20080411

Pergunte ao Pau (do Índio)

Começa hoje a 16ª edição do Abril Pro Rock. Fui três vezes a Pernambuco cobrir o festival, que neste ano desmembrou-se em dois blocos: o primeiro até amanhã, o outro no próximo dia 27. Aproveito o embalo para desencavar as reportagens que escrevi a respeito e prestar o devido tributo ao a) maltado no Recife Antigo, b) Pau do Índio nas ladeiras de Olinda e c) caldinho de aratu na praia de Maracaípe.

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(Reportagem publicada na revista Bizz #178, maio de 2000)

Philippe Seabra, da Plebe Rude, vem vindo da piscina, chinelo e toalhinha no ombro. Redson, do Cólera, arrisca seus mergulhos e nada feliz nas águas do hotel 7 Colinas, em Olinda. Como de hábito, a oitava edição do Abril Pro Rock – um feito e tanto para um festival no Brasil – foi fértil em revelações. A da tarde desta sexta-feira, 6 de abril, é a seguinte: estes são os punks. Os popstars, Paralamas do Sucesso e Soulfly, hospedam-se em um cinco estrelas no Recife. Até o dia 9, a oitava edição do evento ainda iria revelar que a) os anos 80 resistem bravamente na preferência popular; b) há coisas que só o metal pode proporcionar a você e c) a variedade é o molho da vida.

Como se pode ver, nada de muito inusitado. Mas que garantiu a diversão das cerca de 13 mil pessoas que estiveram nas três noites do Centro de Convenções de Pernambuco, na divisa de Recife com Olinda. Na primeira, por exemplo, a audiência ansiava pelos Paralamas. Enquanto Herbert Vianna e banda não reproduziam mais um show da turnê do disco acústico do grupo, o CIDADÃO INSTIGADO tratava de inaugurar as atividades no palco secundário. Os cearenses viajaram bonito, apostando em improvisos regados a guitarras estilo Santana, lamentos regionais e elementos eletrônicos. O público, nem aí para a ausência de algum refrão cantável, curtiu.

Os PARALAMAS DO SUCESSO vieram em seguida (mesmo) no palco principal, todos de vermelho e acompanhados dele, o sem-banda mais popular do Brasil, Dado Villa-Lobos. A homenagem a Chico Science, “Manguetown”, só encontrou páreo na gritaria com “Que País É Esse?”. Berros de “Chico, Chico” ecoavam no local, e essa foi só a quarta música do show. Entre um sucesso e outro, a apresentação foi durando, durando a ponto de estimular uma exploração pelas dependências do festival com a Feira de Arte e Comportamento, com 29 estandes vendendo de incenso a skatewear, de tambores a tatuagens. O mais inusitado, porém, estava guardado em uma casinha de dois andares em um canto do fundo do centro de convenções, a discoteca Pomba Gira. Ali funcionava um evento paralelo (veja box).

Hora de voltar à realidade, pois BIA GRABOIS já exibia sua guitarra com raiva e antipatia estudadas. Tem personalidade, a garota. Respeitando o revezamento de palcos, agora era o REPLICANTES que ocupava o maior. Com o ex-baterista Carlos Gerbase nos vocais, o quarteto gaúcho ligou o “um, dois, três, quatro” e despejou uma saraivada de hardcore sem interrupções (“Nicotina”, “Festa Punk”, “Surfista Calhorda”). Como se não bastasse o figurino de Gerbase, um macaquinho de gosto duvidoso, a banda ainda teve a audácia de cometer uma esdrúxula versão de “Killing Moon”, do Echo & The Bunnymen, que não fugiu da roda de pogo. Bem, não deixa de ser punk.

O grupo carioca VULGUE TOSTOI se apresentou na seqüência, mostrando um pop sofisticado, com guitarras pesadas, programações e “Vapor Barato” como nunca se ouviu. Para muitos, a revelação que os olheiros de gravadora estavam procurando. Um bom antepasto para a PLEBE RUDE, divulgando contrariada o disco da reunião da banda, Enquanto A Trégua Não Vem - Ao Vivo. Bastaram os primeiros acordes de “Brasília” para Philippe Seabra perceber que estava errado ao dizer, no hotel, que iria com uma camiseta da Plebe por baixo para ser reconhecido. Redson, o nadador, participou em “Luzes”, do grupo brasiliense Escola de Escândalo e em “Medo”, do repertório do Cólera.

