando o rap-chinelagem que vinha caracterizando a maioria de sua discografia. O bagulho é tão palha que nem “Kush Ups”, parceria com o fanfarrão Wiz Khalifa – que poderia pelo menos render uma farofa do nível de “Young, Wild and Free” – salva a empreitada.



Trampa, ¡Viva la Evolución! – O quinteto brasiliense celebra uma década com o terceiro disco investindo naquela linha que fez a fama do rock parido na capital federal, com muita crítica social e política; “Farda” mira na violência policial, “Você?” prega contra os pastores picaretas, “Solidão” reclama da companhia do concreto. Alvos nunca vão faltar.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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