20150821

Ainda garotinha, já com malandragem

A voz sai suave, límpida, mais aguda e sem os arroubos que consagrariam sua dona. Como acompanhamento, apenas um violão. A gravação soa um pouco abafada, denunciando a forma amadora em que foi feita. A cantora é Cássia Eller, então uma desconhecida de 21 anos que tentava se firmar na carreira artística. Entre novembro e dezembro de 1983, ela plugou o microfone no aparelho 3-em-1 (o suprassumo da época) na casa da namorada em Brasília, a jornalista Elisa de Alencar. Dez canções registradas em português, inglês, francês e espanhol na ocasião deram origem a O Espírito do Som, seu quarto disco póstumo.



A fita cassete daquela histórica sessão apareceu em 2013 na casa do irmão de Elisa, em Olinda, que a havia ganho de presente da própria Cássia – o que explica porque somente está sendo lançada em CD agora, 14 anos após a morte da artista. O primeiro dos três volumes prometidos com raridades do período em que a carioca começava sua trajetória em musicais no teatro na capital federal até a estreia profissional em estúdio, em 1990, impressiona pelo repertório. Exceto “Flor do Sol” – parceria com a amiga Simone Saback, rearranjada como single em 2012 –, as demais são covers que nunca haviam vindo à tona em roupagem acústica.

Dos Beatles, ela pinçou “For No One”, “Happiness Is a War Gun” e “Golden Slumbers”. Do baú da MPB, “Segredo” (Luiz Melodia), “Ausência” (do “pavão misterioso” Ednardo) e “Sua Estupidez” (Roberto e Erasmo). As faixas apontam para as direções que Cássia iria seguir depois de se projetar: uma interpréte à vontade tanto no pop/rock e na música brasileira quanto fora desses dois polos, como em “Good Morning Heartache” (Billie Holiday), “Ne me Quitte Pas” (Jacques Brel) e “Airecillos” (Marluí Miranda). Em todas, emerge a personalidade “maldita” de quem ainda era só uma garotinha, mas já tinha malandragem.

DATAS QUADRADAS ||||||| 31 ANOS
O QUÊ Red Sails in the Sunset, quarto disco do Midnight Oil.
QUEM Banda australiana que explodiu mundialmente no final dos anos 80 com o álbum Diesel and Dust.
POR QUÊ O grupo ficou conhecido pelos hits “Beds are Burning” e “The Deat Heart”, mas o trabalho anterior mostra que seu som ia muito além da pegada pop que os consagrou entre surfistas, bebendo também do punk e do pós-punk para embalar letras conscientes.
LEGADO Não precisa ser sisudo para falar de coisas sérias como desarmamento nuclear, direitos indígenas e preservação ambiental. O vocalista Peter Garrett não se restringiu ao discurso – candidato derrotado ao senado de seu país em 1984, continuou na militância após o fim da banda, elegendo-se deputado em 2004 e sendo nomeado ministro do Meio Ambiente, do Patrimônio e das Artes em 2007.
OUÇA “Jimmy Sharman's Boxer”, “Kosciusko”, “Best of Both Worlds”.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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