Na tenda eletrônica, AD fazia o balanço com graves sinuosos, preparando a pista para o drum & bass mais calmo, com pitadas de jazz, do DJ PATIFE. Os cabeçudos que não estavam na Pomba Gira chacoalhavam o que restava de energia no corpo. Quase cinco da manhã e, na chegada ao hotel, somente os integrantes do Aterciopelados estão acordados, caminhando da piscina ao bar e vice-versa. Eles são colombianos.

Metaleiros no tecno
Amanheceu chovendo no sábado, o que acabou com a algazarra dos punks na piscina. A água atrasou a entrada do SISTEMA X no centro de convenções para pouco depois das 18h30. Pelo menos, se o rap não animasse, já se sabia da existência da Pomba Gira (sempre um refúgio) e da tenda eletrônica, que, desativada, servia para um descanso rápido. No entanto, a fi
delidade dos metaleiros fez com que as dois recantos só ganhassem atenção nos curtos intervalos dos shows. Sem contar que dois heróis da cena local estavam escalados para essa noite, SHEIK TOSADO e Devotos (ex-do Ódio).

O primeiro pôs o povo para pular, incentivado pela performance aeróbica do vocalista China, que não parou um minuto. No palco, a banda ganha força não ouvida em seu disco, Som De Caráter Urbano E De Salão, com todas as músicas cantadas pelo público. O DEVOTOS, bem, basta dizer que foi o único momento, em todo o Abril Pro Rock, em que todos correram para a frente do palco. Em oito edições do festival, essa era a sétima em que o trio do Alto José do Pinho se apresentava. Como se seu hardcore, da qual não escapou nem a versão de “Alagados”, do Paralamas, fosse insuficiente para levantar os menos exaltados, o vocalista Canibal mandou uns gritos de “Nação Zumbi”, novamente homenageando o principal nome do mangue beat.

A empolgação que invadiu a frente do palco principal não encontrou recepção no espaço menor. SUPERSONIQUES, guitar band, estava triste demais, ficando ainda mais deprimente com a falha no som. ATAQUE SUICIDA, com brados como “políticos merecem porrada”, só conseguiu tornar mais longa a espera pelo SOULFLY. Que demorou.... Um silêncio maior do que o problema que afetou o Supersoniques, inexplicável porque a Soufly teve tempo de sobre se arrumar no palco principal.

Ah, mas é Max Cavalera! O homem que chegou no Abril Pro Rock, tocou e foi embora, superprofissional. Mostrou em primeira mão músicas do novo álbum e estreou a nova formação do grupo. Soulfly à parte, é imperioso dizer que o momento alto foi “Roots”, do Sepultura e que Chico Science, presente até na camiseta do mestre-de-cerimônia Rogê (“cadê Rogê...”), ganhou outra homenagem. Enfim, simpatia.

Findo o exorcismo de Max Cavalera, o grande dilema: será que os metaleiros vão quebrar tudo na tenda eletrônica? Mas metaleiro do Recife é from heaven. Metaleiro do Recife dança tecno vestido com camiseta do Nuclear Assault. O ANVIL FX também não deu mole para o azar, surgindo com um batidão que se converteu em baião digital. Quando se nota, a banda transformou-se em SHIVA LAS VEGAS, com o vocalista Lex Lilith encarnando um xamã e espantando os diabinhos com berros como “me segura que eu vou ter um troço”.

Espere aí: aquele cara altão ali no meio da pista tem a maior pinta de gringo, todo desengonçado com uma caipirinha na mão. É algum maluco do Bloco Vomit. Dá licença, deixa um dos Aterciopelados passar, ligadão no movimento. A cantora ANDREA MARQUEE vai acalmando a onda, mas a essa hora, quase duas, todos os roqueiros brasileiros que não estão pairando já estão dormindo. Menos os que se arriscaram até o Recife antigo para dar um pulo no Pina de Copacabana, o bar de Rogê. Na jukebox, “Stairway To Heaven”. Toca para o hotel.

Ciranda de estilos
Domingão e a chuva que cai desde ontem alagou parte do acesso ao centro de convenções. A noite mais despretensiosa do festival, a mais eclética, a mais “new wave”, foi a que teve menor público. Em compensação, foi a melhor, trazendo uma riqueza musical condizente com as tradições reveladoras do Abril Pro Rock. Artistas conhecidos, como Otto e Los Hermanos, mostraram que ao vivo são outros quinhentos. Estranhos na programação, Aterciopelados, Paulo Diniz e Bloco Vomit conquistaram a platéia.

