20211212

A velha roupa nova do rei



Então está confirmado o especial de final de ano de Roberto Carlos. Que preguiça. Tirando 1999 (por causa da doença da esposa do cantor) e 2020 (pandemia), tem sido mais ou menos assim desde 1974: banda regida pelo maestro Eduardo Lages, duetos estéreis e muitas emoções. Não será diferente no dia 22 de dezembro. Esse ineditismo que se repete a cada giro completo da Terra em torno do sol é o suficiente para convencer os monarquistas de que o rei ainda tem alguma majestade.

A única pessoa que continua esperando uma surpresa, um gesto imprevisível, um ato nobre de Roberto Carlos é o fã Paulo Cesar Araújo. Nessa segunda-feira ele lançou mais um livro sobre sua obsessão, Roberto Carlos Outra Vez. O título, emprestado de um dos grandes sucessos reais não compostos em dupla com Erasmo, alude à nova tentativa do biografar o ídolo. Como nos versos criados por Isolda, o artista foi o melhor dos planos e o maior dos enganos que o escritor pôde fazer.

A primeira vez que Araújo se propôs a botar no papel a vida do filho de Lady Laura sem a permissão do próprio aconteceu em 2006. Tão logo foi publicada, Roberto Carlos em Detalhes parou nos tribunais. Comprei a primeira edição e não entendi o porquê da querela, pois não havia nada desabonador em suas quase 500 páginas. O biografado também não contestava nenhuma informação, apenas não queria que a obra existisse. Ou que lhe pagassem uma indenização milionária.

O livro acabou sendo recolhido – não sem antes despertar o surgimento do constrangedor Procure Saber, um movimento de medalhões da MPB contra biografias não oficiais. Liderados pela produtora Paula Lavigne, baluartes da liberdade de expressão da porta para dentro como Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Djavan, entre outros, defendiam que suas histórias só poderiam ser contadas por si mesmos ou por terceiros devidamente autorizados.

Ao perceber o tamanho do rolo que provocou, Roberto, fiel ao seu princípio de não se comprometer, pulou fora e deixou a turma falando sozinha com o Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2015, finalmente, os togados sepultaram a alegação dos candidatos a censores de araque. Quem quiser escrever sobre alguma figura pública que escreva, contanto que arque com as consequências legais se caluniar, injuriar ou difamar. Caso encerrado – não para Araújo, que enquanto a Justiça enrolava para decidir lançou outro livro.

Publicado em 2014, O Réu e o Rei fala da admiração do autor pela música de Roberto Carlos, dos 16 anos de pesquisa para o malfadado …Em Detalhes e da disputa judicial que o sucedeu. Era a história de Araújo com Roberto, não de Roberto. Os advogados do cantor que se virassem para processá-lo. O livro está à venda no comércio até hoje. Depois dessa pequena vitória, qualquer um iria se dedicar a outro assunto. Mas Araújo é brasileiro e não desiste nunca.

Em Roberto Carlos Outra Vez, ele divide a trajetória do artista em 50 capítulos, tendo suas canções como fio condutor do nascimento até 1970. Um segundo volume com mais 50 músicas a partir de 1971 está previsto para 2022, quando o homenageado fará 80 anos. Até o momento, Roberto não se manifestou. Segundo sua assessoria, o rei está ocupado demais com os ensaios do especial para a TV. Que Nossa Senhora, de quem é devoto, o ilumine para parar de brigar com a própria biografia.

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Deixei de me iludir sobre Roberto Carlos com o Acústico MTV que ele cometeu em 2001. A ideia era rejuvenescer seu público, apresentando o cantor acompanhado por algumas estrelas do pop vigente para desfilar versões desplugadas de canções que atravessavam gerações. Em 17 músicas, o artista conciliaria o que a crítica queria (sua fase soul), o que os fãs esperavam (sucessos) e os standards dos quais não abre mão – “Emoções” e “Jesus Cristo”, que fecharam o show.

Fui um dos raros jornalistas a assistir às gravações, realizadas em dois dias de maio daquele ano no Polo de Cinema e Vídeo do Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca. Não era permitido usar marrom, cor vetada pela superstição de Roberto. A plateia de 150 vips incluía Marisa Monte, Cássia Eller, integrantes do Skank, Titãs, Karametade e Jota Quest, Myrian Rios (ex-esposa dele) e Ciro Gomes e Patricia Pillar, à época um casal. Todos derretendo porque o local era mal ventilado e quem entrava não podia sair.

Após submeter os súditos a três horas de espera sob um calor infernal, o rei subiu ao palco vestido em tons de azul, disse “que prazer rever vocês”, empunhou o violão e dedilhou “Detalhes”. Em seguida, engatou uma sequência automotiva, com “As Curvas Da Estrada De Santos”, “Calhambeque”, “Parei Na Contramão” e “Por Isso Corro Demais”. Da tão inspirada veia black, vieram “Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo” e “Todos Estão Surdos”. A alta temperatura não incomodava mais ninguém.

Para fortalecer a conexão com a audiência da emissora musical, Samuel Rosa (Skank) e Tony Belotto (Titãs) participaram de “É Proibido Fumar” e “É Preciso Saber Viver”, ambas regravadas pelas duas bandas. Não tinha como dar errado. O projeto resultaria em um disco, dois programas de TV (um na MTV e outro na Globo) e um DVD. Na pior das hipóteses, haveria somente o disco, pois a liberação das filmagens dependia da Globo, dona da imagem de Roberto por contrato.

Expectativa: Roberto Carlos bateria com o pau na mesa e romperia com a Globo, em um ato de rebeldia que o aproximaria mais do consumidor jovem do que qualquer estratégia de marketing. Realidade: o rei, tão cheio de manias e exigências, comportou-se como o mais reles contínuo do Projac e abaixou a cabeça. Dali em diante, nunca mais se falaria em reposicioná-lo no mercado. Se ganhou ou se perdeu, o importante é que cruzeiros ele promoveu.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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