Uma Mega-Sena já resolveria a vida de muita gente. Mas só tem fila para jogar quando está acumulada. Devem ser as pessoas que não têm o hábito de acreditar toda semana. Afinal, a probabilidade de ganhar com uma aposta simples é de uma para 50.063.860, maior apenas do que a chance de isso acontecer duas vezes. Então, se é para queimar o único cartucho da sorte desta encarnação, que seja por muito.
Pois é, sou um desses babacas.
E do pior tipo: o que não deixa para o último dia para evitar fila – e pega fila do mesmo jeito, porque a mediocridade evolui por ressonância mórfica. Tudo faz parte de um ritual que, no universo racional, é considerado critério. Jogar somente quando o prêmio ultrapassa R$ 20 milhões. Um cartão com seis dezenas e nada mais. E nunca tentar estabelecer alguma lógica para escolher os números.
Assim sendo, na terça-feira me preparei para desafiar o Acaso. Tinha de ser em algum lugar que comovesse a Fortuna a ponto de ela baixar por ali. A lotérica do terminal central pareceu ideal. Sua freguesia é formada majoritariamente pelas classes C e D, que gasta menos do que os R$ 2,50 (1,98 no Cartão do Trabalhador) do ônibus que sai daqui a pouco para poder sonhar com a bolada. Prazer, minha turma.
Lá chegando, peguei um cartão e, em uma concessão à matemática, dei uma espiada no quadro com as dezenas da semana anterior. Nestas, eu não apostaria. Confiante no fato de que é bem mais fácil cravar seis em 54 do que em 60, dei uma examinada nas oito pessoas que estavam na minha frente. Não foi uma boa idéia. A agência era freqüentada por gente com pinta de ser mais pobre do que eu.
Exatamente antes de mim, uma mãe arfava com a filha no colo. Um coroa carregando uma sacolinha de farmácia, duas adolescentes em uniformes da escola pública, um casal inter-racial, um motoboy, uma manca (cuja deficiência só percebi quando claudicou em nossa direção); todo mundo olhou para trás e fez festinha para a menina. Entretanto, ninguém cedeu o lugar para a mulher que a carregava. Sorri. A criança achou que fosse para ela.
Saí mais animado do que entrei. Aquela gente precisava, mas não merecia mais do que eu.
***
Não acertei nenhum número. Na próxima acumulada, vou jogar na lotérica de Jurerê Internacional. É do feitio da justiça: aparecer em um lugar onde seja estritamente desnecessária.
Eu teclei “na próxima”? Passou.
Um comentário:
Crônica inspirada. Tem um quê de Nelson Rodrigues nos personagens...
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