Dos nativos, destaque absoluto para o CABRUÊRA, o único grupo capaz de rivalizar com o Vulgue Tostoi no quesito surpresa do Abril Pro Rock. OK, o papo de influências regionais para fazer um som moderno já foi explorado até dizer chega, mas estes paraibanos estão em ponto de bala. Eles regendo uma grande ciranda de roda na platéia ficou como uma das cenas memoráveis deste festival. COMADRE FLORZINHA e BATE O MANCÁ (de Silvério Pessoa, do Cascabulho, dedicado à obra de Jacinto Silva) investiram nas raízes forrozeiras da região e comoveram, enquanto à STELLA CAMPOS coube a dura tarefa de abrir a balada com seu trip hop para chamar as pessoas.

A cantora tocou antes do BLOCO VOMIT, que invadiu o palco secundário com 11 escoceses vestidos de mulher, interpretando clássicos do punk em ritmo de batucada. É o típico caso de algo tão bizarro que se torna bom. No palco principal, PAULO DINIZ ilustrou o momento James Taylor do festival, com quase todo mundo sentado balançando ao som de “Pingos De Amor” e “I Want To Go Back To Bahia”. O tiozinho deu lugar aos ATERCIOPELADOS, imediatamente traduzidos por “aveludados” pela carismática vocalista Andréa Echeverry. A moça deu uma aula de como seduzir uma platéia desconhecida. Ensinou refrões, distribuiu apitos e pirulitos, sorriu direto. Como recompensa, o pop meio oitentista, meio moderninho da banda recebeu mais aplausos do que o previsto. Showzão.

OTTO, lá na frente, rebateu quaisquer críticas sobre suas apresentações, consideradas irregulares. Com uma banda de primeira, mesclou seus cult hits (“Bob”, “Renault/Peugeot”, “TV A Cabo”) com músicas de seu próximo disco, desfilando grooves irresistíveis. “É a Jambro Band. ‘Jam’ de improviso, ‘bro’ de brother. E jambro é uma fruta da região”, explicou o sempre enigmático Otto.

Para fechar o festival, LOS HERMANOS, a revelação do Abril Pro Rock do ano passado, agora do tamanho de uma grande atração. OK, o vocalista Marcelo Camelo fala coisas bonitas entre uma canção e outra – “esta é para quem está apaixonado”, “esta é para quem já se apaixonou em um show” –, mas o negócio aqui é hardcore, com todo o sotaque carioca a que tem direito. Tremenda injustiça esses caras serem louvados apenas por “Anna Julia”. Como mais tarde diria Camelo, no micro-ônibus de volta ao hotel, “não entendo porque no Brasil uma banda não pode tocar uma música romântica e depois fazer a maior barulheira”.

No festival, GUIZZMO e MAD MUD encerravam a tenda eletrônica, exigindo forças de quem não tinha. Uma canseira que nem a generosa porção de macaxeira com carne de sol servida no barzinho ao lado da Pomba Gira teve a moral de acabar.

BOX: Cubículo de emoções
Bendita a hora em que a organização do Abril Pro Rock teve a idéia de armar um barraquinho com dois andares no cantinho do festival. Durante três noites, rolou uma versão paralela do evento naqueles 16 metros quadrados. No térreo, uma pista de dança na qual se revezavam forrós, black music, rap e mangue beat. No andar de cima (o lounge Calcinha Preta), os roqueiros mais afoitos encontravam uma cama de casal com mosquiteiro, um sofá, roupeiro, criado e telefone (ambos mudos).

Não demorou muito para os mais agitados descobrirem que ali era um porto seguro para levar um papo, defumar as roupas ou, simplesmente, desopilar. Subindo-se pela íngreme escadinha acarpetada de vermelho, não era difícil encontrar um sósia de Lee Perry, elmo (!) na cabeça regulando o movimento para a bagaça não desabar em cima da pista de dança – preocupação pertinente, pois tinha hora que umas 15 pessoas se espremiam no cubículo e o chão não parava de balançar. De repente, Manu Chao irrompe nos alto-falantes e transforma tudo em Tijuana. Quero ver agora para descer...

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