As escassas leitoras que restaram me intim(id)am. Querem mais, querem melhor, querem tudo e querem agora. Eu tento, mas a Lei de James Murphy é implacável: sempre acaba saindo meio errado. Já perdi a conta de quantas vezes me empertiguei na frente dessa porra de notebook para batucar sobre cinco ou 50 músicas deste ano que afortunada e graciosamente me contradizem. Não rolou. “Falar de música” nunca me pareceu tão bobagem como agora. Vou ficar na minha, valorizar as relações pessoais.
Visito meu amigo empreendedor liberal. Gostamos tanto um do outro que evitamos falar de nossas concepções de mundo, por irreconciliáveis. Assim nos aturamos. Mas, diante do desastre consumado, achei que era o momento de quebrar o tabu. Acreditei que, na humildade, com delicadeza, chegaríamos a um consenso mínimo sobre os heróis – dele. Não rolou. O cara continua fiel. A quanto mais esculacho é exposto, mais tóxico se torna seu relacionamento com a realidade.
Resolvi então sacar a bala de prata, minha última esperança de me conectar com ele. Apesar das diferenças, uma premissa básica beirando à obviedade iria nos irmanar no que temos de mais instintivo. Citei o funcionário público de primeiro escalão que vence por larga vantagem a disputa entre os mais desqualificados e nefandos quadros federais. “Esse é o melhor! Estou adorando ver ele acabar com 14 anos de PENSAMENTO HEGEMÔNICO”, recebi de bate-pronto.
Aí me quebrou as pernas. Nem em uma questão elementar para estabelecer um ponto de partida razoável a gente conseguiu se entender. Ainda bem que futebol sempre funciona. Não com o time dele desmoronando por causa de pessoas que pensam igual a ele. Música, claro! Enfim, concordamos: o show do Iron Maiden no Rock in Rio foi demais. Somos tiozinhos, assistimos pela TV, cada um na sua casa. Juntos, recitamos em jogral a isenta e apaixonada resenha do Bragatto.
A música liberta mais do que a verdade.
Preciso de menos Adorno, que antes de compor para os Beatles viralizou com um monte de likes ao decretar a impossibilidade de se fazer poesia depois do holocausto. E de mais Raconteurs. Contadores de histórias. Ou, para facilitar a vida do SEO, storytellers. Após dez anos sem lançar disco, a outra banda de Jack White voltou com Help Us Stranger. Para mim, desceu como o rrrock que os Foo Fighters venderiam a alma ao diabo para fazer. Diversão contra o ressentimento. Não deixa de ser resistência.
[William de Vaughn, o cavalheiro lá de cima, é biscoito fino. Surgiu arrebentando como um Curtis Mayfield genérico na metade dos anos 1970, atendeu o chamado e abandonou os palcos para virar cidadão de bem. Não sem assegurar lugar na história graças à magistral Be Thankful for what You Got, embora ostente várias candidatas para não passar à eternidade como cantor de um só sucesso. Mas hit eu não faço.]
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